Interoperabilidade plena é a meta principal do chefe do EMCFA do Brasil

Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, AE Ademir Sobrinho FOTO:Fabio Rodrigues Pozzebom

Por Marcos Ommati

Diálogo: Quais são suas prioridades como chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Brasil?

Almirante-de-Esquadra da Marinha do Brasil Ademir Sobrinho, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Brasil: Sem dúvida é atingir a interoperabilidade plena nas operações conjuntas das Forças Armadas. O Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas [do Brasil] tem somente sete anos de criação. Nesses poucos anos obtivemos progressos significativos na busca desta interoperabilidade, caminhando devagar, mas com passos firmes. Temos, ainda, um longo caminho pela frente para alcançarmos e aceitarmos a plena interoperabilidade. É um caminho que depende não só da conquista de corações e mentes de nossos componentes, tanto das forças singulares como do Estado-Maior Conjunto, mas também do desenvolvimento de ferramentas, de doutrinas e de procedimentos para permitir que possamos atender na plenitude esta prioridade.

Diálogo: O que é necessário para isso?

Alte Esq Sobrinho: É necessário que:

• Entendamos as tradições, as idiossincrasias e os costumes de cada força, que possuem suas características arraigadas há quase dois séculos, no caso da Marinha e do Exército, e há mais de 70 anos no caso da Força Aérea;

• Façamos os componentes das forças entenderem que, apesar de sermos um órgão novo buscando aprimorar ou mesmo modificar procedimentos e costumes seculares, o fazemos com o ideal de buscar uma evolução no emprego das Forças Armadas. O emprego conjunto das forças armadas é uma realidade no mundo atual, e esta é uma das nossas mais importantes lutas no dia a dia;

• Tenhamos macroprocessos logísticos integrados, sem deixar de respeitar os processos intrínsecos das forças;

• Possamos concluir os estudos sobre “Planejamento Baseado em Capacidade” e a “Reformulação das Política, Estratégia e Doutrina Militares de Defesa”, que são documentos imprescindíveis para revisão e atualização do “Plano de Articulação e Equipamentos das Forças Armadas”, de forma crível, buscando atender, dentro de uma realidade financeira, as nossas necessidades de defesa, em um cenário nacional e internacional em mutação;

• Terminemos o desenvolvimento de ferramentas e de equipamentos que nos permitam, realmente, ter interoperabilidade plena como: o “Rádio Definido por Software”; um link de dados próprio; sistemas de identificação próprios; um sistema de fusão de imagens e de operação de sensores, o que atenderá, também, às necessidades de demais órgãos de Estado etc.;

• Possamos desenvolver uma mentalidade, com a elaboração de uma doutrina e a aquisição de uma capacidade de medicina operativa que permita uma maior sensação de segurança e de atendimento aos nossos militares na linha de frente e que possa também contribuir nas ações de defesa civil;

• Incrementemos o emprego da catalogação nos equipamentos e sistemas das Forças Armadas, em especial nos novos, e na nossa indústria de defesa e iniciemos a adoção da metodologia da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] no gerenciamento de ciclo de vida de sistemas.

Diálogo: O tema da Conferência Sul-Americana de Defesa (SOUTHDEC, por sua sigla em inglês) de 2017, realizada em Lima, no Peru, foi “Confrontando desafios globais”. Falando mais especificamente sobre a América do Sul, que desafios são estes?

Alte Esq Sobrinho: Na SOUTHDEC 2017 foi unânime o posicionamento quanto à necessidade de que sejam estreitados os laços de relacionamento no combate aos delitos transregionais e fronteiriços, sendo este um grande desafio elencado na conferência e tema do primeiro de três painéis trabalhados pelas delegações. Como exemplo de redes de ameaças transregionais, foram enumeradas: a atuação de grupos extremistas, as atividades do narcotráfico, os ilícitos transnacionais e as redes criminosas. Um segundo desafio abordado foi referente ao papel das forças armadas na ciberdefesa de infraestruturas estratégicas. É necessário desenvolver meios de como aumentar a consciência situacional e os mecanismos para diminuir as ameaças às infraestruturas críticas. Adaptar-se, encontrar meios de cooperação e redes de informações foram soluções apontadas. O terceiro e último desafio relacionado consistiu na participação das forças armadas na gestão de desastres e resposta dos países amigos, que consiste em estabelecer um protocolo de mecanismo regional para coordenar os pedidos dos países afetados e otimizar a ajuda humanitária. Cada país deverá ter o seu próprio centro de gerenciamento de riscos e desastres, possibilitando as comunicações e as prioridades para atendimento e interagindo com o centro coordenador regional. A importância da sinergia de esforços regionais para enfrentar os novos desafios que envolvem as forças armadas foi uma constante dos debates.

Diálogo: Por falar em desafios, como os frequentes contingenciamentos orçamentários e a previsão de não expansão dos gastos da União num futuro próximo podem impactar as atividades das Forças Armadas brasileiras?

Alte Esq Sobrinho: Sem dúvida, o controle da expansão dos gastos públicos da União irá impactar nas atividades das Forças Armadas. As Forças Armadas já estão elaborando e, até mesmo, adotando ações que visam a mitigar os impactos decorrentes em seus orçamentos, tais como: adequação dos seus efetivos, com a redução do seu número e o aumento do percentual de militares temporários; concentração das atividades burocráticas e administrativas de organizações militares situadas em uma mesma área; extinção de unidades militares etc.

Diálogo: A crise financeira pela qual o Brasil atravessa pode afetar a realização de exercícios militares conjuntos com nações parceiras da região e os Estados Unidos?

Alte Esq Sobrinho: As Forças Armadas têm especial atenção ao cenário de crise financeira pelo qual atravessa o país e têm envidado esforços para maximizar o uso dos recursos, a fim de se adequar à realidade econômica. Destarte, a previsão orçamentária – impactada com o contingenciamento de gastos – contempla, embora sem a magnitude desejada, a participação do Brasil nas missões com as diversas nações amigas, incluindo os Estados Unidos, tais como o exercício militar PANAMAX e outras operações realizadas em conjunto por forças armadas da região.

Diálogo: Qual a importância de se trabalhar com outras forças armadas da região e com os Estados Unidos?

Alte Esq Sobrinho: O relacionamento internacional é a base para se estabelecer uma confiança mútua, aumento das parcerias, intercâmbios de experiências e conhecimento, dentre outras. Para o desenvolvimento de um país e o equilíbrio na região é fundamental que as Forças Armadas brasileiras, como instrumento de apoio à diplomacia e de cooperação, trabalhem juntas com os países da América do Sul, buscando a harmonia para fazer frente às ameaças comuns. Os EUA são um parceiro estratégico de longa data. Temos trabalhado juntos desde os primórdios do século passado. Foi o país que primeiro reconheceu a nossa independência. Eles têm contribuído significativamente no campo da cooperação, fortalecendo os laços de amizade e possibilitando o alcance dos interesses regionais quanto ao desenvolvimento e à segurança.

Diálogo: Por que é importante para o Brasil participar de missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU)?

Alte Esq Sobrinho: A participação do Brasil em Operações de Paz sob a égide das Nações Unidas propicia oportunidades ímpares ao Estado brasileiro, entre as quais se destacam:

• A projeção internacional do Brasil, a partir da cooperação com a ONU, na busca da paz e segurança internacionais;

• A contribuição para a minimização do sofrimento da população em locais assolados por tragédias, como terremotos e furacões, por intermédio de assistência humanitária;

• A realização de adestramento e desenvolvimento da interoperabilidade das tropas brasileiras com forças de outros países em situações reais;

• O aperfeiçoamento dos sistemas operacionais, em particular o logístico;

• O desenvolvimento da doutrina de emprego, atualização de procedimentos e prática em trabalhos com organismos internacionais e nas operações interagências; e

• O incremento da capacitação profissional e da motivação do pessoal militar pela atuação em operação real no contexto de missão de paz.

Diálogo: Que principais lições podem ser tiradas da participação das Forças Armadas brasileiras na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas 2016?

Alte Esq Sobrinho: A primeira grande lição diz respeito à necessidade de mantermos os meios de comando e controle atualizados e operacionais, ficando latente em ambos os grandes eventos a fundamental importância destes para a condução e tomadas de decisão durante as operações. A participação das Forças Armadas nos grandes eventos citados possibilitou, ainda, a aquisição de experiência e conhecimentos que poderão ser aplicados em diversas situações de emprego das tropas, com significativos ganhos de operacionalidade. Assim, observam-se melhorias em todos os sistemas operacionais, com destaque para o de comando e controle, o de inteligência e o logístico. As ações de proteção e de defesa nuclear, química, biológica e radiológica, bem como de defesa cibernética e de prevenção e combate a ataques terroristas representam áreas onde a Defesa incorporou significativos avanços. Outro grande legado foi a capacidade adquirida de interação e coordenação entre as Forças Armadas e as agências governamentais, o que foi decisivo para o êxito desses grandes eventos, servindo de referência para futuras operações interagências.

Diálogo: Como o senhor vê a participação das Forças Armadas do Brasil em ações como a realizada em favelas e outras áreas críticas do Rio de Janeiro atualmente?

Alte Esq Sobrinho: O artigo 142 da Constituição Federal prevê a missão das Forças Armadas, especificando que elas se destinam à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. O apoio das Forças Armadas ao estado do Rio de Janeiro deu-se em virtude de solicitação do governo estadual com o aval do presidente da república, com observância dos dispositivos legais. A atuação das FF.AA. [Forças Armadas] se integra ao Plano Nacional de Segurança Pública e se caracteriza pelo caráter pontual e episódico, em ações esporádicas, em áreas restritas, por tempo limitado e onde os meios dos órgãos de segurança pública daquele estado forem insuficientes.

Diálogo: As Forças Armadas do Brasil utilizam este tipo de ação para promover uma maior conscientização sobre os direitos humanos entre seus militares?

Alte Esq Sobrinho: As Forças Armadas brasileiras são, já há algum tempo, a instituição de maior credibilidade no país. Isso se deve ao fato de a sociedade brasileira entender que a atuação das FF.AA. está baseada em preceitos legais garantidos pela Constituição Federal. Todos os direitos e deveres previstos na Carta Magna são e sempre serão respeitados por qualquer integrante da tropa. A conscientização do militar no fiel cumprimento de sua missão constitucional independe da operação executada. A questão dos direitos humanos faz parte do conteúdo programático das escolas de formação das Forças Armadas e, desde cedo, os militares, nos diversos níveis hierárquicos, reconhecem a importância do tema. Em relação às operações de GLO [Garantia da Lei e da Ordem], são estabelecidas regras de engajamento, direcionando a forma de agir de cada militar e também dimensionando a correta aplicação da força, que será utilizada somente em último caso, de maneira proporcional ao ato hostil e de acordo com os princípios estabelecidos em lei. Todos os militares empregados em ações de GLO são orientados a tratar a população com cortesia e respeito, protegendo a dignidade humana, inclusive dos agentes perturbadores da ordem.

FONTE: Diálogo Américas

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