Suécia e Finlândia na OTAN: Uma análise clausewitziana

Por Vitelio Brustolin e Carolina Ambinder

Carl von Clausewitz ensina que a guerra é “uma continuação da política por outros meios”. Quando não se consegue o que se quer pela via diplomática, os Estados podem tentar obtê-lo pelo uso da força. A guerra tem, portanto, um objetivo político: a alteração ou manutenção de um determinado status quo; ou seja: a obtenção de “uma paz mais favorável”.

Um dos objetivos políticos declarados de Putin com a guerra na Ucrânia era “restringir a expansão da OTAN”. O ingresso da Finlândia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), no dia 4 de abril, e a aceitação da Suécia, que aguarda apenas a ratificação do Parlamento Turco, têm o efeito contrário.

A Finlândia vinha sendo militarmente neutra há 78 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O país compartilha 1.340 quilômetros de fronteira seca com a Rússia e mais de 80% de sua população apoiou o ingresso na OTAN, justamente por conta da agressão russa contra a Ucrânia. Até dezembro de 2021, apenas 20% da população era favorável ao ingresso do país na OTAN.

Um percentual semelhante, com 20% a 25% de apoio da população ao ingresso na OTAN se refletia na Suécia, cuja última guerra em que participou diretamente foi em 1814, contra a Noruega. Em 1941, permitiu que as forças alemãs transitassem pelo território sueco para a frente finlandesa e, ao mesmo tempo, protegeu pessoas que se refugiavam do nazismo. Depois de 1945, a Suécia optou por preservar seu status neutro. A segurança da Suécia dependia fortemente do status da Finlândia e indiretamente da política da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em relação à Finlândia.

Contextualização

Dois meses de Guerra na Ucrânia anularam a mentalidade de mais de dois séculos de neutralidade e, agora, com o apoio que estava pendente da Turquia, a Suécia está próxima de se tornar membro da OTAN. Conforme mencionado acima, em 1814, encerrou-se o conflito entre a Noruega e a Suécia e esta decidiu pela neutralidade em sua política externa, interpretando que sua posição geográfica era crítica, em caso de conflito regional. Ao longo do século XX, porém, alguns fatos de destaque testaram essa decisão, sendo eles as duas Guerras Mundiais e a criação da URSS.

Tendo em vista a Segunda Guerra como o conflito mais sangrento da história, especificamente, e a importância da aviação neste, a opção pela neutralidade sueca demonstrou ao país oportunidade de exportação na demanda internacional aeronáutica, e a necessidade de uma indústria de defesa autossuficiente. Consolidando o seu próprio modelo de Complexo Industrial Militar (MIC), então, integrando diversos setores da sociedade, o pós-Segunda Guerra fez da Suécia um país exportador na indústria aeronáutica, lembrando a proximidade geográfica com a União Soviética, superpotência da época, em Guerra Fria com os Estados Unidos.

Nesse contexto, na década de 1980, no ápice de seu desenvolvimento tecnológico, a Suécia realizou o voo (1988) do seu maior projeto industrial, em constante aprimoramento desde então: o caça Gripen. E, hoje, o país permanece como potência aeronáutica, mas o fim da Guerra Fria (1991) tirou a clareza das ameaças e reduziu a indústria de defesa internacional, enfraquecendo as razões suecas para uma autossuficiência plena no setor.

2º protótipo do caça JAS-39 Gripen no museu da Flygvapenmuseum

Com isso, a Suécia e Finlândia aderiram à União Europeia (UE) em 1995, visando maiores parcerias e soluções econômicas, e aumentou sua participação em Missões de Paz, atuando com países da OTAN. A relação sueca com a Organização existe, na verdade, desde a sua criação (1949), seja pelo seguimento de padrões comuns nos equipamentos de defesa, seja pela participação em exercícios conjuntos, entre outros, o que dá ao país, até então, o posto de “Parceiro”.

Por sua vez, nas guerras de Inverno e da Continuação, entre 1939 e 1945, a Finlândia perdeu 11% de seu território para a União Soviética de Stalin, no entanto, saiu dessas guerras soberana. Passou 78 anos se armando e hoje tem um dos mais bem equipados exércitos da Europa. Seu primeiro ato após o ingresso na OTAN, foi ratificar a aceitação da Suécia.

Para uma população de apenas 5,5 milhões, o exército da Finlândia é altamente treinado e potencialmente numeroso. Ele treina pelo menos 21 mil recrutas todos os anos e tem uma força de reserva de 900 mil. Seu efeito é estimado em 280 mil.

O efetivo da Suécia é muito menor, com cerca de 57 mil soldados. Mas o país reativou o recrutamento no início de 2018, depois da suspensão efetivada em 2010, e o número atual de até 6 mil recrutas aumentará para 8 mil em 2025. A partir da década de 1990, a Suécia reduziu o tamanho de suas forças armadas e mudou suas prioridades de defesa territorial para missões de manutenção da paz em todo o mundo. Mas isso se inverteu com a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014 e sua crescente ameaça na região do Báltico. Ataques cibernéticos provenientes da Rússia, invasão do espaço aéreo e submarinos nucleares russos detectados nos mares de ambos os países já vinham deteriorando as condições de segurança na região.

Além disso, após a invasão da Ucrânia, representantes da Suécia e da Finlândia declararam que agora percebiam claramente a diferença entre ser “um parceiro da OTAN e um membro dessa Organização”.

A Finlândia já investe 2,45% do seu PIB em defesa, acima do exigido pela OTAN, de 2%. Cabe destacar que o patamar anteriormente recomendado pela Organização, de 2%, passou a ser o seu piso após a invasão da Ucrânia. A Suécia vinha investindo cerca de 1,3% do PIB, mas esse perceptual deve subir exponencialmente nos próximos anos, até o novo piso da OTAN.

Artilharia finlandesa – Foto: AOP

Além da artilharia da Finlândia – considerada uma das melhores da Europa – cabe destacar que com o advento da guerra na Ucrânia, os países nórdicos (Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca) juntaram seus 250 caças para criar o que vem sendo chamado de “força aérea viking”, para dissuadir a Rússia. Essa defesa aérea nórdica tem o mesmo tamanho que a aeronáutica do Reino Unido ou da França. O potencial é de defender uma área estrategicamente vulnerável: os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) de ataques via Kaliningrado ou Belarus.

Cabe destacar também, que com o ingresso desses países, 92% do Mar Báltico passa a ser território da OTAN, mudando significativamente a geopolítica da região, que serve como saída marítima para a Rússia e por onde foram construídos os gasodutos Nord Stream 1 e 2.

Considerações finais

A guerra é uma continuação da política através de outros meios, conforme postula Clausewitz. Quando com a diplomacia não é capaz de se alcançar o que se pretende – quando há o choque de vontades opostas – um dos lados pode tentar usar a força para submeter o oponente à sua vontade. Ou seja: pode tentar usar a guerra para atingir um fim político. Os objetivos políticos de Putin com a guerra na Ucrânia denotam uma guerra “ilimitada”, aquela em que só se consegue alcançar o que se pretende após cumprir três fases:

1-Destruir as forças armadas do oponente;

2-Ocupar o seu território e,

3-Impor a obediência civil.

Neste momento, no entanto, ocupando 17% do território da Ucrânia, sem ter cumprido as três fases apresentadas acima, Putin trava uma guerra “limitada”. E essa estratégia de guerra limitada não tem capacidade de entregar os objetivos políticos traçados por Putin.

Mesmo que ele obtenha alguma vitória militar na guerra contra a Ucrânia, neste momento sofre uma derrota. A guerra é uma continuação da política, conforme ensina Clausewitz, e essa derrota política é, portanto, uma de suas derrotas nesta guerra. Assim que a Suécia também completar o seu ingresso na OTAN, a derrota será ainda maior e envolverá o controle dos estreitos do Mar Báltico.

A guerra possui quatro dimensões: tática, estratégia, logística e política, vide Clausewitz. A passagem do tempo beneficia a Rússia em três dessas quatro. A Rússia reverteu à defensiva em partes de Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson e quanto mais o tempo passa, mais a Rússia se utiliza do terreno, usando as vantagens da defesa: a espera e a posição. Por outro lado, a passagem do tempo beneficia a OTAN na dimensão política, pois para manter a ocupação dos territórios, a Rússia continuaria sofrendo o peso das sanções e o desgaste militar, diplomático, econômico e comercial. Enquanto isso, a OTAN se beneficia do desgaste da Rússia, já que para a Organização ajudar a Ucrânia ainda é um investimento relativamente baixo, ao mesmo tempo em que a guerra permanece concentrada em território limitado.

Politicamente a Rússia está perdendo a guerra, não para a Ucrânia, mas para a OTAN. Economicamente a guerra de Putin é questionável e cada vez mais cara. Clausewitz também escreveu sobre a natureza da guerra: “um ato de força para submeter o oponente à nossa vontade.” Se Putin tivesse tomado rapidamente Kiev e derrubado Zelensky, teria obtido o que pretendia: a soberania da Ucrânia. Neste momento, no entanto, a Ucrânia tem aversão à Rússia e mesmo que ainda não tenha oficializado, está totalmente alinhada com a OTAN e a União Europeia. Além disso, as Forças Armadas da Ucrânia são maiores hoje que eram em fevereiro de 2022. Em termos convencionais, trata-se de um exército mais poderoso do que em qualquer outro momento da história da Ucrânia, contrariando diretamente o objetivo de Putin de “desmilitarizar” a Ucrânia. Uma exceção importante, seria a de meios atômicos, já que a Ucrânia entregou à Rússia as suas armas nucleares em 1994, por meio do Memorando de Budapeste, um acordo garantido por três potências nucleares: Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. China e França mais tarde também aderiram; ou seja, todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O convite para a Ucrânia ingressar na OTAN estava engavetado desde a guerra da Geórgia, em 2008. Após 2014, esse ingresso se tornou inviável pelas regras da própria OTAN, já que a Ucrânia se tornou território de conflito com a anexação da Crimeia e a guerra civil em Donbas.

Pres. dos EUA Clinton, pres. russo Yeltsin e o pres. ucraniano Kravchuk na assinatura da Declaração Trilateral em Moscou (Janeiro de 1994)

Militarmente a Rússia é muito menor agora do que era há 16 meses. Por mais rico que o Donbas seja, o preço cobrado em vidas, sanções, isolamento, arrestos de reservas internacionais e realinhamento comercial é imenso. Ocupar uma faixa de território de 50 a 100 km de profundidade, que mesmo que consiga manter após as contraofensivas, sofrerá atentados terroristas e levará a décadas de retaliação terá valido a pena? Se o que Putin queria era o Donbas, não deveria ter ido à guerra. A estratégia de promover uma guerra civil na região, a partir de 2014, com o grupo Wagner, teria sido muito mais eficiente e menos corrosiva para a Rússia.

Na “grand strategy”, a grande estratégia, Putin errou com essa guerra e, neste momento, transforma o empate que Stalin teve em 1945 contra a Finlândia, e o fim da histórica neutralidade de mais de 200 anos da Suécia, em uma derrota para a Rússia.

Sobre os autores:

Prof. Dr. Vitelio Brustolin, Professor de Relações Internacionais da UFF e Pesquisador de Harvard. Website: https://scholar.harvard.edu/brustolin

Carolina Ambinder, Doutoranda em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança (UFF) e Pesquisadora do InterAgency Institute (IA).

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