EJ Escola Aeronáutica Civil: comandante Josué conta como foi seu pouso forçado

Eu errei. Isso mesmo, depois de mais de 30 anos de aviação, depois de ser comandante na TAM, da VASP e ser um dos pilotos fundadores da GOL, depois de criar a maior escola de aviação da América Latina, com experiência em diversas aeronaves, eu venho aqui falar: errei.

Foi pane seca.

Não foi uma pane técnica, o avião estava perfeito, a manutenção estava ótima. Não são apenas os filhos de outras pessoas que voam os aviões da EJ. Meus próprios filhos aprendem a voar nos aviões da escola. Um já está brevetado, outro está iniciando, e assim que tiver idade, ao que tudo indica, e o terceiro vai querer aprender também. As aeronaves da escola precisam estar impecáveis.



Não foi um erro de abuso, erro de má fé, ou de planejamento. Foi um erro de gerenciamento, e além de tudo, foi um caso meio raro e eu vou explicar. Ocorreu na semana passada. Eu estava fazendo uma navegação com um de nossos Cessnas 152. O combustível acabou, o motor parou e eu fiz uma aterrisagem de emergência. Ninguém se feriu.

O CENIPA – Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, órgão responsável por apurar e prevenir, está investigando. Eles vão publicar um relatório. Mas eu fiz a minha investigação. Precisava saber como que um modelo de avião que consome 20 litros por hora, em média, consumiu 26 l/h, 30% a mais, reduzindo drasticamente a autonomia de voo.

Eu aprendi algumas coisas com esta minha investigação (lembram aquela frase que aviador sempre está aprendendo?) e aqui venho contar para fazer a mesma coisa que o CENIPA faz: ajudar a prevenir futuros acidentes. O relatório oficial provavelmente trará as mesmas coisas.

Era uma navegação da Esquadrilha EJ, a esquadrilha com quatro Cessnas 152 Aerobat da escola. Tínhamos como destino final Iguarassu, Pernambuco, em um show aéreo no aeródromo Coroa do Avião, na região metropolitana de Recife. Fomos convidados para fazer uma apresentação e queríamos prestigiar a festa, a maior do nordeste. Diversos pousos técnicos estavam programados até o destino. Eu pilotava o PR-EJO, um mecânico me acompanhava. Nos outros três aviões os pilotos estavam voando solo.

O planejamento da viagem começou três meses antes. O total era de 13 horas e 40 minutos de voo até o destino final. O trecho inicial foi de Itápolis para Franca, ainda no interior de S. Paulo. Foi 1h20 de voo, ocorreu sem qualquer problema.

Eu, o mecânico, os taques cheios, algumas ferramentas e uma pequena mala com roupas de verão para alguns dias no nordeste. Isso, no cálculo, mantinha o Cessna 152 dentro da performance da aeronave, no limite, mas dentro do envelope.

Pousados em Franca, após 1h20 de voo, abastecemos os aviões. Os números 2, 3 e 4 gastaram entre 18 e 20 litros/h de combustível cada, o consumo normal previsto. O número 1, o qual eu pilotava, gastou pouco mais de 23 litros/h. Um consumo um pouco acima do normal. Mas com um voo de 1h20, o avião inicia mais pesado e consome o combustível ao longo da viagem. Ou seja, no decorrer do voo, o avião vai ficando mais leve e desembarrigando durante a viagem. Em uma navegação mais longa, a tendência seria reduzir este consumo médio, ficando por volta de 21 ou 22 litros hora, presumi. Sendo conservador, fiz um cálculo rápido: se por acaso ainda aumentasse para 25 litros/hora, algo estranho, daria quatro horas de voo e chegaria.

Como todos sabemos e amplamente divulgado, um acidente aeronáutico ocorre quando uma série de fatores em sequência se somam. Por isso o regulamento diz que para um bom planejamento de uma navegação, o combustível deve ser o suficiente para o ponto A para o ponto B, mais ponto C (aeroporto de alternativa), mais 45 minutos. É para ter sobra, para ser conservador sempre.

O trecho do pouso forçado

O segundo trecho, e o mais longo de toda a viagem, era de Franca até Montes Claros, Minas Gerais. São 309 milhas náuticas (572km) em 3h38 de voo, a 85kt de velocidade. Foi neste trecho onde houve o pouso forçado. Fato que ocorreu apenas com o avião que eu estava voando. Os outros três chegaram com combustível sobrando neste destino. A alternativa era a Fazenda Sansara, apenas 10 milhas à frente.

O manual do Cessna 152 é taxativo: a autonomia é de 415 milhas náuticas a 10 mil pés, em 5,2h de voo, o suficiente para estar dentro do regulamento. Nosso voo foi a 9500 ft. Como o avião conseguiu voar apenas 300 milhas? É muita diferença. Aí entra a minha investigação. Onde estava o erro? Por que os outros três aviões chegaram ainda com bastante combustível e o meu acabou? Será que usei de maneira errada a mistura do combustível? Seria um erro tão básico?

Aqui começam os aprendizados: fui conversar com instrutores da EJ, pessoas, inclusive, muito mais experientes em navegações no Cessna 152 do que eu. Existem dois tipos de hélice: a Sensenich e a Mccauley, ambas homologadas para o Cessna 152, tanto lá nos EUA, pela FAA, como aqui no Brasil, pela ANAC, para este modelo de avião e motor. Com a hélice Sensenich deve-se navegar com o máximo 2300 rpm, e meu voo foi boa parte dele com cerca de 150 a 200 rpm a mais que isso. A causa é exatamente o aumento de consumo. Com 2300 rpm a velocidade seria menor, mas a autonomia seria maior e chegaria.

Eu estava colocando mais potência no motor que os outros aviões de modo inconsciente. Era para manter o voo junto. O avião que eu pilotava, estava mais pesado. Os outros três estavam solo. Isso ocorreu principalmente nas necessidades de mudança de altitude devido ao formações de nuvens que precisavam ser evitadas. Eu dava mais potência para acompanhá-los, principalmente nas subidas. Sem dúvidas, um caso bastante raro. Afinal, poucas esquadrilhas que navegam junto tem uma baixa relação peso/potência. Mas foi este o problema.

O primeiro aprendizado: nunca subestime um avião. Não é porque você tem quase 15 mil horas de voo, que você foi comandante de Boeing-737, que você tem experiência em voos transatlânticos de MD-11, que você deve olhar para o para um simples Cessna 152 como um pequeno avião. A experiência que conta é a experiência na aeronave que você está voando.

 

Entre as 15 mil horas de voo, tenho menos de quinhentas no 152, e quase nenhuma são de navegações longas com ele. Portanto, a lição número um é que converse com pessoas mais experientes no avião que você vai voar. Navegar com 152 é novidade para mim, e só ocorre devido a Esquadrilha EJ. Todas as navegações que faço, para reuniões de trabalho ou outras necessidades, são ou com Corisco Turbo, Seneca ou Citation, aeronaves mais rápidas.

A minha experiência prévia como aviador, em outras aeronaves, e que foi útil para o caso, é nunca desesperar. Mesmo se você estiver em uma área montanhosa, coloque o nariz do avião para baixo, e não o estole, mantenha a velocidade enquanto procura um local adequado ou o melhor possível, para pousar.

Segundo aprendizado: quando você não é experiente em uma aeronave, não trabalhe com ela no limite do envelope, seja mais conservador. Em um Seneca ou Corisco Turbo, em que tenho mais experiência em navegação, isso jamais ocorreria, porque os conheço com profundidade. E não é porque o voo está dentro do regulamento de autonomia que ele está certo. Existem todas as ressalvas do ponto C e mais dos 45 minutos, que foram feitas exatamente para dar as devidas folgas, mas sempre há imprevistos.

Na EJ as navegações raramente passam de três horas, são bem mais conservadoras que o exigido pelas regulamentações, e cansa menos, além de tudo. Esse padrão eu deveria ter seguido.

Depois de todos calmos a esquadrilha seguiu para Recife e lá fizeram uma bela apresentação, aplaudida pelo público.

E agora eu tenho a experiência de saber que a experiência que serve, na aviação, é na aeronave que você está voando.

Nós, aviadores, sempre aprendendo…

PS: já encomendamos asas novas e cauda lá nos EUA, odeio coisas quebradas, tem que arrumar, ficar impecável, novinho, e rápido.

FONTE: EJ – Escola Aeronáutica Civil



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