Acordo cria rival de peso para a Embraer

Airbus assumirá controle de programa de jatos da Bombardier. Ações da fabricante brasileira caem 5,4%

Por Ronaldo D’ercole, Marina Brandão e Rennan Setti

SÃO PAULO E RIO – Num acordo com potencial para mudar a dinâmica do mercado de fabricação de aviões, a Airbus anunciou ontem que comprou fatia majoritária do programa de aeronaves C Series da Bombardier. A empresa canadense é a principal concorrente da Embraer no segmento de jatos de até 150 assentos. Na avaliação de especialistas, a aliança com a Airbus cria uma rival de peso para a empresa brasileira e pode levar a novas movimentações no setor.

Analistas estrangeiros citam até mesmo a possibilidade futura de uma aproximação maior entre Embraer e Boeing, embora ressaltem que se trata de um movimento incerto e bastante complexo. Um dos pontos centrais para o fechamento dessa nova aliança é a discussão sobre subsídios de Estados a fabricantes de aeronaves. A Embraer já abriu processo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) no qual questiona o apoio do governo canadense à Bombardier para a comercialização dos C Series.

COMPRA DE CONTROLE POR US$ 1

Os Estados Unidos ameaçavam impor tarifas de até 300% aos jatos da fabricante canadense pois consideravam que a empresa se beneficiava de incentivos que afetavam a competição com a Boeing. Num dos lances mais recentes da rivalidade entre fabricantes de aeronave, a Boeing acusou a Bombardier de fabricar jatos graças a essa ajuda e de ter vendido unidades à Delta Air Lines mesmo com perdas.

O acordo firmado com a Airbus dribla parte destas dificuldades. Os aviões C Series poderão ser construídos na fábrica da Airbus no Alabama, o que acabaria com as tarifas de importação.

“Estamos fechando este negócio não por causa da competição com a Boeing. Estamos fazendo esse acordo porque ele é o movimento estratégico correto para a Bombardier”, disse Alain Bellemare, presidente da companhia canadense.

Para a Bombardier e o programa C Series, desenvolvido a um custo de US$ 6 bilhões, a aliança representa a chance de ganhar economia de escala e melhor estratégia de vendas. A fabricante canadense, que não fecha uma venda de aeronave do C Series há 18 meses, diz que a parceria pode mais do que duplicar o valor da família de aviões de 110 a 130 lugares.

FÔLEGO PARA AVIÕES DE ATÉ 150 ASSENTOS

As ações das fabricantes de aviões reagiram rápido às mudanças. Os papéis da Embraer fecharam em baixa de 5,41%, a R$ 16,07 e chegaram a cair 6,9% durante o pregão. Os bancos Deutsche Bank e Scotia Capital rebaixaram suas recomendações para os papéis da companhia brasileira, manifestando preocupação com o impacto do acordo entre Airbus e Bombardier.

As ações da Bombardier dispararam 14,71% na Bolsa de Toronto. Os papéis da Airbus subiram 4,83% em Paris, e os da Boeing recuaram 0,44% no mercado americano. Agora, a Embraer com certeza vai ter um competidor muito mais forte. Os C Series são aeronaves excelentes e, com a força da Airbus, devem voltar a ter grande potencial de venda — avalia Respício Espírito Santo, professor de Transporte Aéreo da UFRJ, lembrando que a nova geração dos E-Jets E2 da Embraer só começa a ser entregue no próximo ano.

Os termos do acordo firmado entre Bombardier e Airbus indicam o tamanho do risco envolvido na competição entre fabricantes de aeronaves. A Airbus terá fatia de 50,01% dos C Series. A Bombardier receberá apenas US$ 1 pelo controle de seu programa de jatos. O acerto firmado entre as empresas prevê até mesmo a possibilidade de a canadense pagar US$ 700 milhões caso os custos superem as estimativas nos próximos anos. A expectativa da Bombardier é que o negócio seja aprovado por órgãos reguladores num prazo de seis a 12 meses.

Em comunicado, a Embraer afirmou que a aquisição pela Airbus de participação majoritária do programa de aeronaves C Series é um “movimento importante para a indústria aeronáutica, pois endossa as enormes oportunidades existentes no mercado de cem a 150 assentos”. A fabricante brasileira diz que continuará a lutar contra os subsídios que distorcem a concorrência na indústria e que prejudicam as condições equânimes de competição. “A Embraer reforça seu compromisso em manter a liderança no segmento de jatos de até 150 assentos, especialmente com a nova família dos E-Jets E2, as aeronaves mais eficientes do mercado”, diz a empresa.

O BTG Pactual também avalia que há um lado bom no negócio para a Embraer: o fato de um nome forte no mercado de aviões apostar no segmento de jatos de cem a 150 lugares. Além disso, o analista do BTG Renato Mimica afirma, em relatório, que aumentaria a importância estratégica da Embraer para a Boeing, que não conta com um portfólio de jatos regionais.

Foi justamente esse potencial competitivo do segmento que, na visão dos analistas, levou a Airbus a se associar para produzir aeronaves de um segmento em que não atua mais, desde que parou de produzir os A318. Essa associação complementa a linha de produtos, e a Airbus volta a ter aeronaves para o segmento de menor capacidade. Os C Series se encaixam perfeitamente nesse segmento, afirmou Jorge Eduardo leal Medeiros, professor do setor de Transporte Aéreo da USP.

Na imprensa americana e europeia, diversos analistas avaliam que a Boeing seria forçada a reagir ao negócio, o que poderia ser feito com lançamento de aeronave ou algum tipo de eventual acordo com a Embraer. No Brasil, analistas se dividem sobre a viabilidade de tal parceria.

Atualmente, Embraer e Boeing são sócias em um Centro de Pesquisas de Biocombustível em São José dos Campos, sede da empresa brasileira. E têm uma parceria formal para a comercialização dos cargueiros militares KC 390, desenvolvido pela Embraer e que começam a ser entregues no final do próximo ano.

CENÁRIO DE MAIOR CONCORRÊNCIA

Para Espírito Santo, da UFRJ, a Boeing não teria interesse no segmento: Uma aproximação com a Boeing é até possível, mas não acredito que se dê no curto prazo, porque não haveria interesse. Para Humberto Bettinni, professor de Economia da USP, é possível esperar mais aproximação entre Boeing e Embraer no futuro.

A Boeing iria adquirir uma faixa de mercado que não tem, e a Embraer ganharia maior suporte de vendas disse, acrescentando que o acordo entre Bombardier e Airbus pode representar um obstáculo para a empresa brasileira. De partida, a Embraer fica enfraquecida e perde em termos de competitividade. Isso porque, apesar da tradição da brasileira em produzir aviões novos de maneira mais competitiva que os rivais, a Bombardier pode agora fisgar vendas ao oferecer uma espécie de venda conjunta, por exemplo, vendendo aviões de menor e maior porte por um preço melhor.

FONTE: O Globo

Sair da versão mobile