Comandante da Marinha do Brasil fala sobre o PEM 2040

Por Luiz Padilha

Na última sexta-feita, 25 de setembro, o Comandante da Marinha, AE Ilques Barbosa Jr, recebeu alguns representantes da mídia especializada em uma rápida entrevista no Rio de Janeiro, para falar sobre o Programa Estratégico da Marinha 2040, ou simplesmente PEM 2040.

Acompanhado pelo seu Chefe de Gabinete, VA Eduardo Machado Vasquez e pelo diretor do Centro de Comunicação Social da Marinha, CA João Alberto de Araújo Lampert, o Comandante da Marinha respondeu algumas perguntas, trazendo para nós algumas novidades.

A sociedade brasileira deve perceber o nosso entorno estratégico, que inclui o Atlântico Sul, como um ambiente onde nossa soberania e interesses no mar podem ser afetados por conflitos com outros Estados e ameaças multifacetadas, tais como terrorismo, pandemia, pirataria, crimes transnacionais e desastres ambientais. O Senhor poderia esclarecer como a Marinha do Brasil pode mitigar esta ameaça?

AE Ilques – A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) são documentos basilares para o Planejamento Estatégico da Marinha. Quando falamos em fronteiras no entorno estratégico, nós estamos falando de fronteira no seu sentido mais amplo, Leste, Oeste, Norte e Sul. Isso envolve a Marinha, o Exército, a Força Aérea e ,sobretudo cada vez mais no mundo moderno, as operações interagências. Basicamente não existe sistema de defesa hoje em dia que não seja eminentemente de duplo emprego. A prontidão nos dias atuais tem que ser 100%. Nós não temos mais tempo para preparar a indústria para reagir a determinadas ameaças. Então, o entorno estratégico pautado na PND e na END, inclui sem dúvida nenhuma o SISFRON na parte terrestre, o SISCEAB que tem o Controle do Espaço Aéreo Brasileiro, o SisGaaz que faz gerenciamento da Amazônia Azul. Então, o entorno estratégico do Brasil inclui o Caribe, a costa oeste da África, a Antártica e a parte oeste do território continental brasileiro. Então esse é o ambiente operacional. Por que estamos envolvendo as Forças Armadas especificamente? Porque a magnitude do crime organizado, a globalização impõe desafios numa relevância que exige o apoio das FFAA, e ai eu falo pela Marinha, no apoio irrestrito a segurança nacional. É importante falar de segurança nacional num contexto de evitar que amplos territórios brasileiros, espaços geográficos importantes sejam divididos, posicionados aqui com mandamentos que não sejam do Estado brasileiro. Tanto do ponto de vista financeiro, que o crime organizado tem alcançado no mundo, como a facilidade de transferência financeira de recursos e pela permeabilidade territorial e oceânica que nós temos nesse desafio.

Com relação aos programas estratégicos (PE), os PEs de qualquer país, de qualquer força armada que eu considero relevante é a capacitação. Esse é foco que a Marinha do Brasil está se debruçando fortemente, alterando o procedimento de entrada na escola de Comando de Estado Maior, ampliando as exigências na escola de formação, nós estamos alterando normas de carreira, em função da nova Lei que destaca a Meritocracia, incentivando os cursos, porque se o homem e a mulher da Marinha não estiver capacitado, nós podemos entrar com o navio mais moderno na Baia de Guanabara e não saber operar. A verdade é essa!

O PE está focado nessa realidade, capacitação. Mas agora indo para outros programas, nós criamos recentemente no âmbito das operações ribeirinhas, o ProAdSumus, como o nome já diz, um programa de Fuzileiros Navais (FN). Nós identicamos que existe o Prosub, o programa Tamandaré, o SisGaaz e que existiam uma série de subprogramas dos fuzileiros, só que a dimensão e a importância deles, merecia uma adequação, um reagrupamento no ProAdSumus, ou seja, nós colocamos dentro do ProAdSumus, todos os programas estratégicos que já existiam, e evidentemente começamos a dar um brilho mais acentuado nisso.

Os fuzileiros navais além das atribuições clássicas como operações anfíbias e ribeirinhas, cada vez mais os fuzileiros, uma tropa por excelência com capacidade expedicionária e tem recebido tarefas adicionais como defesa nuclear, biológica e química, contruições na Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ações em ajuda humanitária, proteção de contigentes que vão efetuar a neutralização de crimes ambientais. Como exemplo, nós usamos mergulhadores de combate do comandos anfíbios para incursões em manguezais em estuários para a retirada de óleo, em áreas que já tinham sido dadas como limpas, só que essas áreas são locais de procriação de tubarões com fundos e áreas muito inóspitas, no sentido até de visibilidade, e isso exigia muito da segurança do mergulhador. Então, esses empregos distintos que o público tem conhecimento, mostra a importância da capacitação dos FN nessa nova área de atuação, sem mecionar a inspeção naval.

A inspeção naval quando começa a se envolver com a possibilidade de reação, ressaltando que a inspeção naval é uma inspeção administrativa com verificação de documentos, equipamentos de salvatagem e etc. Quando isso começa a ter a possibilidade de reação, nós temos que ter a proteção do nosso pessoal e ai entra atuação dos FN. Então não houve a retirada de atribuições, muito pelo contrário, a Marinha tem acrescentado atribuições e evidentemente ressaltando a defesa dos direitos humanos, o direito a vida, o emprego militar da força que sem dúvida nenhuma é importante. Então mesclando a pergunta com capacitação que mencionei, nós estamos criando o Estudo Naval de pós graduação, semelhante ao ‘post graduate school’ dos EUA, como tem também o ‘King’s College’. São quatro áreas, sendo uma delas a de Ciências Humanas, que é fundamental para poder entender, conhecer e saber como lidar com uma tribo indígena, porque é importante ainda mais em território brasileiro, a proteção dos indivíduos.

Então essa mescla mostra o entorno estratégico que vai da costa oeste americana, a costa oeste da África, do Caribe e da Antártica, então qualquer coisa que aconteça neste entorno estratégico é a velocidade com elas aparecem e nossa capacidade de reação. Uma das finalidades do PEM 2040 é a transparência para a sociedade brasileira, permitindo que o plano possa ser debatido e alterado, se assim for necessário.

Em trechos do PEM 2040 o senhor apresenta necessidades de estruturas de Comando e aponta a necessidade de recursos que excedem as dotações orçamentárias. Quais as ações vislumbradas para se obter esses recursos?

AE Ilques A PND e a END apontam numa direção. Nós conversamos intensamento com nosso Ministro da Defesa para a elaboração dessa política, fizemos apresentações ao Conselho de Defesa Nacional, estavam presentes ministros de estado e o Presidente da República, com seu Vice-presidente, ao senador Davi Alcolumbre e posteriormente nós apresentamos ao presidente da Câmara dos Deputados. Então nós mostramos à classe política do país, a real situação das forças armadas, porque eles são os representantes do povo, são eles que atribuem prioridades, e nós estamos num estado democrático de direito, então é exatamente assim que tem que funcionar e nós apresentamos isso. Estavam lá os líderes do executivo, do judiciário e do legislativo.

Esse foi o primeiro movimento, passando com clareza a situação das forças armadas. Ao mesmo tempo, nós mostramos as ameaças que estamos sendo submetidos para a sociedade brasileira. É importante tirar o estigma que existe de que os militares vêem ameaças onde não tem. A pandemia é uma ameaça. Os 140 mil mortos, infelizmente, mostra isso. Nós sofremos uma agressão (o derramamento de óleo), um crime, que evidentemente nós estamos fazendo o máximo, e posso assegurar, como objetivo naval permanente até quando for necessário, até o fim dos tempos , nós vamos estar atrás dele, até achar e punir, porque uma agressão daquela magnitude não pode ficar impune. Mas isso pode acontecer de novo? Pode. Nós não podemos deixar de alertar a sociedade brasileira sobre isso. Várias providências estão sendo tomadas para neutralizar essas ameaças. As ameaças do crime organizado, ameaças de organizações não governamentais que não sejam necessáriamente ONG. Nós não podemos ter a inocência de não constatar um fato e sermos envolvidos em discussões que nos tirem do foco que é a defesa do nosso futuro, a defesa dos nossos cidadãos.

Ameaças interestatais desapareceram do horizonte? Não, elas são uma realidade! Nós estamos vendo movimentos que indicam difícil entendimento, sem querer particularizar para não dar impressão de estar contra ou a favor, mas a documentação conteporânea mostra isso a exaustão. O que está acontecendo nos Balcãs por exemplo, o que houve lá? Isso significa capacitação de entendimento e nós temos que contribuir nessa primeira parte, com o diálogo.

A defesa tem a sua excência, a sua necessidade e ela gera empregos, importos, ela gera bem estar, ela gera exportações, conhecimento e sobretudo, ela gera segurança. Ou seja, defesa não é um tema sem importância, pelo contrário. Só o Prosub, e não estou mencionando nenhum outro programa em andamento, gera R$ 900 mihões em impostos. Quantas escolas foram criadas com esses impostos? Quantos empregos, quantas famílias estão vivendo disso através dessa segurança da Base Indústrial de Defesa? Todos os nossos programas estão sendo auditados/controlados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), gerando conforto para o Comando da Marinha. O TCU está a contrabordo da Marinha dizendo o que pode e o que não pode ser feito, e assim será enquanto durarem os programas.

A sociedade brasileira precisa entender que um planeta que sofre pandemias, tem assimetrias, tem insegurança, desastres naturais, movimentos geopolíticos agressivos, terrorismo dentre outros. O Brasil não está isento de tudo isso. Um país como Brasil, que tem um território fértil, um país que tem água, um país que tem um espaço geográfico imenso, tem reserva de energia muito grande (solar, eólica, petróleo, hídrica, urânio entre outras), precisa de atenção, precisa ser cuidado com posicionamento maiúsculo em defesa de nossos interesses.

Levando em consideração a sistemática do PEM que considera o curto prazo até um PPA (Plano PluriAnual do governo) médio prazo até 3PPA é longo prazo até 5 PPA, como o senhor hoje discriminaria a obtenção de novos meios apontados nas Ações Estratégicas Navais para modernizar a força naval?

AE Ilques – Eu considero de maneira prática o programa de submarinos, onde nós já temos quatro submarinos, o nuclear ainda está sendo delineado, porque todas as providências administrativas para os submarinos convencionais, estáo encaixadas, é uma questão de tempo. É como uma máquina funcionando como um relógio. As Fragatas Tamandaré, a partir do momento que se ocorreu o start date, também é questão de tempo. Então agora é questão de acompanhamento, controle de ação planejada que vai até 2025, quando recebermos a primeira fragata, ai nós vamos começar a fazer o reembolso a EMGEPRON para ver se conseguimos fazer o círculo virtuoso para continuar a construção. Essa é a grande novidade das Tamandaré.

Em termos de PPA, a curto prazo eu considero o que já está delineado, consolidado. Então nós temos o Prosub, o programa classe Tamandaré, as fases do SisGAAz, que já tem seu núcleo em operação, a capacitação de pessoal está sendo aprimorada com cursos em andamento. Na segunda fase eu coloco o Instituto Naval de Pós Graduação, que vai ser efetivado em janeiro de 2022, porque ele vai começar a identificar a área de conhecimento do futuro, como por exemplo a computação quântica, sistemas eletromagnéticos, sistemas a Laser, alguns experimentos nessa área já existem, com seu sigilo correspondente, mas não estão encaixados/balizados, associados ao PPA, e tem também o sentido de exequibilidade. Você tendo um PPA, seguramente já se sabe o montante de recursos que teremos disponíveis, ou seja, não podemos ir além do que já está delineado.

Observe, nível político, em função dos 2% nós estamos nessa discussão, que é muito importante pois trata da renovação de recursos, após isso nós vamos ter condições de partir para novos meios. Veja, os navios mais novos eles entram com o conceito de ciclo de vida, os navios já são adquiridos com capacidade de manutenção. Ontem eu visitei o AMRJ e estamos retomando a construção naval com um Navio Patrulha de 500 toneladas, e estamos delineando a construção do Navio de Patrulha NPaBR de 500 toneladas, que é um projeto que nós já temos e estamos resgatando o estudo inicial para o NaPaOc de 1.800 toneladas. Para um AMRJ que construiu Fragatas e que por algum motivo perdeu essa capacidade, essa retomada é um objetivo que está dentro do Plano de Capacitação e Obtenção de Novos Meios, dentro do Núcleo do Poder Naval. São dois programas que trabalham em conjunto.

Projeto NPa 500t

O PPA em termos de longevidade ele pauta não o meio em si, ele pauta o encaixe. A Fragata Tamandaré, os recursos estão alocados, o consórcio existe, agora é questão de tempo. Todas as decisões foram tomadas. Nós temos que partir para outro desafio, agora em nível operacional.

Partindo do princípio de que os quatro submarinos convencionais já são uma realidade, olhando para a estrutura de Itaguaí, nós percebemos um hiato entre os submarinos convencionais e os trabalhos que vão ser iniciados para o submarino nuclear. Pensando na continuidade do esforço de construção, dentro do PEM 2040, a Marinha do Brasil pensa em fazer alguma encomenda para cobrir esse hiato?

AE Ilques – Nós precisamos e vamos fazer isso. Alocar construção e manutenção naval para aquele conjunto de facilidades e recursos que nós temos lá, inclusive a atracação de navios de superfície. Existe uma elevada probabilidade de atracação das Fragatas Tamandaré lá. De fato nós estamos estudando como será a atracação desses navios e outros naquela área, exigindo a construção de estrutura, tais como residências para as tripulações, porque um outro programa nosso é retirar do Rio de Janeiro o peso que a MB tem, não no Estado do Rio de Janeiro mas sim na cidade do Rio de Janeiro. Não é nada contra a cidade do Rio, é que simplesmente não existe no mundo uma Marinha, do porte da nossa, em uma cidade do porte do Rio de Janeiro, não existe Marinha dos EUA em Los Angeles, em Nova York, a Marinha inglesa não está em Londres, porque as cidades grandes tem uma vida que de certa maneira impõe desafios de mobilidade e de segurança. Então, nossa intenção é paulatinamente, na medida do possível fazer a transição.

A Força de Submarinos vai para Itaguaí e com isso, os (submarinos) 209 remanescentes também irão. Essa movimentação, além da construção naval que esperamos conseguir fazer lá, vai manter a capacidade do estaleiro  da ICN para construir outros submarinos, tanto convencionais quanto de propulsão nuclear. Nós não achamos correto construir quatro submarinos e parar. O que podemos aprimorar para construir o quinto convencional? É um desafio indiscutível, mas é um desafio para qualquer Marinha do mundo que deseja ter uma Marinha como nós queremos ter.

Esse desafio teria incluso a criação de uma 2ª Esquadra?

AE Ilques – Com relação a 2ª Esquadra , nós estamos readequando o cronograma, reestudando na disponibilidade de área. Isso envolve Belém, envolve Itaqui, e a Esquadra em si. Por característica do Poder Naval, essa denominação de 1ª, 2ª e 3ª Esquadra é importante que nós tenhamos a capacidade de receber a Esquadra onde ela for. Então, o primeiro passo para a 2ª Esquadra é o fortalecimento da capacidade logística de onde ela estiver.

Em Belém nós sabemos que tem um terminal e que é importante que ele seja preparado para receber os navios da Esquadra. Tem calado, tem retroporto, tem um pier de boa qualidade, vamos ver isso. Recife é uma área onde tem o estaleiro Atlântico Sul e o Vard Promar, que podem dar base e sustentar a Esquadra por lá e Itaqui é uma área estratégica.

A ampliação da capacidade logística precede a criação da 2ª Esquadra. Não tem significado nós raciocinarmos em 2ª Esquadra sem antes saber exatamente a capacidade logística. Por exemplo: nós temos capacidade de atracar e docar uma Fragata em Belém? Temos!

Aratu é outra área importante, enfim, ao longo dessa costa imensa, eu poder gravitar com a Esquadra, com os meios que eu achar importantes, ela tem que ter capacidade de atracar esses meios. Outro ponto importante, e aí vem um fator importante, está relacionado ao conceito de prontidão. Há uns vinte anos, o timming de uma situação de conflito era diferente de hoje. Hoje, nesse momento, as Forças Armadas tem empregado 40 mil militares na Operação Covid-19, que está desde fevereiro combatendo o vírus, fazendo desinfecção de área, doação de sangue, limpeza de área, apoio a triagem, apoio aos hospitais, transporte de pessoal, a Força Aérea Brasileira deu 10 voltas ao planeta transportando material. No combate as chamas da Amazônia e do Pantanal, e agora parece que começou também na Bahia, o fato é que são 40 mil militares, homens e mulheres, em tempo de paz. Qualquer envolvimento militar desde a 2ª Guerra Mundial não é igual ao atual. Se não houver transporte de material, o pessoal que está na linha de frente vai morrer, ou seja, é guerra!

Imagem do porto de Belé-PA

Tudo o que estamos fazendo hoje, nós nos preparamos desde 10, 20, 30 anos atrás. Vocês imaginam se nós não estivéssemos preparados, como é que nós iríamos buscar aquele pessoal em Wuhan? Ali foi o avião do presidente, porque a Força Aérea não tem outro avião, enquanto isso, tem um país aí com 22 aviões que mandou buscar insumos na China e nós ficamos sem. Quantos morreram por causa disso? É muito triste imaginar.

O paradigma clássico associado ao Combate no Mar se mantém até os dias atuais, representado pelas tarefas básicas do Poder Naval conhecidas como “Negação do Uso do Mar”, “Controle de Áreas Marítimas” e “Projeção de Poder sobre Terra”, das quais decorrem as operações e ações de Guerra Naval, devendo ser realizadas por uma Força balanceada entre os componentes de superfície, submarino, anfíbio e aéreo. O senhor poderia explicar a diferença entre o Combate no Mar e a Defesa dos Interesses Marítimos e como o SisGAAz seria aplicado nessas situações?

AE Ilques – Combate no Mar e pelo Mar. Isso é uma definição acadêmica. Você combatendo no mar, você está combatendo numa área marítima específica, só que os oceanos tem desdobramentos de resultados em outra região. Interropeu a Linha de Comunicação Marítima aqui, outros lugares irão sofrer racionamento, então a defesa dos interesses marítimos é combate no mar para defender aquela área e combater pelo mar em instâncias e momentos diferentes. A defesa de interesses marítmos por exemplo, nós estamos fazendo, discutindo um assunto importante e não necessariamente envolvendo combate.

O Brasil está se movimentando para propor alterações na Convenção das Nações Unidas sob o Direito do Mar, especificamente sobre Liberdade de Navegação. A liberdade de navegação em épocas recentes envolviam 20 mil navios e hoje estamos falando em 60 mil navios, estamos falando do uso intensivo do mar para o transporte de cargas diversas como, proteína, obtenção de energia, obtenção de petróleo, gás e etc. Essa magnitude de desafios impõe providências diferentes do que foi previsto na Convenção de 1982, ela tem que ser atualizada. Eu não me refiro a navio de guerra, me refiro a navio mercante. É preponderante que estejam sempre com sua identificação acionada, porque senão o trafégo de drogas e derrame de óleo vão continuar impunes, sendo necessarias alterações da IMO com relação a MARPOL.

O que aconteceu no Brasil? Houve um derrame em 700 km da nossa costa, num determinado número de dias, e 30 dias depois o óleo chega nas praias brasileiras de forma não muito significativa. Quinze dias depois ele vem forte. Então nós fizemos o estudo de correntes oceânicas regressivo, calculando condições de mar e vento, identificação dos navios que lá passaram por meio de satélite, alguns deles sem identificação, os famosos navios piratas. Isso exige o SisGAAz,  que envolve o combate no mar e pelo mar, sendo importante identificar o que tem dentro de determinada área naquele momento. A dualidade do SisGAAz decorre das quatro vertentes do conceito.

A vertente ambiental – Para nós é vital para a defesa da Amazônia Azul, porque o oceano não é autosustentável e ele está realmente sofrendo os impactos. As vezes o ser humano se preocupa muito com o que está em terra, mas quem viabiliza a vida no planeta são os oceanos, afinal 75% do planeta é composto de água, e se assim não fosse, já teria se transformado numa bola de fogo. O efeito físico e químico da água em ficar no estado sólido, líquido e gasoso é que permite a absorção do calor vindo do sol, é a evaporação dos oceanos que formam os rios e as florestas.

A vertente econômica – Nós estamos aqui nesse minuto porque o nosso marítimo do sistema viário e aquaviário estão operando na pandemia, trazendo energia, trazendo insumos, inclusive com as exportações do nosso agro-negócio, mantendo o fluxo da economia, o que aliás, em toda situação de guerra é assim, pois se o porto parar, para a guerra. Nós vencemos a 2ª Guerra Mundial porque nossa capacidade logística foi maior do que os paises do eixo, eles ficaram cercados.

A vertente científico tecnológica – A ciência e tecnologia que envolve o sistema tão complexo como o nosso, com corais e as espécies invasoras, como é que nós vamos fazer para aproveitar a energia motriz das marés. Esses são aspectos de ciência e tecnologia dentro da magnitude do que estamos falando.

A vertente da soberania – Observando a Convenção das Nações Unidas, o Mar territorial, 12 milhas, solo, sub-solo, espaço é tudo seu, como se fosse terra continental. Vinte e quatro milhas mais pra frente, já se entra na zona contígua, com um declínio de direitos, mas ainda tem deveres. Nas 200 milhas tem a zona econômica exclusiva que já tem outras considerações jurídicas, mas de alguma forma o Estado costeiro tem jurisdição sobre essa área e vai mais além, na plataforma continental extendida, quando ele comprova que aquela área tem conexão com o território. Então, esse contexto tem alguns cientistas ingleses que chamam de jurisdição insinuante, ou seja, eu não tenho naquela área uma jurisdição completa, como eu tenho sobre o território continental, mas eu tenho jurisdição. Eu posso por exemplo explorar petróleo, outro país não pode. Mas eu tenho que permitir o direito de passagem inocente de navios. Na Convenção das Nações Unidas não está previsto a realização de exercícios militares nessas áreas, ou seja, não existe uma consideração sobre isso. O Brasil, de forma unilateral, proibiu na sua ZEE os exercícios militares sem o seu conhecimento mas, qualquer país pode discordar disso, criando um desafio diplomático importante e fazer o exercício. Então, esse conceito que vai se estendendo segundo alguns estudiosos é chamado de territorialização dos oceanos, com a ideia de posse mesmo, como exemplo do que a China está fazendo no Mar do Sul da China, a colocação de bandeiras no fundo dos oceanos. Esses conceitos precisam ser incorporados no dia a dia pela sociedade brasileira para ela possa entender que estamos caminhando para a consolidação dos limites à Leste, por isso a elevação do Rio Grande é importante. Com 1 milhão de quilometros quadrados com terras raras, petróleo, gás e etc. Nós vamos precisar desse petróleo amanhã? Não sei, mas e se precisar? Em assuntos de Estado, os pensamentos precisam ser mais amplos.

No Atlântico Sul não estão navegando potências de “baixo calado”. Navegam potências nucleares, potências marítimas, potências econômicas, então a dualidade do SisGAAz é evidenciada nessa área.

O que o senhor poderia falar sobre o programa para a construção de um novo navio aérodromo e a obtenção de novas aeronaves de asa fixa, devido a necessidade de patrulhar o nosso mar territorial.

Ae Ilques – Nós temos um grande desafio tecnológico para começar. Nós estamos estudando isso e mantendo a capacidade de voo em asa fixa e eu te devolvo a pergunta. Qual é o futuro da aviação de caça? É um drone com inteligência artificial, será um piloto com uma aeronave, ou será uma mescla, com um piloto com uma aeronave comandando o drone? Qual é a opção hoje de um navio aeródromo de grande porte como tem os EUA, inglaterra e a França? Evidente que tem que ter uma capacidade de defesa monumental, nas 3 dimensões, principalmente pensando em satélites e mísseis hipersônicos, com capacidade de guiagem muito precisa. Isso impõe ao navio aeródromo, um alvo capital, um sistema defensivo robusto e mais que isso, num conceito estratégico que respalde esse meio. Quais são as opções de combate num nível um pouco menor? São as aeronaves de decolagem vertical, que por acaso o nosso Navio Aeródromo Multipropósito Atlântico possui. Existe um spot para operar e ele já operou, com as aeronaves tilt-rotor MV-22 Osprey dos EUA. Então, se formos operar com os EUA e ele trouxer o Osprey, nós podemos operar com ele. Outro ponto importante, pouso e decolagem de drone em navio como o Atlântico. Como será isso?

MV-22 Osprey operando no ex-HMS Ocean, atual NAM Atlântico

Ao mesmo tempo o desenvolvimento de mísseis lançados de terra, de helicópteros ou de aeronaves de asa fixa com alcance de 300 km ou mais com apoio de drone. O payload de um drone desse não é significativo mas ele tem capacidade de voar por mais de 20 horas e com uma capacidade de enxergar muito longe, principalmente se você não tem sistema satélite. Então hoje, os estudos apontam para a manutenção da asa fixa, a alteração da denominação do Porta Helicópteros Multipropósito Atlântico para Navio Aeródromo Multipropósito Atlântico,  é porque ele não está previsto operar só helicópteros, estamos prevendo ele operar drones, e mais pra frente não sabemos ainda, se houver uma alteração de perfil, ele poderá operar aeronave de decolagem e pouso vertical, com ou sem piloto. Isso tudo com muita coordenação com a FAB e nesse particular, o Gripen sendo operado pela FAB é muito importante, como também é importante o satélite e o P-3 Orion. É um conjunto de sobreposição de defesas que fortalecem a proteção do Brasil como um todo, pois como eu disse, a Leste são potências de vários perfis que podem navegar ali. Então a resposta é: permanecem na pauta as 3 opções. Não temos como afirmar qual será a opção definitiva, é muito difícil, é um tema muito complexo.

Em relação ao Objetivo Naval 8,  de desenvolver a capacidade cibernética da MB, qual a previsão e passos a serem dados para criação do Esquadrão de Guerra Cibernética? E tendo em vista que a Guerra Cibernética é uma área de desenvolvimento que foi delegada ao Exército Brasileiro (EB) qual será a interação com o EB para criação desse Esquadrão?

AE Ilques – Primeiro é importantíssimo ressaltar a liderança do nosso Exército na área cibernética, sem dúvida nenhuma, essa área de atuação é responsabilidade do EB, e nós nos beneficiamos dos conhecimentos fornecidos por eles e a troca de informações tem ocorrido com bastante frequência. Se os senhores observarem o movimento que a Marinha fez recentemente, nós criamos o Comando Naval de Operações Especiais (CNOE) com um amplo espectro, como guerra psicológica, guerra cibernética, guerra assimétrica, e guerra híbrida. Então o CNOE está cada vez mais focado no emprego da guerra usando a Inteligência Artificial. O esquadrão de guerra cibernética hoje na verdade tem seu embrião dentro do CNOE. Normalmente é mais fácil ver a atuação do CNOE através das operações dos Comandos Anfíbios, dos Mergulhadores de Combate, mas ele vai além disso, com operações psicológicas e cibernéticas em conjunto com a Diretoria de Comunicações e Tecnologia da Informação da Marinha (DCTIM), e ainda se encontra em estudos.

Militares da Marinha do Brasil que concluíram o Curso de Guerra Cibernética e Guerra Eletrônica

A aproximação com o EB é feita através de vários exercícios, com várias interações, porque a guerra cibernética envolve todo um país. Recentemente houve um ataque cibernético mundial que afetou três hospitais no interior de São Paulo. Eles não eram o alvo do ataque, mas como estavam vinculados através da internet ao alvo, eles sofreram o impacto, ficaram sem funcionar, que é o que ocorre numa guerra. Todos os sistemas do hospital vieram abaixo e eles por três dias, pararam de operar, não sabiam mais quais medicações dar aos pacientes, fazendo-os retornar as anotações manuais até que conseguissem retornar o sistema.

A ameaça cibernética não é uma ameaça militar, ela é uma ameaça que afeta qualquer pessoa, sem contar a invasão de dados privados, então respondendo, nós não temos ainda previsão para a criação do esquadrão, pois tem muita coisa acontecendo que antecede sua criação.

A Marinha do Brasil atualmente possui uma Força de Minagem e Varredura (ForMinVar) com navios alemães muito antigos. Já foram feitas ofertas para sua atualização através das indústrias alemãs e suecas. Entendo que essa é uma capacidade que precisamos ter para poder proteger uma base de submarinos nuclear, ou seja,  essa atualização é imprescindível. Como a Marinha está fazendo para reequipar a ForMinVar e se a Marinha está acompanhando o desenvolvimento dos véiculos submarinos operados remotamente? A Marinha através do Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), fabrica diferentes tipos de minas, minas de contato, minas de fundeio, o que demonstra que a Marinha sabe fazer a guerra de minas. A Marinha não está defasada na luta contra as minas?

AE Ilques – Uma das medidas discutidas recentemente no Almirantado é a transferência da ForMinVar para Itaguaí, por motivos mais do que conhecidos, entretando, lá em Salvador tem uma área de conhecimento muito importante que é o SENAI CIMATEC que trabalha com drones submarinos assim como na USP. Então, nós estamos em função do custo benefício hoje em dia, trabalhando na área de neutralização de minas porque nós não temos a pretenção de minagem ofensiva. O SENAI CIMATEC e a USP desenvolvem drones submarinos que são relevantes para este tipo de atividade, então estamos estudando essa parte. A incorporação de navios para isso requer um estudo mais profundo em função do custo desses navios versus os drones submarinos. Nós percebemos que quando usamos a nossa Base Indústrial de Defesa e usamos a nossa expertise acadêmica, os resultados são tão bons quanto. O resultado custa um pouco mais para chegar, mas chega e chega muito bem, como é o caso do MANSUP por exemplo. Nós já decidimos que o MANSUP será o míssil das Fragatas Tamandaré.

Drone FlatFish desenvolvido no Brasil

A ForMinVar será equipada com equipamentos brasileiros, equipada com drones submarinos desenvolvidos e construídos no Brasil. A nossa indústria, a nossa bancada acadêmica científica conhece esse assunto, e nós colocamos um escritório de ciência e tecnologia dentro do SENAI CIMATEC. Outro ponto interessante é que o SENAI CIMATEC não trabalha com dinheiro público, o que o torna mais ágil e isso é muito importante. O nosso setor de ciência e tecnologia está pautando isso, por isso a nossa reiterada negativa, para que os fornecedores desse tipo de equipamentos entendam, porque o preço disso é muito caro, é caríssimo, e tem uma dinâmica de “estado da arte”, que a todo momento tem um modelo mais novo e nós sempre ficamos a reboque. É o caso do MANSUP, nós tinhamos um míssil que ia deixar de ser fabricado e os nossos iam perder a validade. É como se estivéssemos financiando aquilo que nós vamos comprar e isso é duro, mas num determinado momento, nós temos que romper essa dependência. Ficamos desguarnecidos em alguns momentos mas existe luz no fim do túnel.

Os estaleiros nacionais e internacionais estão se movimentando, criando consórcios para participar do futuro Navio de Apoio Antártico (NApAnt). O que falta para a RFP ser lançada?

AE Ilques – O NApAnt é muito importante porque o nosso NApOc Ary Rongel (H 44), está com seu prazo de validade chegando ao fim. As tratativas para o lançamento da Request For Proposal (RFP), estão em andamento, espero que até o fim deste ano. O que existe de concreto é que o navio será construído no Brasil. O local (Estaleiro) onde será construído depende de uma série de informações e do resultado da melhor oferta. Eu tenho solicitado ao setor de Material da Marinha que acelere porque isso é muito importante para a indústria naval brasileira.

Nota do Editor: Gostaríamos de agradecer ao AE Ilques Barbosa Jr pela oportunidade concedida para a realização desta entrevista, e ao apoio do CCSM e do CCSM-Rio nesta oportunidade.

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