Coluna Política Internacional – O Brasil, o decreto 8.515 e as arremetidas

pouso duro

Por Leonardo Dutra

Os aviadores costumam encarar com humor ou estranheza a cobertura jornalística de alguns fatos da aviação comercial. Frases como “avião arremete e passageiros vivem momentos de terror,” ou “avião arremete após tentativa malsucedida de pouso -ninguém ficou ferido,” tem variantes encontradas na mídia.

Tais afirmações são curiosas porque a arremetida é um procedimento normal na pilotagem de aeronaves. É executada centenas de vezes no treinamento dos pilotos. Na operação habitual, é um procedimento que visa a segurança dos tripulantes e a salvaguarda do equipamento. Ou seja, na aproximação (final), não tendo absoluta certeza sobre as condições de pouso, o piloto arremete. Em regra, ele não arrisca um pouso que possa vir a ser malsucedido.

Procedimento de “Aproximação Perdida” presente em cartas aeronáuticas

Neste mês de setembro a cobertura jornalística do decreto 8.515 pode ter cometido mais uma “arremetida perigosa” no espaço aéreo brasileiro. Para alguns veículos de comunicação, o decreto gerou “uma histeria geral.”

A norma foi publicada no dia 4 de setembro, causou variadas repercussões, e teve parte da sua redação retificada no dia 10 de setembro. Para o novo Art. 1º do decreto, “fica delegada competência ao Ministro de Estado da Defesa para editar [atos relativos a pessoal militar], permitida a subdelegação aos Comandantes das Forças Armadas.”

No entanto, o resultado da cobertura jornalística do tema, em tempos de livre expressão na internet, foi a construção de diversas previsões sobre o futuro das Forças Armadas e do Brasil.

Neste ambiente, pouco foi discutido sobre o efetivo conteúdo e impacto da referida norma. Foram escassas as análises e os juízos sobre do decreto 8.515 em relação à outras normas, como a LEI Nº 5.821, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1972 (Dispõe sobre as promoções dos oficiais da ativa das Forças Armadas e dá outras providências); o DECRETO Nº 107, DE 29 DE ABRIL DE 1991 (Regulamenta, para a Marinha, a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972; o DECRETO Nº 3.998, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2001 (Regulamenta, para o Exército, a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972; ou o DECRETO Nº 7.099, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2010 (Regulamenta, para a Aeronáutica, a Lei no 5.821, de 10 de novembro de 1972, que dispõe sobre as promoções dos Oficiais da Ativa das Forças Armadas).

Dito de outra forma, teriam sido bem-vindos alguns esclarecimentos de especialistas em Direito Militar publicados nos veículos de comunicação. Comentários que elucidassem o ocorrido para o público em geral, discutindo,desde sólidos parâmetros científicos e empíricos, a problemática encerrada pelo referido decreto. Artigos que trouxessem à tona efetivos problemas administrativos da carreira militar. Textos que enriquecem o entendimento sobre o tema.

No entanto, esta não foi a principal abordagem do fato. Permanecendo a discussão em torno de uma instabilidade das instituições brasileiras. Uma “histeria”atribuída às Forças Armadas, pouco condizente com a realidade destas Forças, uma vez que não é papel, atribuição ou costume da Marinha, Exército ou Aeronáutica a prática do histerismo.

Em última análise, buscou-se fomentar um cenário de instabilidade nacional sem, no entanto, discutir as bases desta inconstância.

Assim, em um mês de setembro aparentemente instável para o Brasil, esta coluna de Política Internacional desloca o foco para o ambiente nacional. Discute uma problemática mais profunda que as questões comumente debatidas nos veículos de comunicação. Ou seja, busca tratar de um elemento anterior a política e a economia.

Pois é possível conjecturar que a instabilidade brasileira é oriunda de um elemento central pouco debatido na mídia. Derradeiramente, tem origem nas características da sociedade brasileira, e em contrapartida, não advém exclusivamente de um determinado período recente da história, de uma personalidade ou de uma agremiação ideológica.

Porque enquanto é crescente o descontentamento de alguns indivíduos com os atuais rumos do Brasil,a sociedade brasileira não consegue conceber um projeto para a nação. Não esboça uma mudança em seus hábitos e características que propicie transformações significativas no destino do país.

REUTERS/Joedson Alves

Não há opções construídas pela sociedade do Brasil que sinalizem um 2030 ou um 2045 diferente do 2015 ou do 2002.Assim, como um pêndulo, esta sociedade caminha do céu ao inferno a cada 10 ou 15 anos. Construindo um Brasil que escolhe condenar seus filhos e netos a viver os mesmos problemas que hoje enfrentamos.

O Brasil experimenta uma democracia representativa nas últimas décadas. Ou seja, o povo escolhe um determinado grupo para representar os interesses do próprio povo. No entanto, a sociedade brasileira esquece frequentemente deste fato.

Pois, neste caso, é razoável conjecturar que a classe política brasileira representa a vontade da sociedade do país desde meados dos anos 1980. Ou seja, existiram 7 eleições para a cúpula política nacional desde 1985. Dito de outra forma, foram 30 anos em que a sociedade do país teve a chance de rejeitar o que poderia ser danoso para a nação.

No entanto, durante 30 anos, optou pela repetição dos mesmos erros cometidos em outras ocasiões da história. Assistiu (e assiste) inerte à deterioração econômica e social do Brasil, bem como, observa a degradação de estruturas fundamentais do Estado como o sistema educacional, de saúde, de segurança, entre outros.

Segue deste ponto que, enquanto o povo existir desde os mesmos elementos hoje constituintes da sociedade brasileira,será sempre possível mudar as cores e os nomes das ideologias partidárias no poder, contudo, dificilmente serão alterados os rumos do Brasil.

São notórios os êxitos obtidos pelo judiciário nos últimos anos na tentativa de amenizar o problema. Também é meritório o amadurecimento das instituições do Estado brasileiro como um todo nas últimas décadas. Entretanto, a sociedade que dá razão a existência destas instituições, em última análise, não demanda um destino mais equilibrado para o país.

Dito de outra forma, e voltando ao paralelo aeronáutico do início deste artigo, um piloto sentado no primeiro banco da esquerda de uma aeronave sabe de onde partiu, sua posição e situação presente, bem como, para qual aeródromo está se dirigindo.

É vital que um aviador tenha um destino (precisa pousar a aeronave) e saiba com precisão elementos como a velocidade, a altitude, o combustível disponível, a posição geográfica e a distância para o objetivo. Não conhecer estes elementos seria potencialmente desastroso para os tripulantes de qualquer aeronave de asa fixa.

Suspeito que a sociedade brasileira não sabe de onde decolou. Não conhece sua atual condição e posição e, igualmente preocupante, não tem um objetivo, uma rota traçada.

REUTERS/Jed Jacobsohn

Se a sociedade brasileira fosse uma aeronave de asa fixa eu seria categórico: é um voo irresponsável, e o acidente é muito provável durante esta jornada.

Nota importante: Como apresentado neste ensaio, debater aspectos políticos, sociais e econômicos do Brasil de forma superficial pouco ajudam no entendimento destas questões. Assim, ao invés de debater qual cor partidária ou indivíduo é o melhor para desenvolver o país, vamos aproveitar este espaço para debater um projeto para o Brasil. Uma rota, um destino melhor (e possível) para a sociedade brasileira.

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