Investida militar nos cargos da Defesa

Apesar de não haver obrigatoriedade de equilíbrio entre civis e integrantes das Forças Armadas no Ministério, 64% das funções são ocupadas pela Marinha, Exército e Aeronáutica

Por Natália Lambert

Desde a redemocratização, mais especificamente, com a promulgação da Constituição Federal em 1988, que colocou o presidente da República na posição de chefe das Forças Armadas, o Brasil caminhou para a efetivação do controle civil dos militares. Pouco a pouco, iniciativas como a criação do Ministério da Defesa, em 1999, e a inclusão do titular da pasta na cadeia de comando trilharam a história comum a países que passaram por períodos de ditadura, especialmente, na América Latina. Entretanto, agora, um aumento de militares em postos de comando no Executivo, especialmente, ligados à segurança interna e pública, preocupa especialistas.

Apesar de não haver a obrigatoriedade legal que destine cargos a servidores civis ou militares, um dos locais com o equilíbrio comprometido é o Ministério da Defesa. Desde a concepção, a pasta previu uma parte civil de funcionários para garantir a manutenção da democracia. Segundo dados fornecidos pelo MD, são 1.435 servidores, sendo 523 (36%) civis e 912 (64%) militares — 267 da Marinha, 424 do Exército e 221 da Aeronáutica. Entretanto, a pasta não esclareceu em que categoria ficaram os militares da reserva. Os números sofrerão alterações por causa de uma reestruturação promovida pelo ministro, Raul Jungmann, e publicada na última terça-feira no Diário Oficial da União. Alguns cargos foram devolvidos ao Ministério do Planejamento e, depois de reportagens do Correio sobre apadrinhamentos políticos, servidores foram exonerados.

A Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa dão o norte das Forças Armadas no país e, nos documentos, diretrizes pregam a necessidade da participação da sociedade civil nas decisões. Em 2010, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) foi criado para coordenar as chefias militares. E, um pouco mais tarde, em 2013, a Secretaria-Geral foi instituída — ela representa a secretaria executiva de outras pastas. Na ocasião, o então ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a destacar que a “vertente civil carecia de organicidade. E a criação da Secretaria-Geral permite isso”. O posto, normalmente ocupado por um civil, está hoje nas mãos do general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna. O chefe de gabinete dele, Juan Carlos Orozco, também é general da reserva.

Fragilidade

Além dela, outras chefias ocupadas normalmente por civis estão nas mãos de militares, entre elas, a Secretaria de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto, e a maioria de seus departamentos. “Percebendo a fragilidade do ministério, os militares voltaram a ocupar os principais postos da estrutura. As Forças Armadas são um instrumento do Estado e não os donos do Estado e isso é baseado na teoria da soberania popular. Em uma democracia, quem é o titular do poder é o povo e este elege um representante máximo, que tem a responsabilidade de conduzir as Forças. O povo tem que ter o controle sobre quem tem a prerrogativa de usar armas”, comenta um servidor da pasta que prefere não se identificar.

Outra preocupação de especialistas é que, até hoje, não foi criada a carreira civil na área de defesa, conforme determina a Estratégia Nacional de Defesa, publicada em 2012. Para o servidor, isso é um problema porque o MD é constituído de militares que são cedidos e de civis em cargos comissionados. “Toda a inteligência civil, ao longo do tempo, acaba voltando para o seu órgão de origem. É preciso manter a inteligência especializada nesse setor.” Desde que assumiu a pasta, em maio do ano passado, Jungmann defende a criação da carreira, reforçando, por diversas vezes, que quer “vê-la implementada ao final da gestão”. Na última segunda-feira, no Rio de Janeiro, o ministro abordou novamente o tema e disse que há “um componente civil no ministério que precisa evoluir. Ou seja, a criação da carreira de analista de defesa”.

Para a coordenadora do Centro de Estudos de História da América Latina (Cehal), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Vera Lúcia Vieira, a ocupação dos militares em espaços de poder é comum em momentos de crise financeira e política, porque há um aumento da desigualdade social. “Isso é a tônica da história do Brasil. Os governantes transformam o aumento por demandas sociais como algo ameaçador ao estado de ordem. Isso cria um receio de que se perca o controle e, aí, as Forças Armadas são acionadas”, comenta.

Influências externas

Na última semana, o Correio mostrou que dois policiais civis do Distrito Federal haviam sido alocados em cargos altos no Ministério da Defesa. Marcelo de Oliveira Lopes e Welber Lins de Albuquerque foram exonerados depois de a reportagem mostrar que militares estavam insatisfeitos com o envolvimento dos agentes em investigações conduzidas pela deputada Celina Leão (PPS) contra o governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Marcelo estava na chefia de gabinete do Instituto Pandiá Calógeras e Welber era assistente de controle interno da pasta. O presidente do Instituto Pandiá Calógeras, Demétrio da Cunha Carneiro Oliveira, que nomeou os policiais, também acabou exonerado.

Mais espaço na segurança pública

A presença das Forças Armadas também está aumentando no Ministério da Justiça. Pelo menos três postos estratégicos estão sendo comandados por militares: o almirante Alexandre Araújo Mota, substituto do secretário nacional de Segurança Pública; o capitão da reserva Julio Seixas Fabiano, assessor direto do ministro; e o coronel André Camalier Guimarães, na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Na opinião de especialistas, a “hipermilitarização” da segurança pública é preocupante porque os militares atuariam com a lógica da guerra, de exterminar o inimigo e não de estancar e prevenir a violência.

Apesar de estar abaixo do secretário nacional, Celso Perioli, na hierarquia, o almirante Mota, ligado ao tucano Alexandre de Moraes, assumiu recentemente o posto de substituto direto. Segundo fontes ligadas à Secretaria de Segurança Pública (Senasp), é Mota quem dita as regras e acredita-se que será, em breve, o titular. É na Senasp que são traçadas as principais estratégias e na qual está grande parte do dinheiro — no ano passado, o governo federal investiu no setor mais de R$ 9 bilhões.

Na opinião da consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Isabel Figueiredo, o problema não está no emprego das Forças Armadas em situações extremas, que é previsto na Constituição, a questão é o exagero. “Está chamando a atenção o crescimento dos espaços tomados. Tem um alerta vermelho. Desde a redemocratização, tínhamos conseguido avançar em uma segurança equilibrada entre prevenção e reeprensão. Agora, há um risco de que se jogue fora tudo porque a dinâmica militar é do combate. Não é uma força de intervenção que vai para o diálogo”, comenta.

O próprio comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ressaltou, em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, que há entendimentos incorretos de que as Forças Armadas podem substituir a polícia. “Entendemos que esses empregos pontuais são inevitáveis, porque as estruturas de segurança nos estados estão deterioradas. Nossa preocupação é que essa participação seja restrita e delimitada no tempo e no espaço, com tarefas estabelecidas e sempre com o entendimento de que não substituímos a polícia.” Procurado, o ministério não se manifestou sobre a questão.

FONTE: Correio Braziliense

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