30 anos de apoio Interamericano à Desminagem Humanitária

Por CMG (FN) Leonel Mariano da Silva Júnior

As ações de desminagem humanitária trazem, além da preservação de vidas, o apoio ao desenvolvimento socioeconômico, por liberar áreas para construção civil e agropecuária, e ao restabelecimento do poder do Estado em áreas onde há atividades ilegais.

Desde o início dos anos 1990, a Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de seu Programa de Ação Integral contra Minas Antipessoal (AICMA-OEA) provê apoio financeiro, técnico, logístico e administrativo aos seus Estados membros que tenham planos nacionais de desminagem humanitária. Para tanto, a OEA conta com a colaboração de “países doadores” de recursos financeiros ou materiais ou “países contribuintes” com pessoal e equipamentos especializados.

A Junta Interamericana de Defesa (JID), desde 1993, coordena o apoio de países contribuintes que fornecem pessoal militar especializado, em apoio a AICMA-OEA. Em 2023, completaram-se, portanto, 30 anos deste apoio. Este artigo apresenta um histórico das atividades da JID em apoio à desminagem humanitária, apresentando os principais resultados obtidos e lições aprendidas.

Sapadores em ação em terreno de selva

1993 – 2010: Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central (MARMINCA)

Em 1978, a Frente Sandinista de Libertação Nacional, organização de guerrilha, tomou o governo da Nicarágua, após 16 anos de guerra civil. Em oposição, surgiu outro movimento guerrilheiro, os “Contras”, com base em países fronteiriços como Honduras e Costa Rica. Em 1990, firmou-se acordo entre os lados em conflito.

Uma das consequências mais graves deste longo período em guerra civil foi a permanência de milhares de minas terrestres nas regiões fronteiriças e em torno de pontos sensíveis no território nicaraguense. Em 1991, a Nicarágua solicitou o apoio da OEA. Foi então designada uma Comissão de Peritos Militares da JID para avaliar a situação.

Uma das conclusões desse estudo foi que a JID poderia apoiar o treinamento, equipamento e supervisão das operações, com um grupo internacional. Apontavam-se ainda os principais fatores que atrasariam as operações: condições de selva e montanha, falta de registros, contaminação por restos de guerra e dispersão por fenômenos naturais. Tais fatores foram quase sempre limitadores a todas as operações de desminagem humanitária no continente americano que se desenrolaram nesses trinta anos.

No início de 1993, conformou-se o programa de apoio da OEA para apoio logístico às operações de desminagem, bem como o apoio militar da JID e do Comando Sul dos Estados Unidos da América (EUA) para treinamento de sapadores.

Paralelamente, o Brasil enviara 160 fuzileiros navais a Angola, de 1993 a 1995, para desminagem em território angolano (missão UNAVEM-III das Nações Unidas), em apoio à engenharia de construção do Exército Brasileiro, que estava reparando pontes e estradas. Havia, portanto, expertise para compartilhar entre os países membros da JID.

Em 1993, uma equipe formada por 15 oficiais provenientes de Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Guatemala, Honduras, Peru e Uruguai, deu início ao apoio da JID aos trabalhos de desminagem na Nicarágua. Criava-se a MARMINCA, que atuou na Nicarágua entre 1993 e 2010, além das regiões de fronteira com esse país em Honduras (1995 a 2004) e Costa Rica (1996 a 2002). Atuou também na Guatemala de 1997 a 2005 e Suriname em 2004, por demanda destes Estados.

A MARMINCA, bem como as Missões que se seguiram, tinha a responsabilidade de, além de prestar apoio especializado, assegurar à comunidade internacional, particularmente a doadora de recursos, o cumprimento às normas de segurança, tanto para os desminadores como para a população que viesse a utilizar o terreno. Como resultados principais, mais de 200.000 minas e munições foram neutralizadas e a América Central foi declarada em 2010 um subcontinente livre de minas. Na missão, 295 militares atuaram, da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Peru, Uruguai e Venezuela.

Dentre as principais lições trazidas por essa Missão, está a conscientização dos atores para o cumprimento das normas internacionais do assunto: com base nos International Mine Action Standards (IMAS), foi aprovado o Manual de Procedimentos Operacionais para Desminagem Humanitária, conhecido como “Tabla de Chequeo”.

CC (FN) Rui é visitado nos EUA pela Princesa Diana do Reino Unido, após acidente em Honduras

A necessidade de redes para comunicação e evacuação de feridos também teve sua importância reforçada. Em 1997, por exemplo, o então Capitão de Corveta (Fuzileiro Naval) Rui Xavier da Silva, da Marinha do Brasil, sofreu amputação do pé direito, por acidente com mina em Honduras, e chegou a ser levado aos EUA para tratamento.

A atuação da MARMINCA trouxe significativos ganhos que se repetiram nas missões seguintes, sendo os principais:
– redução de acidentes entre o pessoal envolvido nas ações;
– aumento da confiança dos países doadores; e
– reforço da confiança e transparência militar na região.

2003 – 2013: Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América do Sul (MARMINAS)

A questão das minas em Equador e Peru teve origem no Conflito do Rio Cenepa, na Cordilheira do Condor, de 1995 a 1998, que levou os dois países a minar faixas de fronteira (cerca de 76 km). Em 2002, foram enviados oficiais da MARMINCA para assistência técnica e treinamento e foi assinado um Convênio para desminagem, com apoio de AICMA-OEA. Em 2003, instalou-se a Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América do Sul (MARMINAS). Até 2013, nela atuaram 70 oficiais do Brasil, Chile, Honduras e Nicarágua.

As operações da MARMINAS se deram em terreno complexo, com acentuada inclinação e sujeito a deslizamentos de terra, grande altitude, grande amplitude térmica e neblina frequente. Grande parte dos deslocamentos era por meio aquático ou aéreo, sendo que o apoio aéreo representava 45% do custo do programa de desminagem humanitária.

O solo da região tinha elevada porcentagem de metais em sua composição. Isso levou à adoção de detectores que não detectavam simplesmente a presença de metal no solo, mas sim a diferença de seu percentual na composição do mesmo.

Atuação da MARMINAS no terreno

Tais detectores, no entanto, necessitavam operar sempre paralelamente ao solo, fazendo com que praticamente não devesse haver vegetação para seu correto funcionamento. Com isso, a obrigação de retirar a vegetação tomava grande parte do tempo das operações, surgindo então a técnica de sua retirada com agentes químicos, cuja aplicação foi aprovada pelos órgãos ambientais dos países fronteiriços.

Devido a restrições financeiras, o apoio de AICMA-OEA e da MARMINAS foi suspenso na região. Equador e Peru, no entanto, continuaram realizando a desminagem com seus próprios recursos. Em 2020, a OEA iniciou negociações com os dois países para apoiar seus esforços, visando concluir a limpeza da região.

2006 – Dias Atuais: Apoio Interamericano ao Plano Nacional de Desminagem da Colômbia

A Colômbia vive assolada por conflitos desde a década de 1960 e uma consequência é a elevada incidência de minas, artefatos improvisados e munição falhada. De 1990 até março de 2023, foram 12.342 vítimas, com 2.350 (19%) vítimas fatais. As ações de desminagem no país já liberaram mais de 12 milhões de metros quadrados e destruíram mais de 5.000 de artefatos.

De acordo com o anuário Landmine Monitor, em 2021 a Colômbia foi o quinto país em recebimento de doações internacionais para desminagem (US$ 31,4 milhões). Atualmente há cerca de 5.500 pessoas empregadas nessa atividade no país, sendo 4.500 militares e 1.000 civis.

Mas falta muito. Dos 1.122 municípios colombianos, em 226 (20%) ainda há necessidade de atividades de desminagem humanitária. Entretanto, em 124 municípios (11% do total), não há condições de segurança para isso, uma vez que, apesar dos acordos de paz recentes, ainda se registra no país o emprego de artefatos explosivos por parte de grupos armados que não aderiram a esses acordos ou envolvidos em atividades ilegais.

Situação na Colômbia (março de 2023)

Em 2005, a JID enviou Oficiais da MARMINAS para iniciar a capacitação de militares colombianos na transição da desminagem “militar” (operacional) para a desminagem humanitária. Em março de 2006, foi criado o Grupo de Monitores Interamericanos de Desminagem Humanitária na Colômbia (GMI-CO), sob a coordenação da JID e controle operacional do AICMA-OEA.

Avaliação de militar do Exército colombiano

Esse Grupo realiza a avaliação e o monitoramento das organizações de desminagem humanitária militares e civis, conforme as normas técnicas. A avaliação é realizada da capacitação, do planejamento e execução das atividades. O GMI-CO já participou da certificação para operação de 8 mil militares e civis colombianos.

Avaliação de desminador de organização civil

Em 2015, a atuação da JID foi reforçada com a criação do Grupo de Assessores Técnicos Interamericanos na Colômbia (GATI-CO), para capacitação de pessoal militar. Há ainda um acordo bilateral entre a Colômbia e o Brasil, que apoia a capacitação e a gestão de qualidade das organizações militares colombianas, compondo a Missão de Instrutores e Assessores em Desminagem Humanitária na Colômbia (MIADH-CO).

No total, há atualmente 16 militares brasileiros e um mexicano atuando na Colômbia. Desde 2006, 135 militares já apoiaram ações de desminagem humanitária no país, oriundos da Argentina, Brasil, Honduras, México, Nicarágua e Trinidad-Tobago.

Monitoramento

As ações de desminagem humanitária no continente americano apoiadas pela JID iniciaram-se em 1993 e contaram desde então com a participação de 510 militares, oriundos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicaragua, Peru, Trinidad-Tobago, Uruguai e Venezuela. Nesse total, destacou-se a atuação brasileira, fornecendo 65% desse pessoal.

Tal atuação trouxe ganhos significativos, como:

Para o futuro próximo, visualiza-se a continuação do esforço na Colômbia, dada a proporção do seu território que ainda demanda tais ações, particularmente nas suas regiões de fronteiras com a Venezuela e o Equador. Especialmente na Venezuela, é possível que, quando a situação política e humanitária do país se estabilizar, sejam necessárias atividades de desminagem humanitária nas regiões onde atualmente operam grupos armados.

O autor é Chefe do Grupo de Monitores Interamericanos de Desminagem Humanitária na Colômbia. 

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