Corveta ‘Tamandaré’: Solução ou Dilema. 1ª Parte

Por Pedro Paulo da Silva

Recordando

Fragata Niterói (F 40) – Foto NGB

Nos anos setenta, o programa de obtenção e construção das Fragatas da Classe Niterói trouxe ao Brasil o momento mais intenso da construção naval militar. Foi talvez o maior e mais bem sucedido programa de transferência e de absorção de conhecimentos, de tecnologias e de procedimentos operacionais e de manutenção até então realizado no Brasil.



Na esteira das Fragatas vieram as Corvetas da Classe Inhaúma (projetadas no Brasil com assessoria alemã); os Navios de Patrulha Fluvial (projetados no Brasil); o Navio Escola (projeto nacional); e a Corveta Barroso, além de outras embarcações menores.

Corveta Inhaúma (V 30)

A área física de todo o Arsenal concentrou diversos tipos de conhecimentos que foram irradiados a outros organismos e até começaram a ser utilizados em estaleiros privados.

A Engenharia era tão intensamente praticada (com coragem e segurança técnica) que permitiu conduzir o gigantesco período de modernização do Porta Aviões Minas Gerais. Na medida em que os trabalhos evoluíam, muitos não acreditavam que o NAeL (como era chamado pelos marinheiros) pudesse ser salvo. Demorou; desafios foram vencidos; paradigmas foram quebrados, e o NAeL voltou a navegar. Até operou com os A-4 (os aviões de caça da Marinha), o que foi um desafio a mais (quase uma impossibilidade) não por falta de engenharia, mas pela distância – no tempo – que separava as concepções do navio e destas aeronaves.

NAeL Minas Gerais operando com os caças A4

Foi na época das Fragatas que o uso da “ciência da computação” chegou ao Brasil, na área militar naval. Nossos engenheiros e analistas (aquelas pessoas ditas da informática e da análise) participaram efetivamente dos trabalhos de criação, codificação, instalação e integração do CAAIS (Computer Aided Action Information System). Isso mesmo: o computador “ajudava”.

A partir daí, com todo o conhecimento recebido, adquirido e praticado, foram surgindo: o GRAS, depois CASOP; o CASNAV; o LOOP, o SST, o SITAN, o SICONTA e outras iniciativas possibilitadas pela irradiação do conhecimento que estava concentrado naquela área física do Arsenal.

A consolidação da capacidade nacional de construir navios de guerra, seja a plataforma, seja na integração do sistema de combate, estava prestes a ser consolidada. Ficaria faltando a parte dos sensores e armas, cuja capacidade de manutenção também foi muito bem recebida, absorvida e implantada através dos Centros de Manutenção também instalados na área física do Arsenal.

Há que acrescentar a continuidade da capacitação nacional que, na década de 1980, se voltou ao programa de construção dos submarinos da classe Tupi. Este programa permitiu que a área física do Arsenal recebesse o núcleo de construção de submarinos iniciando a ampliação das atividades da NUCLEP. Este programa formou um núcleo de conhecimento que resultaria no projeto do Tikuna, já com “intromissão” bem sucedida de engenheiros navais nacionais que modificaram o desenho original.

Submarino Tikuna (S 34)

A partir desta transferência de tecnologia na fabricação, iniciou-se o treinamento na engenharia de projeto de submarinos. O SMB 10 seria um submarino bem maior, capaz de receber o pacote de propulsão nuclear cujos trabalhos já estavam iniciados em São Paulo. Este submarino de maior porte seria a plataforma que comprovaria a capacitação nacional, inclusive quanto à integração de sensores e sistema de comando e controle. Depois, ficaria faltando construir uma outra plataforma, após a primeira estar integralmente testada, apta para receber o pacote de propulsão nuclear.

A realidade foi outra e cruel. O orçamento da Marinha foi sendo reduzido. O dinheiro foi desaparecendo. As atividades no Arsenal foram sendo paralisadas. A mão-de-obra envelheceu. O conhecimento não foi passado a novas gerações e quase se perdeu totalmente. A Corveta Barroso levou 14 anos para ser concluída. O Arsenal praticamente parou e suas instalações, sem renovação, estacionaram no tempo. A obsolescência chegou. Quase tudo se deteriorou. Mas eles ainda não morreram e podem ressurgir.

Corveta Barroso (V 34) em construção no AMRJ

As nossas Fragatas, Corvetas e Navios Patrulha assistiram os navios usados, comprados da Marinha Inglesa, Americana e Francesa, chegarem, serem descomissionados e irem embora para o desmanche, ou ao fundo do mar como alvos de treinamentos. Mas os nossos, os navios Brasileiros continuaram valentemente, até hoje, a prestar os serviços que ainda são possíveis àqueles que resistiram à ação do tempo.

A experiência de utilizar a Verolme para construir duas das Corvetas Inhaúma fracassou e os navios tiveram que ser terminados no Arsenal.

NPa Gurupi (P 47) classe Guajaú

As construções dos 12 Navios de Patrulha de 200 toneladas (Classe Grajaú), projeto estrangeiro da Vosper-QAF Ltd, de Singapura, tiveram que ser distribuídas por diferentes estaleiros e constitui exemplo histórico relevante:

– Dois navios foram encomendados ao estaleiro Caneco, mas o contrato teve que ser transferido ao estaleiro Mauá e posteriormente para o Arsenal que concluiu o trabalho.

– Dos navios que foram encomendados ao estaleiro Mauá, dois também tiveram que ser transferidos para o Arsenal que concluiu o trabalho.

– Dois foram contratados no INACE; e

– Seis construídos no estaleiro Peenewerft GmBH, em Wolfgast, Alemanha.

O conhecimento e a experiência não se fixaram em nenhum destes locais e se perderam.

Dos Navios de Patrulha de 500 toneladas da Classe Macaé (projeto francês do estaleiro CMN Constructions Mécaniques de Normandie), dois foram construídos no INACE e, depois, cinco contratados ao EISA que faliu. Hoje quatro cascos, em diferentes estágios de produção, estão no velho Arsenal onde poderão ser salvos.

O Arsenal esteve sempre salvando as experiências mal sucedidas com a construção em estaleiros privados. Isso não significa que são maus estaleiros; apenas acumularam experiências na construção de outros tipos de navios que não os de guerra.

NPa Macaé (P 70)

O PROSUB trouxe a novidade da SPE, a ICN, Sociedade entre privados, com o Propósito Específico de construir 4 submarinos em estaleiro da Marinha arrendado à ICN. A Emgepron aparece apenas com uma “golden share”. Mais tarde observou-se que ela poderia ter muito mais que apenas esta única ação, embora seja uma participação com grande importância na manutenção dos propósitos da SPE.

A partir do PROSUB outros ventos começaram a soprar em termos de dar à Emgepron maior campo de atuação para que viesse a ser capaz de contribuir para a recuperação do poder naval em bases nacionais.

Houve a tentativa do “leasing” para a construção de navios de patrulha. Aconteceram os contratos para a manutenção e modernização de antigos navios. A iniciativa de contratar, ao CPN, os projetos de concepção e básico para a construção de navio de patrulha costeiro e do patrulha oceânico, demonstrou confiança na capacidade da engenharia naval de retomar o caminho da construção nacional.

Ao mesmo tempo, lá na Emgepron, surgiam as primeiras conversas de criação de uma empresa nacional de construção naval militar, em parceria da própria Emgepron com estaleiro nacional, de modo a fazer renascer o tão necessário núcleo de conhecimento tecnológico. A começar do início, do básico, com os navios de patrulha. O Arsenal seria beneficiado e sua recuperação seria iniciada, paulatinamente, na medida das necessidades, por arrendamento progressivo de suas instalações físicas.

NPa Maracanã inacabado no AMRJ após o EISA falir

O tempo passou e foi descoberto que nossos vizinhos Peruanos, Colombianos e Chilenos estão construindo navios para as suas Marinhas. Logo eles? Até compramos lanchas de patrulha fluvial na Colômbia e com ela tivemos que assinar um acordo de adesão ao projeto (dela) de navio de patrulha fluvial amazônico. Logo nós que sempre imaginamos que os vizinhos seriam nossos futuros clientes, cativos, comprando os produtos da “maior e mais poderosa Marinha da América do Sul”. Realidade.

Temos que retomar a capacidade de construção naval militar. Sabemos que o Rio de Janeiro é o berço da construção naval no País. Tudo nasceu ali, no Arsenal, criado em 1763 e expandido para a área atual a partir de 1860.

Se vamos ter um núcleo de conhecimento da construção de submarinos em Itaguaí então temos que também ressuscitar a capacidade de projetar e construir nossos navios, livrando-nos dos royalties e da dependência.

Sabemos que podemos desenhar (e desenhamos) nossos navios de patrulha costeira; nossos navios de patrulha oceânica; e podemos fazer uma corveta muito boa a partir da experiência que nós mesmos tivemos com a “Barroso”. E surgiu a Corveta Tamandaré, desenho de propriedade da Marinha que, se construída e aperfeiçoada, poderá nos dar a liberdade de termos nossos futuros navios, inclusive as importantes fragatas de escolta.



Temos que fazer ressurgir o núcleo de construção de navios de superfície. Este núcleo será o irradiador dos modernos conhecimentos e metodologias da construção naval militar aos futuros estaleiros privados que receberão as tarefas enormes de construir Fragatas, Navios de Desembarque e até Navios Aeródromos. Mas este núcleo tem que ser bem formado e líder do conhecimento. E aí o Arsenal tem que ser novamente lembrado.

O Arsenal está velho e obsoleto. Mas ele tem, dentro dele, tudo que é necessário para poder ser o Centro do Conhecimento da Engenharia Naval Militar, seja em relação à plataforma, seja no sistema de combate. Então há sim que se pensar em sua modernização. A localização física é privilegiada, à beira da Baia da Guanabara, onde estão diversas empresas que muito podem contribuir com o processo de construção. Tudo pode ser movimentado pelo mar, inclusive módulos formadores dos navios, típicos da moderna técnica de construção.

Se vamos ter navios novos então nada melhor para a manutenção do ciclo de vida do que contar com os serviços de quem construiu, ou seja, com os serviços dos fabricantes. Há no mínimo que contar com os serviços de organizações experientes em executar manutenções a partir de relações sólidas com os fabricantes. O Arsenal seria o local ideal para núcleo de práticas das ações de manutenção. Mas, para isso, ele tem que ser modernizado. Não é crível imaginar que um estaleiro privado nacional vá reservar espaço e tempo para receber navios da Marinha, seja para manutenções rotineiras, seja nas emergências. É claro que, nestes casos, de novo, o velho Arsenal vai ser chamado a salvar e resolver o problema.

Fim da 1ª Parte!



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