General Villas Bôas: “Precisamos olhar para o futuro, não para o passado”

General Villas Bôas
General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército, esteve em Santa Maria no último final de semana participando de eventos da Força Terrestre (Foto Ronald Mendes)

Por José Mauro Batista

Um dos mais influentes homens das Forças Armadas brasileiras, o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 64 anos, tem uma visão clara da missão do Exército, força que ele comanda. A primeira delas é a defesa da Pátria contra inimigos estrangeiros no caso de uma guerra. Mas ao Exército também cabe garantir a lei e a ordem, conforme a Constituição. Porém, ele descarta qualquer possibilidade de intervenção das Forças Armadas na política brasileira.

“O Brasil amadureceu e a sociedade não precisa ser tutelada”, afirma, com convicção, o comandante do Exército. Nascido em Cruz Alta, Villas Bôas vem de uma família tradicional de militares (é conterrâneo e primo do general Sérgio Westhpalen Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional). Quando guri, faz questão de lembrar, estudou no Manoel Ribas (Maneco), em Santa Maria, e tocou na famosa banda do colégio.

“Fui mor dos taróis da Banda do Maneco. E isso é quase mais importante do que ser comandante do Exército”, disse, durante pronunciamento na solenidade que marcou o aniversário de um ano do Centro de Adestramento e Avaliação-Sul (CAA-Sul), na manhã de sábado, no complexo militar do Exército no Bairro Boi Morto. A revelação arrancou gargalhadas e aplausos do público, formado por militares e civis.

Em entrevista exclusiva ao Jornal A Razão, Villas Bôas falou sobre sua posição em relação aos movimentos sociais contrários ao governo interino do presidente Michel Temer (PMDB) e foi enfático ao afirmar que os brasileiros têm que superar as divergências que levaram à intervenção militar de 1964. O general diz que a época da guerra fria (período de tensão política e diplomática entre o mundo capitalista liderado pelos Estados Unidos da América e o bloco comunista liderado pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) acabou. E que é preciso olhar para o futuro, não mais para um passado de fraturas ideológicas.

POLO DE SANTA MARIA

O comandante do Exército trouxe uma boa notícia para Santa Maria. O município, que é o principal centro de treinamento de militares do Exército no Brasil, deverá sediar uma central de apoio do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). Não há previsão de quando esse centro será implantado nem de quanto dinheiro será investido na cidade, mas pela dimensão do projeto, Santa Maria dará mais um passo importante para se transformar em um Polo de Defesa Nacional.

Um ano do Centro de Adestramento e Avaliação

A cúpula do Exército Brasileiro esteve em Santa Maria no final de semana para dois grandes eventos da Força Terrestre das Forças Armadas na cidade: o primeiro aniversário do Centro de Adestramento e Avaliação – Sul (CAA-Sul) e a Festa da Artilharia. Na manhã de sábado, o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas e pelo menos outros 19 generais de Exército e de Divisão participaram da solenidade que marcou um ano do CAA-Sul, no Campo de Instrução de Santa Maria (CISM) e da ativação do Simulador de Apoio de Fogo (Simaf), complexo que integra o CAA-Sul.

O Simaf é uma das instalações complexo militar que terá 30 prédios dentro de 15 anos, um investimento estimado em meio bilhão de reais.

Os generais visitaram as instalações do Simaf, concebido a partir de outros centros de treinamento e simulação do mundo, como Estados Unidos, Alemanha, Espanha e França. Na ocasião, foi lançada a pedra fundamental do Centro de Adestramento com Simulação de Posto de Comando (CAS-PC) pelo coronel Giovany Carrião, um dos idealizadores do projeto do CAA-Sul. O CAS-PC é um prédio exclusivo para a simulação construtiva e Santa Maria é a primeira cidade brasileira a contar com instalações para esse tipo de atividade.

Projetado como um dos mais modernos centros de simulação em nível internacional, o CAA-Sul possibilitará atender sete Brigadas, 27 organizações militares e 25 mil militares da Região Sul do País. Além disso, militares de todo o Brasil e do exterior virão a Santa Maria para treinamento com simuladores. A estimativa é que, em 15 anos, o complexo contará com 900 pessoas trabalhando no local, que terá a capacidade de receber até 1,5 mil militares em treinamento, ao mesmo tempo.

O CAA-Sul será o primeiro no Brasil a contar com estrutura para abrigar sistemas de simulação virtual, viva e construtiva. Mais uma vez foi ressaltada a importância da simulação para os exercícios que precedem as chamadas manobras reais (com tiro real). A simulação permite que os militares executem tarefas de treinamento com cada vez menos erros e acidentes. Além disso, há o aspecto econômico.

Durante a ativação do Simaf foram apresentados equipamentos e feitas demonstrações de como eles funcionam. Também foi feita uma demonstração simulada de tiro real.Com o uso de simuladores, há uma grande economia para os cofres públicos (por razões estratégicas, o Exército não divulga os gastos em um exercício real).

AMIGOS DO CAA-SUL

Ainda na manhã de sábado, o coronel Giovany Carrião homenageou os Amigos do CAA-Sul, entre eles o diretor-presidente do Jornal A Razão, Alexandre De Grandi. Foram homenageados empresários e outros parceiros do Exército na implantação do CAA-Sul.

Confira uma entrevista com o General Villas Bôas:

A Razão – Qual a importância de Santa Maria para o Exército Brasileiro?

Villas Bôas – Santa Maria é o principal centro de adestramento do Exército no Brasil tanto pela incorporação da tecnologia como pelo polo tecnológico de defesa. É o que chamamos de tríplice hélice, que é a união das Forças Armadas, empresas e instituições de ensino superior. O Exército, em Santa Maria, vem passando por um processo de modernização, a moderna artilharia, carros de combate e o Projeto Guarani.

A Razão – Quais as perspectivas para o desenvolvimento da cidade com a presença do Exército?

Villas Bôas – Há empresas que vêm se instalando dentro desse projeto do Polo de Defesa e muitas outras virão. É um processo. E é importante a visão do prefeito de Santa Maria, que tem uma mentalidade moderna e isso aumenta a capacidade de implantação de um Polo de Defesa.

A Razão – Há outros projetos do Exército para Santa Maria, além do Centro de Adestramento e do Simulador de Apoio de Fogo?

Villas Bôas – Há outros grandes projetos, como o Sisfron, Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras. Serão três sistemas de radares, unidades operacionais e o sistema de controle, com um grande centro de apoio. O projeto piloto foi lançado em Dourados, no Mato Grosso do Sul. E Santa Maria deverá contar com um grande centro de controle de apoio do Sisfron para vigiar a fronteira no Sul.

A Razão – Com a implantação desse centro do Sisfron em Santa Maria aumentará o contingente?

Villas Boas – Não. Não haverá aumento do contingente. É preciso otimização. Hoje se trabalha com um conceito, que é transformar quantidade em qualidade. E isso é possível com as inovações tecnológicas.

A Razão – Hoje há um apelo para que o Exército assuma funções de segurança além das fronteiras. Como o senhor analisa esse apelo?

Villas Bôas – O Exército tem seu papel constitucional, que é a defesa da Pátria, a garantia da lei e da ordem e também o desenvolvimento de ações de apoio social.

A Razão – A tensão política agravada pela crise econômica coloca o país em risco?

Villas Bôas – O Brasil não corre nenhum risco de ruptura institucional. Essas movimentações são flutuações, uma sequência natural, que sempre acompanhamos. Mas a sociedade brasileira amadureceu e dispensa ser tutelada.

A Razão – Como o senhor vê as ações de movimentos sociais, neste momento político, com manifestações, bloqueio de estradas e ameaças de invasão de propriedades, particularmente de parte do MST e de seus aliados urbanos?

Villas Bôas – Os movimentos sociais têm caráter legítimo quando defendem a melhoria da vida das pessoas. Mas a partir do momento em que passam a afetar a ordem pública o Exército pode ser chamado. Mas não vejo risco de tensionamento no país.

A Razão – Ainda há sequelas do movimento de 1964, de ambos os lados. O senhor acredita que será possível superar essa fase da história?

Villas Bôas – Tem que superar isso. Vejamos só: dos anos 30 aos 80 foi o período em que o país mais cresceu. Entre os anos 70 e 80 houve uma série de erros. Precisamos deixar a linha de fratura da guerra fria. O país ainda está à deriva, precisa definir vocações. É um desserviço ficar olhando para o passado da guerra fria. Os atores deste momento devem ter a perspectiva de futuro, não de passado.

FONTE: Jornal A Razão

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