Coluna Política Internacional – “O paradoxo militar japonês”

JMSDF escort ship Kurama, left, navigates behind destroyer Yudachi with a flag, during a fleet review in water off Sagami Bay

Por Leonardo Dutra

Uma a cada três pessoas da população mundial hoje é de nacionalidade chinesa ou indiana. E apesar do desenvolvimento econômico chinês ter ficado na casa dos 7% em 2014, o gigante asiático cresce diante das potências ocidentais.

Neste contexto, o Japão possui um papel importante na estabilidade do espaço internacional. Particularmente, é vital para o equilíbrio de poderes entre os países asiáticos.

O célebre artigo 9º da Constituição japonesa atribui um papel pacifista ao Japão nas questões de defesa. O artigo salienta que o Japão renuncia à guerra como um direito soberano da nação, bem como,abandona a possibilidade do uso da força como meio de resolver disputas internacionais.

O Japão abdicou do direito de possuir uma força com capacidade ofensiva ao final da II Guerra Mundial. Tal situação foi imposta aos japoneses, após terem sido castigados pelas duas únicas bombas atômicas já utilizadas em situações de guerra na história. Desde então, a defesa do Japão cabe principalmente às forças armadas norte-americanas.

No entanto, o pacifismo japonês tem sido discutido internamente em sua sociedade nos últimos anos. Embora o Japão não possua uma força de ataque, possui as chamadas forças de autodefesa. Tais forças militares participaram de ações de apoio no Afeganistão. Igualmente, tem cooperado em missões da OTAN, como no combate à pirataria na Somália, entre outras ocasiões.

Segue que a situação do Japão diante de seu poderoso vizinho chinês é complexa. Pois enquanto a Europa institucionalmente conseguiu construir laços entre França e Alemanha no pós-guerra, a memória asiática pode ainda hoje continuar ferida.

A sociedade chinesa entende a II Guerra Mundial como uma guerra de resistência contra o Japão. Da mesma forma, expressa certo ressentimento com o que Pequim chama de desresponsabilização histórica do Japão diante dos fatos do último grande conflito mundial.

Atualmente, Japão e China conflitam pelas ilhas Senkaku, administradas pelos japoneses desde 1895, e atualmente reclamadas pela China. No entanto, ambos os governos parecem caminhar para construção de mecanismos pacíficos para solução destas controvérsias. Assim, conferindo um caráter mais simbólico do que prático para a atual disputa.

Contudo, a justaposição dos atores nas relações internacionais tende a sofrer significativas alterações nos próximos anos. Pois o crescimento político, militar e principalmente econômico da China pode, em meados deste século, atribuíram papel hegemônico ao país.

Neste ambiente, questões como o expansionismo chinês no Mar do Sul e no Mar do Leste da China, bem como, a instabilidade política da Coreia do Norte, figuram como problemas para o Japão. Entretanto, por outra perspectiva, a manutenção da estabilidade em Ásia igualmente aparece como uma oportunidade para um redirecionamento da política externa japonesa.

A questão que se levanta neste contexto é até que ponto a ameaça sobre a estabilidade na região pode ser acentuada pelas constantes revisões do Japão sobre seu papel pacifista nas questões militares. Ou dito de outra forma, se o aumento das capacidades militares japonesas tende a gerar uma condição de insegurança regional, ou em contrapartida, um aumento da segurança japonesa.

Ao menos duas correntes teóricas nas Relações Internacionais conflitam para explicar esta problemática. Por um lado, uma abordagem realista da questão expressa uma preocupação com o desconhecimento das intenções chinesas. De tal forma, diante desta insegurança, seria natural o aumento de capacidade de defesa japonesa.

No entanto, alguns estudos sugerem que é a ampliação das capacidades militares japonesas que aumenta a possibilidade de um atrito entre Japão e China, ao invés de trabalhar para a contenção deste conflito. Simplificadamente, uma corrente crítica sugere que o discurso nacionalista japonês pode ser um elemento excitador do conflito no longo prazo.

Preocupado com a manutenção do poder interno, ou ainda, servindo como veículo para afirmação de outros poderes na região, o crescimento japonês pode trazer mais instabilidade do que equilíbrio para a Ásia.

Certo é que EUA e China não possuem intenções de enfrentarem-se militarmente. Neste caso, conferindo segurança ao aliado norte-americano: o Japão. Porém, os Estados Unidos, na gestão de Barack Obama,parecem ter optado por uma via diferente para atuação na política internacional.

O chamado offshore balancing norte-americano, neste início de século, tem repassado para as potências regionais os custos da estabilização da política internacional. Em certa medida, despertando alguma insegurança para aliados históricos como o Japão.

China aproveita esta oportunidade e investe mais do que o dobro do que os japoneses no desenvolvimento de suas forças armadas. Em outro contexto, Rússia igualmente aproveita o vácuo norte-americano em solo europeu e impõe barreiras para a expansão ocidental da União Europeia.

Japão também desenvolve suas forças militares. Em 2015 aprovou um orçamento recorde de US$ 42 bilhões para autodefesa. Os gastos militares aumentaram pelo terceiro ano consecutivo,reforçando o que o governo japonês chama de “pacifismo ativo.”

Os investimentos deste ano preveem a compra de 20 aeronaves para vigilância marítima, seis aviões F-35, cinco aviões Osprey, entre outros elementos. De tal modo, o Japão paradoxalmente equipa suas forças militares para ratificar seu papel pacifista na Ásia. Preparando-se para as incertezas da política internacional do enredado século XXI.

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