Negação do Uso do Mar em Perspectiva: Capacidades Chinesas e Lições para o Brasil

Por Guilherme Henrique Simionato dos Santos

O objetivo principal desse trabalho é analisar o desenvolvimento das capacidades militares chinesas relacionadas a essa função e tirar ideias para o Brasil. A China parece adotar uma abordagem interessante no seu perfil de forças: mistura sistemas relativamente simples com sistemas de alta tecnologia, tendo como foco a negação do mar e a negação do acesso ao seu entorno. Como resultado, tem-se cada vez mais um consenso entre os analistas sobre a capacidade do país em negar o uso do mar e a intervenção estrangeira nas suas águas. Dessa forma, o exemplo chinês parece contribuir com o debate acerca dos possíveis desafios a serem enfrentados pelo Brasil no escopo do Atlântico Sul.

Introdução

Uma estratégia condizente com as necessidades de uma nação passa pelo desenho deu m perfil de força adequado para as forças armadas do país. Além de se desenvolver elementos políticos, administrativos e organizacionais para sustentar o desenvolvimento do país, deve-se planejar cuidadosamente a aquisição e o desenvolvimento de sistemas de armas para que sejam condizentes com as condições e necessidades definidas no nível da política.

Nesse sentido, buscar luz na experiência de outros países é essencial para debater o nosso próprio planejamento. A análise do caso Chinês é um dos casos que podem contribuir para isso, na medida que podem-se identificar diversas semelhanças nos desafios impostos a ambos. À parte coincidências em termos do amplo território, da grande população e da condição de ascendente nas relações internacionais, a mais latente das afinidades diz respeito ao desafio de fazer valer a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a soberania sobre as suas respectivas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE).

Portanto, o que se pretende no presente esforço de pesquisa é realizar uma análise do inventário da China com foco nas capacidades de negação do uso do mar, reconhecendo todas as limitações que isso envolve(1), para tirarmos algumas ideias para o Brasil. Em síntese, no caso chinês, tem-se um modelo híbrido que combina mísseis balísticos e cruzadores antinavio, submarinos de ataque de propulsão nuclear e convencional e vasos de superfície como destróiers e fragatas, com minas marítimas, corvetas e catamarãs com capacidade antinavio (O‟ROURKE, 2015).

Utilizar tais sistemas de armas para desabilitar ou dificultar o uso de sistemas muito mais custosos, permite fazer frente às capacidades de um oponente superior em um cenário de guerra local, como, no caso chinês, um confronto travado por Taiwan ou nos Mares do Leste ou do Sul da China, ou, no em um cenário hipotético brasileiro, disputas envolvendo o Atlântico Sul.

Perfil de Força da República Popular da China (RPC)

Antes de se analisar o perfil de força da China, deve-se compreender a essência das duas principais orientações estratégicas da China: o conceito de Defesa Ativa e de Guerra Popular. O primeiro, um conceito abrangente que se aplica a todos os ramos das forças armadas, indica que a China não deve iniciar guerras a fim de atingir objetivos estratégicos, comprometendo-se a utilizar a força apenas com propósitos de defender sua soberania nacional (CORDESMAN e KLEIBER, 2006, p. 8-9). No entanto, essa postura defensiva não significa passividade, por isso seria uma Defesa Ativa, na medida que, mesmo baseada na premissa de atacar apenas após o inimigo ter atacado, compreende a necessidade de se empregar “operações ofensivas em todos os níveis da guerra e em todos os estágios do conflito” (BLASKO, 2014, p. 81).

Já a Guerra Popular, um conceito cuja origem coincide com a própria fundação da RPC, cumpre a função central de criar aderência entre os elementos da trindade de Clausewitz (2007) (população, governo, forças armadas) e o desenvolvimento e a soberania do país. Os princípios da Guerra Popular enfatizam a importância da mobilização do povo e da economia em apoio ás forças armadas (BLASKO, 2014).

Essa função é reconhecida como um dos elementos mais importantes de dissuasão e incluí a mobilização de todos os aspectos da sociedade, indo desde a indústria e agricultura, passando pelas comunicações, transportes, telecomunicações, ciência e tecnologia, até os serviços médicos e de saúde, a construção urbana, as trocas comerciais e as finanças (PRC, 2002).

Nesse contexto, apresenta-se aqui um modelo particular para entender o escopo de ação das forças armadas da China. Ele é composto por três camadas: (i) Defesa em Linhas Interiores; (ii) Defesa em Alto Mar; e (iii) Defesa em Mares Distantes. Cada uma possuindo densidade diferente, como será visto. O Anexo A sintetiza o modelo, seus sistemas e alcance.

Defesa em Linhas Interiores

O poder terrestre é o principal sustentáculo da dissuasão chinesa. O país possui o maior exército do mundo, contando com 2,3 milhões de homens em armas e mais de 4 milhões em forças paramilitares; detém a maior força de blindados pesados de combate (MBTs) do mundo (6.540), com mais que o dobro do segundo lugar; mais de 13 mil peças de artilharia, a maior do mundo; e, apoiando seu poder terrestre, possui quase 500 caças de ataque ao solo e 150 helicópteros de ataque (IISS, 2015).

Em termos de infraestrutura, o país “tem promovido um boom na construção de dutos, rodovias e aeroportos, que se conectarão com a infraestrutura externa, podendo vir a garantir estabilidade interna para o país”, melhorar a questão da segurança energética e facilitar o movimento das forças em um eventual conflito (ZUCATTO, et al., 2013, p. 39).

Especificamente, no entanto, um importante ponto para a manutenção da inexpugnabilidade e da capacidade de retaliação nuclear da China é a sua rede de túneis fortificados. Chamados de “a Grande Muralha Subterrânea”, em referência ao papel de protetor máximo que a muralha original possuiu. A rede possui mais de 5.000 km em túneis fortificados e climatizados, capazes de abrigar todo o arsenal nuclear do país e garantir não só a sua sobrevivência a um ataque nuclear, mas também a sua capacidade de proteger, posicionar e disparar como retaliação (KARBER, 2011).

Defesa em Alto Mar

O componente central da estratégia chinesa é negar a liberdade de movimento às forças do adversário no teatro operacional. Para isso, três tipos de sistemas são essenciais: (a) mísseis antinavio (AShM), (b) mísseis antisubmarino (ASW) e seu (c) sistema integrado de defesa aérea (IADS).

Fragata chinesa lançando míssil YJ-83

As capacidades (a) antinavio chinesas podem ser divididas entre as lançadas (i) do continente, (ii) de aeronaves, (iii) de submarinos e (iv) de vasos de superfície. Os sistemas antinavio baseados em terra de defesa costeira da RPC contribuem para aumentar a densidade dessa camada em relação às outras, evitando que vasos inimigos que eventualmente vençam as primeiras camadas defensivas projetem força sobre o continente.

Essa defesa de costa é formada principalmente pelo míssil cruzador YJ-62 com alcance de pelo menos 280 km e suplementada pelo russo 3M-54 Klub e seu equivalente endógeno YJ-18 com alcance entre 300 e 500 km, pelo YJ-18 com alcance de 200 km e pelo YJ-8 com alcance entre 120 e 200 km (GORMLEY, ERICKSON e YUAN, 2014).

Fragata Type 056 lançando míssil YJ-83

Em segundo lugar, os vetores antinavio lançados de aeronaves são baseados primariamente nos seus 30 bombardeiros H-6G, modelo soviético da década de 60, porém modernizado do final dos anos 90 e cujo raio de combate é de 1.800 km. Estes são complementados pelos caças de quarta geração SU-30MK2 (24 unidades) e de terceira geração JH-7A (120 unidades) com raio de combate aproximado de 1.500 km (HEGINBOTHAM, 2015; IISS, 2015)(2).

Quanto as capacidades submarinas, a China possui 66 submarinos táticos, sendo 60 com propulsão convencional e 5 movidos à energia nuclear. Desses 60, 15 deles possuem propulsão AIP (air-independent propulsion), cuja autonomia é notadamente maior do que aqueles com propulsão diesel-elétrica. A despeito disso, essa composição indica um perfil de força de alcance limitado, tendo como função primária a negação do uso do mar.

Submarinos convencionais são substancialmente mais silenciosos (i.e produzem menor ruído sobre os radares inimigos), sendo que os últimos submarinos da classe Kilo (636) e o Yuan (Tipo 041) estão entre os mais silenciosos do mundo, o que, combinado com os mísseis antinavio SS-N-27 e YJ-82, garante uma capacidade de negação do mar apropriada (O’ROURKE, 2015; HEGINBOTHAM, 2015).

No entanto, a chave para compreender a robustez do sistema chinês de negação do mar são os sistemas antinavio baseados nos seus vasos de superfície. Formando uma rede complexa de vasos leves e pesados, indo desde destróiers e fragatas até corvetas e catamarãs. Sua diversidade e capacidade de fogo gera uma rede de sistemas não só complementares em diversos pontos, mas também redundantes na sua função antinavio e capaz de saturar as defesas de qualquer adversário no teatro operacional. São dotados de uma complexidade crescente, alguns com radares de arranjo fásico(3) modernos, como os destróiers Tipo 052C e 052D4(4), bem como de mísseis antinavio endógenos (HEGINBOTHAM, 2015).

Os vasos de combate leves tambem se destacam, como as corvetas e as FACs (Fast Attack Craft). Embora sejam relativamente leves – a corveta Tipo 056 (Jingdao) desloca apenas 1.500 tons, enquanto o FAC Tipo 022 (Houbei) 220 tons –, são capazes de disparar mísseis antinavio pesados ao ponto de ameaçar embarcações 10 ou 30 vezes mais pesadas (5).

missile boat Type 22 lançando mísseis antinavio C802

Devido ao seu tamanho reduzido, ambas também compõem uma importante parcela da defesa dos rios (águas marrons) do país. Além disso, formam a rede de sistemas complementares, podendo, por exemplo, localizar e adquirir alvos a partir de informações de radares baseados em vasos mais pesados (LI, 2014). A China atualmente possui 20 un. do Tipo 056 e 83 un. do Tipo 022, sendo que começaram a ser produzidas em 2012 e 2004 respectivamente (IISS, 2015). Ou seja, ao mesmo tempo que oferecem um poder de fogo considerável próximo à costa, essas duas classes podem ser produzidas em quantidades elevadas em um curto período de tempo.

Ainda na escopo da Defesa de Alto Mar, estão as capacidades de guerra antisubmarina. Bem mais modestas, estas representam o elo mais fraco da defesa chinesa. São baseadas majoritariamente em helicópteros, que naturalmente tem um alcance reduzido ou dependem de vasos aeródromos maiores para aumentar seu raio de combate, e em poucas aeronaves de patrulhamento marítimo, estas relativamente ultrapassadas (IISS, 2015)6.

Completando a tríade da Defesa em Alto Mar estão os sistemas integrados de defesa aérea (IADS) da RPC, compostos pelos mísseis-superfície-ar (SAM), pelos radares de alerta antecipado e palas aeronaves de interceptação. Juntos, esses sistemas buscam: proteger os nódulos centrais da base industrial do país; salvaguardar os pontos de infraestrutura essenciais para a defesa e mobilização da nação; impedir ataques sobre a liderança política do país; e fornecer cobertura aérea para os vasos marítimos (HEGINBOTHAM, 2015).

KJ200

Nesse sentido, a função primordial é impedir um adversário de obter a superioridade aérea sobre o teatro de guerra, etapa essencial para sobreviver ao campo de batalha moderno (SCOBELL, LAI e KAMPHAUSEN, 2011). O país possui pelo menos 8 radares de arranjo fásicos terrestres com alcance de mais de 3.000 km localizados em todo o território nacional e capaz de cobrir uma área que vai da Turquia a Ilha de Guam no Pacífico e do norte da Rússia até a Indonésia (WEEDEN, CEFOLA e SANKARAN, 2010).

Eles, conjuntamente com os radares embarcados e com a rede de radares além-do-horizonte (OTH) são capazes de detectar possíveis ameaças e monitorar todo o espaço aéreo asiático e da Oceania. Para gerenciamento de batalha, a China dispõe 18 aeronaves de alerta antecipado (AEW), menos apenas que EUA (108) e Rússia (22), destaque para o 4 KJ-2000, munidos de radar de arranjo fásico (AESA) endógeno e supercomputador embarcado (HEGINBOTHAM, 2015).

A evolução na cobertura e na qualidade dos mísseis antiaéreos da China é demonstrada no Anexo B. Qualitativamente, o sistema passou de uma força estática e inflexível em uma rede baseada em sistemas no estado da arte, altamente motorizados e capazes de ser alocados rapidamente por todo o país (KOOP, 2008).

sistema HQ-9

Embora o antigo HQ-2 continue numericamente significante, o sistema foi modernizado e complementado com o mais moderno HQ-12, com radar, alcance e eletrônica aprimorados. O sistema S-300PMU foi adquirido da Rússia em grandes números, assimilado, modernizado e produzido endogenamente na forma do HQ-9. Além disso, o país comprou recentemente o sistema S-400 também da Rússia, capaz de interceptar até 80 alvos simultaneamente, incluindo mísseis cruzadores e balísticos em um raio de 400 km e considerado por muitos o estado da arte em SAM (HEGINBOTHAM, 2015).

Há também uma parte importante dos SAMs chineses embarcados em vasos de superfície da marinha chinesa. Destaque são os Tipo 052C e Tipo 052D, capazes de carregar aproximadamente 50 células do SAM HQ-9 cada. Além disso, vasos mais leves como o Tipo 053H3, Tipo 054 (ambos HQ-7) e o Tipo 054A (HQ-16), possuem importante função de cobertura aérea (O’ROURKE, 2015).

Encerrando os sistemas de negação de área, tem-se dois tipos de sistemas importantes para a função: os mísseis balísticos de teatro e as minas. Os primeiros servem para ameaçar os aeródromos adversários na área operacional, buscando inviabilizar a capacidade de decolar e pousar aeronaves e contestar a superioridade aérea do inimigo (O’ROURKE,2015).

As minas, por sua vez, são componentes importantes da estratégia de negação do mar, na medida que podem limitar o movimento ou fechar estreitos com um preço relativamente barato. Segundo Erickson el al (2009), em 2007, estimava-se que o ELP possuísse entre 50.000 e 100.000 minas, as quais podem ser despejadas por submarinos, artilharia de foguetes, vasos de superfície, aeronaves e até mesmo barcos de pesca, sendo capazes de realizar um bloqueio de proporções massivas.

Defesa em Mares Distantes

Em síntese, os principais sistemas relacionados à defesa além dos 1.800 km consistem basicamente em mísseis balísticos antinavio; mísseis balísticos de longo alcance; sistemas antissatélite (ASAT); satélites e sistemas de monitoramento; submarinos nucleares; e operações especiais baseadas em mobilidade estratégica. Para efeitos de análise, considera-se a noção de antiacesso como uma parte central dos sistemas de defesa nos mares distantes.

O objetivo do antiacesso é impedir a entrada do inimigo no teatro operacional, onde suas plataformas de armas podem projetar força sobre o território da China (DOD, 2012). O Anexo C ilustra os limites da área operacional dos sistemas chineses. Destaca-se o míssil balístico antinavio DF-21D, um míssil balístico de médio alcance, equipado com um veículo de reentrada manobrável (MaRV). Com alcance aproximado de 2.000 km, alta precisão e difícil interceptação (devido a sua velocidade de reentrada hipersônica), tal míssil teria como alvo grandes vasos de superfície, incluindo porta-aviões, em boa parte do teatro de operações do Pacífico (HAGT e DURNIN, 2009).

sistema DF-12D

Em fase de testes, tem-se o DF-26, um outro míssil balístico antinavio, possui alcance de aproximadamente 3.500 km e é capaz de expandir ainda mais o perímetro de segurança contra porta-aviões (ERICKSON, 2015).

Para que esses mísseis sejam capazes de adquirir e atingir efetivamente os alvos, no entanto, é preciso uma rede de informacional robusta. Por isso, um dos componentes mais importantes de todo o sistema defensivo chinês consiste na capacidade de vigilância e reconhecimento oceânico. O país possui 30 satélites de uso dual, mais 15 da série Yaogan de uso militar (8 deles com radar de abertura sintética), embora apenas um deles possua sensores de inteligência eletrônica (ELINT) (DORNELLES, 2012).

Por fim, o comissionamento do porta-aviões Liaoning em 2014 parece cumprir, pelo menos por enquanto, uma função de ampliar a rede de sistemas informacionais chinesa. Não tem, pois, papel relevante na projeção de força regional, muito menos extrarregional, estando contido na área operacional da Defesa de Alto Mar9 (LI, 2014) (9).

Conclusões

Percebe-se que a estratégia chinesa é baseada na noção de assimetria, onde as forças chinesas assumiriam enfrentar um adversário superior militarmente, como demonstrado pelos conceitos de Defesa Ativa e de Guerra Popular. No entanto, o país parece estar tendo êxito em adaptar seu perfil de força à era da digitalização. Isso se dá pelo aproveitamento da difusão tecnológica e da entronização de tecnologias sensíveis e de uso dual, é o caso dos radares de arranjo fásico, dos sistemas antinavio com tecnologia de disparo a frio, dos SAMS no estado da arte, dos submarinos nucleares e com propulsão AIP, dentre outros. Embora não abordado no trabalho, é nítido que o país se beneficia da sua abundância em recursos energéticos e humanos, bem como de sua posição geopolítica favorável, para produzir sistemas que se aproximam muito em efetividade dos seus semelhantes ocidentais, embora com um custo significativamente menor. Isso possibilita que, a despeito da crescente complexidade dos sistemas, a massa e o poder de fogo não se dissociem: os sistemas ainda são produzidos em massa, e os que não o são, possuem esse potencial.

Pensar a defesa do Brasil no modelo de camadas parece não apenas ser uma ferramenta de análise útil, como também um modelo interessante de refletir sobre a estruturação de nossas forças. Oliveira, Cepik e Brites (2014), por exemplo, sugerem um modelo com três camadas: a defesa das linhas interiores; a defesa do litoral e a defesa avançada (10). Os autores, por exemplo, relacionam os desafios de proteger a soberania sobre a ZEE brasileira com a mobilização nacional, a integração regional e um complexo militar industrial que produza um perfil de força baseado na negação do uso do mar e na dissuasão convencional. Esse tipo de debate parece ser uma etapa decisiva no amadurecimento do pensamento sobre a grande estratégia do Brasil, uma vez que diz respeito ao perfil de forças, à base industrial de defesa, as relações político-diplomáticas e ao próprio modelo de desenvolvimento.

Boa parte dessas ideias, inclusive, já estão contidas nos documentos que ditam a estratégia brasileira. O Sistema Nacional de Mobilização (2008), por exemplo, reconhece a centralidade da criação das bases logísticas para mobilização nacional. A Estratégia Nacional de Defesa (2008) e o Livro Branco de Defesa Nacional (2011) explicitam a relação de retroalimentação entre a preparação militar, a sustentação do processo de integração e o desenvolvimento econômico – onde a geração de emprego e renda também são resultados das políticas de defesa (BRASIL, 2008; BRASIL, 2010).

Nesse sentido, o estudo do caso chinês parece ilustrativo. O caminho mais prudente para o Brasil parece ser o desenvolvimento de uma defesa estratégica híbrida e em profundidade. Utilizando sistemas relativamente simples e, portanto, capazes de se produzir em grande escala, como as minas terrestres, a artilharia costeira e os vasos leves dotados de mísseis antinavio. Ao mesmo tempo, no entanto, que emprega sistemas de alta tecnologia, o submarino nuclear e os caças Gripen no curto/médio prazo e, no longo prazo, uma boa capacidade de consciência de situação com satélites e radares (no escopo do SizGaAz), sistemas de distribuição de dados como aeronaves de alerta antecipado e gerenciamento de batalha e vasos mais pesados e multifuncionais como destróiers com células modulares com função antiaérea e antinavio. Não há formula exata e muito menos um modelo pronto que possamos aplicar às nossas condições, no entanto, como visto, a análise da experiência de terceiros oferece ideias importantes sobre qual deve ser o foco de nosso planejamento.

FONTE: Pandiá Calógeras

Sobre o autor: Integrante do Programa de Serviço Voluntário do Instituto Pandiá Calógeras e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Av. João Pessoa, 52, Porto Alegre/RS).

Notas Explicativas
1- Embora muitas inferências possam ser feitas sobre como um pretende utilizar a força a partir da análise de inventário, faz-se necessário uma análise aprofundada de seu pensamento estratégico operacional para entender a dinâmica do emprego da força por parte do país.
2- Ainda, em 2017 entrarão em serviço 24 J-16, a versão endógena do SU-30MK2 (HEGINBOTHAM, 2015).
3- Além de radares de arranjo fásico, vários deles são dotados de radares OTH, como o Tipo 956/956EM, Tipo 052B, Tipo 052C, Tipo 052D, Tipo 051C, Tipo 054A, formando uma rede de consciência de situação abrangente capaz cobrir em tempo real toda a área da Defesa de Alto Mar (HEGINBOTHAM, 2015).
4- O Tipo 052D, por exemplo, é equipado com o novo míssil de lançamento vertical YJ-18, um míssil cruzador antinavio supersônico e de longa distância, capaz de manobrar em acelerações superiores à 10G a fim de evitar ser interceptado pelos sistemas antiaéreos inimigos (HEGINBOTHAM, 2015).
5- O Tipo 056 pode carregar 4 mísseis YJ-83 com peso de 190 kg e alcance de 250 km, enquanto o Tipo 022, um catamarã leve, consegue suportar 8 YJ-82 com peso de 165 kg e alcance de 120 km (O’ROURKE, 2015).
6- Esforços para melhorar essa condição estão em andamento como o comissionamento acelerado das novas corvetas Tipo 056 e o desenvolvimento da aeronave Guaxin-8 (equivalente ao P-3 Orion estadunidense), especula-se que uma unidade já esteja operacional (HEGINBOTHAM, 2015).
7- O principal sistema seria o míssil balístico de curto alcance DF-15, tendo um alcance de 600 km e carregando uma ogiva de 500 kg. As versões mais modernas do DF-15B possuem uma margem de erro de 5-10 m. Devido às grandes quantidades do míssil em inventário (400+), somadas às 750+unidades do DF-11A, com alcance de 350 km e ogiva de 500 kg, voltado para alvos mais próximos, como Taiwan, o país pode saturar qualquer defesa antiaérea da região, inviabilizando a utilização das bases mais próximas pelo adversário (HEGINBOTHAM, 2015).
8- Os tipos de minas variam, indo desde as minas de contato até às inteligentes, onde os dispositivos eletrônicos de preparação e detonação permitem que elas sejam extremamente sensíveis na fase de localização do alvo, altamente seletivas e precisas na diferenciação e robustas o suficiente para suportar grandes pressões por períodos extensos de tempo (BERNITT e TANGREDI, 2002).
9- Isso ocorre pela inexistência do sistema de catapultas no Liaoning, que possibilitaria o lançamento de aeronaves de asas fixas de alerta antecipado (AEW), como o E-2 Hawkeye nos EUA. Essas aeronaves são essenciais para a cobertura aérea da fruta em regiões distantes dos radares em terra, o Liaoning e seus helicópteros não seriam ideais para essa função (LI, 2014).
10- A primeira camada é baseada no poder terrestre e de mobilização dos recursos nacionais a fim de sustentar a dissuasão do país. A segunda camada é baseada na negação do uso do mar com artilharia antiaérea e costeira de longo de longo alcance, minas antinavio, vasos rápidos de combate de superfície e submarinos convencionais. A terceira camada teria função de negar o acesso a nossa ZEE a partir do emprego de aeronaves de longo alcance com função antinavio, submarinos nucleares, fragatas e destroiers pesados e navios aeródromos (OLIVEIRA, CEPIK E BRITES, 2014).
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