DAN entrevista o Diretor Geral de Material da Marinha do Brasil – “Força de Superfície”

Por Luiz Padilha

O Defesa Aérea & Naval recebe diariamente solicitações de informações sobre os planos da Marinha do Brasil quanto ao seu reaparelhamento. Para atender à essas solicitações de nossos leitores, solicitamos uma entrevista com o Almirante de Esquadra Luiz Henrique Caroli, Diretor Geral do Material da Marinha, que gentilmente me recebeu em seu gabinete e concedeu a entrevista que esperamos atenda os anseios de nossos leitores sobre o futuro dos meios da esquadra. A entrevista por ser muito longa, será divida por tópicos, facilitando sua leitura.

Força de Superfície

DAN – Com o envelhecimento de nossos Escoltas, e consequentemente dos seus sistemas de combate, qual a solução que a Marinha adotará até que o programa de construção das Corvetas Tamandaré seja implementado?

AE Caroli – A Marinha do Brasil (MB) está estudando a viabilidade da extensão da vida útil de algumas Fragatas da Classe Niterói (FCN), bem como a modernização da Corveta Classe Barroso (CCB). É importante ressaltar que a construção das Corvetas Classe Tamandaré (CCT) visa garantir à MB um inventário mínimo de navios-escoltas do porte de uma corveta, tendo em conta a necessidade da substituição das Corvetas Classe Inhaúma (CCI), das quais restam apenas duas unidades (Corveta JaceguaiJúlio de Noronha), dentre as quatro que foram construídas na década de 80.

Corveta Barroso

Nesse sentido, a extensão da vida das FCN não tem relação direta com o cronograma do projeto das CCT, ou seja, a extensão da vida útil das FCN é necessária considerando a necessidade de garantir à MB navios-escoltas de maior porte que as corvetas, até que o Programa de Construção de Navios de Superfície (PROSUPER) possa ser iniciado.

DAN – Segundo algumas fontes, as Fragatas classe Niterói poderão ser modernizadas, resultando em um mini ModFrag, porém, apenas para 3 unidades. Elas receberiam novos radares, um novo sistema de combate, um novo sonar, além da troca de seus motores diesel e a retirada das velhas turbinas Olympus, que hoje é de manutenção problemática por ter sido descontinuada. Essa solução é plausível? Se sim, quanto tempo a mais as Fragatas classe Niterói poderiam perdurar no serviço ativo?

AE Caroli – Como mencionado acima, está sendo considerada pela MB a extensão da vida útil das FCN e modernização da CCB. De acordo com os estudos logísticos e técnicos até o momento realizados, é exequível incluir neste projeto a CCB e 3 a 4 FCN por até 15 anos. Para esse propósito avaliou-se a necessidade de realização da revitalização de alguns sistemas e componentes críticos, bem como a realização de algumas obras de manutenção relevantes. No entanto, este escopo abrangente não contempla a substituição de equipamentos complexos ou onerosos como os radares de busca aérea, os sonares e as turbinas. Nesse sentido, não há previsão da realização de amplas obras de modernização das FCN, ou seja não é uma segunda ModFrag.

Fragata União

DAN – No caso de um mini ModFrag, ao optar por novos radares, existe o pensamento de que a escolha recaia pelo mesmo que irá equipar a Corveta Tamandaré? Isso acontecendo, cria uma perspectiva de continuidade. O senhor acredita que isso possa influenciar o fornecedor a ofertar a Transferência de Tecnologia em melhores condições?

AE Caroli – A padronização de sistemas e equipamentos sem dúvida traz grandes vantagens logísticas e operacionais, mas também impõe riscos elevados para o gerenciamento das obsolescências dos navios, no âmbito da Gestão do Ciclo de Vida. Nesse raciocínio, não se vislumbra uma plena padronização dos sistemas que mobiliarão as CCT com os sistemas das FCN. No entanto, em relação à extensão da vida útil da CCB esta possibilidade vem sendo estudada, mas os dados disponíveis para a decisão ainda são incipientes, posto que a Request for Proposal (RFP) do Projeto das CCT ainda está sendo elaborada.

DAN – Desde a Euronaval 2014 fala-se de um trabalho da Bradar com a BAe System para o radar de vigilância dos futuros escoltas. Houve algum processo de escolha para definir a BAe como a mais conveniente à Marinha? A Marinha já optou pelo radar da BAe ou ainda irá ocorrer um processo para escolher o futuro radar de nossos Escoltas?

AE Caroli – Dada as atuais circunstâncias, os riscos naturais associados a um projeto dessa envergadura não são compatíveis com as expectativas de prontificação das CCT. No entanto, permanece o interesse pela obtenção de um radar nacional, que atenda às demandas da MB, ao mesmo tempo fortalecendo a Base Industrial de Defesa.

Ilustração da futura Corveta Tamandaré

DAN – No passado, o AMRJ comandava a construção naval militar no país, atividade estratégica hoje limitada ao PROSUB. O Projeto da Corveta Tamandaré parece ser o indutor desta retomada que poderá incluir também a construção, em paralelo, dos NPa 500 e dos OPV projetados pelo CPN. A Marinha estaria considerando a possibilidade de ser o AMRJ o local ideal para o renascimento desta capacitação, considerando não só as facilidades para construção como também para a futura manutenção destes novos meios? O AMRJ, neste caso, seria a plataforma de irradiação da experiência na construção naval militar permitindo expandi-la futuramente e paulatinamente aos estaleiros privados?

AE Caroli – A participação do Arsenal da Marinha (AMRJ) na construção ou mesmo integração final dos sistemas sempre será considerada no processo de negociação e, consequentemente, do processo decisório. No entanto, é importante expor que o processo de negociação que se avizinha, à luz da legislação brasileira, homenageará os aspectos de razoabilidade e economicidade, em prol do interesse público, analisando os graus dos riscos, dos custos e da garantia de qualidade do produto final.

O local será definido pelo ‘maincontractor’ em sua proposta, sendo o AMRJ uma das alternativas para construção, todavia, requer investimentos para capacitação em construção de navios de tal complexidade como as Corvetas Classe Tamandaré. Caso a proposta vencedora do processo venha contemplar o AMRJ como local de construção, poder-se-ia estimar que o processo de manutenção seja terceirizado para atender os novos navios a serem construídos.

DAN – A construção de navios de escolta de maior porte exigirá outro local para a construção, tendo em vista a construção modular e os prazos normalmente envolvidos? A Marinha, a partir da Corveta Tamandaré, estaria pensando em incentivar a criação de uma Empresa especializada na construção naval militar para no futuro, ser a responsável por coordenar todas estas construções? Caso afirmativo, poderíamos dizer que seria o nascimento de uma “EMBRAER” naval?

AE Caroli – Sim, o processo de escolha de um construtor para as Corvetas Classe Tamandaré, prevê a associação de estaleiros internacionais com estaleiros nacionais e empresas estratégicas de defesa, sob a forma de consórcios. Sendo assim, pretende-se que o resultado seja a criação de uma empresa especializada, de sucesso, perene e que venha a desenvolver vigorosamente o Setor da indústria naval brasileira.

Corveta Gowind 2500 – Naval Group

DAN – Estrategicamente falando, caso seja estabelecida tal empresa genuinamente brasileira, no curso do programa da Corveta Tamandaré, a MB poderia permitir que estaleiros estrangeiros apresentem seus próprios projetos (já existentes e em operação), para a construção de Corveta semelhante à Tamandaré?

AE Caroli – Sim, desde que sob a forma de consórcios com empresas/estaleiros nacionais e respeitando os requisitos e características operacionais do Projeto da Marinha do Brasil de obtenção das Corvetas Classe Tamandaré.

Corveta da Saab Kockums

DAN – No caso de serem mais baratos, isso seria uma forma de retardar (ou até mesmo matar), a possibilidade de autonomia nacional? A propriedade intelectual de tais projetos estrangeiros semelhantes seria transferida para o Brasil, ou teríamos que pagar royalties por isso?

AE Caroli – A definição do modelo de negócios para a alternativa preferencial de construção dos navios no País passa, necessariamente, pela definição de um estaleiro construtor estrangeiro com experiência consolidada na construção desse tipo de navio, como medida de mitigação de risco na construção e na obtenção do desempenho esperado dos navios. A participação de um estaleiro construtor estrangeiro permitirá a qualificação de estaleiros nacionais candidatos para a execução do projeto, por meio da necessária transferência de tecnologia. Considerando as exigências de nacionalização, compensação e transferência de tecnologia exigidas no processo, mesmo que não exista a decisão de pagar royalties, haverá um ganho considerável em termos de desenvolvimento de tecnologias de sistemas complexos, como os que serão ofertados nas Corvetas.

Corveta Sigma – Damen Shipyard

DAN – O que falta para a Marinha enviar o RFP (Request For Proposal) aos estaleiros para o programa da Corveta Tamandaré? O envio e a análise das propostas não implicam na obrigação de efetivar o contrato, porém, por se tratar de um processo demorado, não seria interessante acelerar esse processo?

AE Caroli – Essa RFP está sendo elaborada com a previsão de conclusão até o fim do corrente ano, sendo remetida aos interessados em seguida. É uma ferramenta de cotação (técnicas e valores), essencial para a gestão/escolha de fornecedores, pois estabelece um ambiente adequado de seleção, definindo os alicerces para a negociação, tais como: escopo, condições e responsabilidades, podendo ser utilizada quando se precisa obter o orçamento de um projeto complexo, com diferentes cenários a várias empresas.

Considerando a complexidade do processo de elaboração de uma RFP para navios dessa natureza, em especial quanto a elaboração das especificações técnicas, da gestão do ciclo de vida (apoio logístico integrado e manutenção terceirizada), da matriz multicritério de suporte a decisão e da estrutura analítica do contrato, o tempo de elaboração está sendo o mais breve possível, visando não comprometer a qualidade das informações e evitar questionamentos que poderiam atrasar o recebimento das propostas e, consequentemente, a escolha da melhor proposta.

DAN – Com a retomada da construção naval militar, a partir dos NPa, OPV e Corvetas, que podem ser iniciados a curto e médio prazo, a Marinha pensa em seguir para a construção de escoltas maiores a partir da evolução do projeto da Corveta Tamandaré (caso se confirme ser uma boa plataforma), podendo resultar em Fragatas de 4.000 toneladas?

AE Caroli – Todas essas construções fazem parte do programa de Construção do Núcleo do Poder Naval, com subprogramas de obtenção de navios de superfície, com previsão de obtenção de Fragatas. Todavia, ainda não é possível afirmar que a construção de navios escolta maiores será pautada no projeto das Corvetas ou outro que venha a se mostrar adequado para tal deslocamento.

NPaOc Amazonas

DAN –  Uma boa compra de oportunidade foi a aquisição das três unidades do NPaOc Amazonas. A MB pensa em aumentar o seu poder de  fogo com novos armamentos? Caso positivo, quais seriam eles?

AE Caroli – A MB não pensa em aumentar o poder de fogo implementando novos armamentos. Contudo, existe a preocupação com a manutenção dos atuais armamentos. Está sendo estudada uma proposta de revitalização desses sistemas, ainda em caráter embrionário.

DAN – O NPaOc Amazonas desde que chegou ao Brasil apresentou problemas em seu radar Scanter, sendo o mesmo retirado do navio e até hoje (+ de 2 anos) não foi reinstalado. Quando a MB adquiriu esses navios não havia um contrato de garantia para os equipamentos a bordo? Caso negativo, a MB estuda o reparo do equipamento ou equipa-lo com um radar mais moderno?

AE Caroli – O radar Scanter do NPaOC Amazonas encontra-se a bordo. No momento a principal avaria é a plataforma estabilizada que está inoperante. Não havia um contrato de garantia para o equipamento, pois o meio foi adquirido por oportunidade. No momento encontram-se em estudo as possíveis linhas de ação (LA) visando a solucionar o problema. Essas LA contemplam o reparo, bem como a substituição do equipamento.

NPaOc Amazonas durante a IBSAMAR

DAN –  No contrato de aquisição dos três navios da Classe Amazonas, foi incluída a licença de fabricação, o que permitiria a MB construir outras unidades desta mesma classe, que contribuiria para o seu programa de reaparelhamento e consequentemente, como um impulso para indústria naval brasileira. Quais são os planos da MB quanto à construção de novas unidades? A avaliação do desempenho destes meios justificaria o investimento em mais unidades?

AE Caroli – A Marinha do Brasil (MB) vem sofrendo severas restrições orçamentárias na rubrica investimento, decorrentes da situação conjuntural em que o Brasil atravessa. Dessa forma, até sinalização do Governo Federal para cenários mais positivos, a Marinha permanecerá em um processo contínuo de planejamento, estudo e avaliação para possíveis aquisições de novos meios. Entre esses estudos, incluem-se os associados a Navios Patrulha Oceânicos- NPaOc.

Os nossos NPaOc Classe Amazonas têm apresentado até o presente momento um desempenho bastante satisfatório, e como existe a licença de construção no Brasil dos NPaOc dessa classe (desde que especificamente para a MB), se justificaria, caso assim a Alta Administração Naval decida, a construção no Brasil de outras unidades. Entretanto, essa não é a única linha de ação para a MB, outras possibilidades incluem a construção de um projeto genuinamente nacional de NPaOc e até mesmo aquisições por oportunidade de navios de Marinhas amigas.

NPaOc Apa

DAN – A MB vem continuadamente atualizando a sua doutrina e procedimentos táticos, para o emprego dos equipamentos de guerra de minas, como podemos ver as vésperas da realização do 1° Congresso Internacional de Contramedidas de Minagem, a ser realizado este mês pelo Grupo de Avaliação e Adestramento de Guerra de Minas (GAA-GueM). Paralelamente, observamos que a Força de Minagem e Varredura vem passando por um período de baixa disponibilidade, com seus meios cada vez mais obsoletos e defasados em relação ao moderno teatro de guerra de minas. Quais são os planos da MB para a substituição dos navios varredores da classe Aratu?

NV Albardão

AE Caroli – Como comentado na resposta anterior, a Marinha do Brasil (MB) vem sofrendo severas restrições orçamentárias pelos motivos já elencados. Assim, da mesma forma, permanecerá em um processo contínuo de planejamento, estudo e avaliação para possíveis aquisições de novos meios. Entre esses estudos, incluem-se os navios associados a Guerra de Minas.

A vida útil dos Navios Varredores Classe Aratú está chegando ao fim, já tendo algumas unidades sido descomissionadas. Para manter e atualizar a capacitação nessa área, a MB deverá, quando possível orçamentariamente, substituir os navios varredores por Navios de Contramedidas de Minagem (NCM) ou sistemas remotos/autônomos de caça-minas. Esses meios poderão ser obtidos por construção e/ou por oportunidade junto a Marinhas amigas. Pesquisa já realizada em diversas Marinhas, indicou a disponibilidade de NCM na Itália, Holanda e Suécia, navios que já foram inspecionados e com quem a MB permanece em entendimentos. Em face à restrição financeira, entretanto, não há decisão firmada pela Alta Administração Naval quanto a essas obtenções.

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