Moderados e apreensivos: o que pensam os generais que trabalham bem perto do presidente Jair Bolsonaro

Ao pé do ouvido: O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar no Rio de Janeiro, ouve o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, do Comando Militar do Sudeste: graduados temem arriscar conquistas desde a redemocratização Foto: Fernando Souza / AFP



Por Vinicius Sassine e Bernardo Mello

Um general do Alto Comando do Exército, grupo que mantém interlocução direta e constante com o presidente da República, transmitiu a Jair Bolsonaro nos últimos dias um pensamento que representa o estado de espírito atual de militares que estão perto do poder:

– Jair, serenidade. Você não precisa de radicais.

Na cabeça dos generais que ajudam a sustentar o governo Bolsonaro, incluindo aqueles, já na reserva, que ocupam cargos de primeiro e segundo escalões — o temor de uma radicalização caminha ao lado da preocupação de que a responsabilidade por tropeços do presidente recaia nos ombros e nas insígnias das Forças Armadas.

Institutos militares tentam adaptar a rígida tradição militar à agilidade das novas gerações Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

Arriscar o processo que fez as Forças Armadas saírem de um período repressivo, de grande desgaste na opinião pública, para a virada das últimas três décadas, quando retomou respeito e reconhecimento por parcela expressiva da população, é uma angústia crucial.

Integrados ao governo em grau sem precedentes desde a redemocratização, militares de alta patente ouvidos pelo GLOBO procuram apresentar uma mentalidade distante dos tempos da ditadura militar, época em que muitos se tornaram oficiais do Exército, Marinha ou Aeronáutica. A preocupação em mapear “inimigos” internos ou externos, uma constante no início de suas carreiras, hoje é adormecida.

Generais do alto comando contam que, em sua formação, foram “muito impactados por valores democráticos”, uma vez que passaram pelo processo de distensão e abertura na fase final da ditadura militar.

Embora pareça um simples caso de pedagogia em sala de aula, o exemplo tem repercussões que podem alcançar até a alta cúpula do Exército. Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

Os oficiais do círculo próximo a Bolsonaro abraçam uma tentativa de livrar o Exército de “estereótipos negativos”, em suas palavras. Um general do Alto Comando que conversou com O GLOBO em condição de anonimato, por exemplo, foi taxativo: avaliou que a ditadura cometeu “barbaridades” na repressão aos opositores:

– Pagamos um preço muito alto com a ditadura. É uma palhaçada falar em intervenção militar, como ouvimos em alguns protestos. Chega a ser ofensivo.

As trocas de cargos no Ministério da Educação (MEC), que levaram à exoneração de diversos militares no seio do governo, não figuram sozinhos na lista de preocupações dos generais. Estão ombro a ombro com temores mais amplos, como a política armamentista do presidente, cabe ao Exército fiscalizar a venda de armas, os riscos envolvendo a Amazônia, considerada uma reserva natural estratégica, e até a determinação de que os quartéis celebrassem os 55 anos do golpe militar.

Sobre as armas, a preocupação central está na flexibilização do porte, desejada, e decretada, pelo presidente.

– Para porte, aí sim, é preciso ser perito na coisa. Há preocupação sobre uma proliferação negativa de armas, diz um outro general ouvido pela reportagem, que também pediu anonimato.

O caminho para se tornar um general quatro estrelas, mais alta patente militar, passa obrigatoriamente por instituições como a Aman e a ECEME Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

Como ficariam as Forças Armadas se recebessem a pecha de instituição que autorizou e controlou a disseminação de armas de fogo se as consequências não saírem como o esperado nos planos do presidente? São questionamentos como esse que permeiam os mais graduados.

– A gente torce para dar certo, afirmou um general ao GLOBO. Senão vamos ouvir: “Os militares não disseram sempre que são os salvadores da pátria?”

Dois assuntos neste primeiro semestre de governo incomodaram em cheio os militares de alta patente: o episódio do “golden shower”, quando Bolsonaro compartilhou em sua conta no Twitter uma prática sexual a céu aberto, gravada no carnaval de rua em São Paulo, algo impensável para um militar graduado, e a dubiedade em relação ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que atacou, com xingamentos, os militares do governo. O compromisso com a “arrumação da casa” de uma instituição que representa o Estado e voltou ao governo após seu período mais desgastante é prejudicado.

O currículo atual da Aman, por exemplo, prioriza cadeiras como História, Filosofia, Direito Internacional, Cálculo e Estatística no início da formação. Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

Em geral, um militar leva de 30 a 40 anos para ascender até o último grau da hierarquia. A maioria dos principais generais do atual governo e dos que compõem o Alto Comando do Exército se formou nas turmas do fim da década de 1970 e do início da década de 1980 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Sul Fluminense.

O próprio Bolsonaro, egresso da turma de 1977, conviveu com certo grau de intensidade com vários desses generais. O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, é da mesma turma. O porta-voz Otávio Rêgo Barros é de 1981. Enquanto Bolsonaro deixou os quadros da ativa ainda na década de 1980, recém-alçado a capitão, alguns de seus contemporâneos seguiram em formação.

Suas carreiras foram feitas em um ambiente crescente de profissionalização e de processo de “arrumação da casa”, quando houve de fato um esforço para reverter a politização anterior, do regime militar, afirma o antropólogo Piero Leirner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Aprendizado com missões

Se a década de 1940 ficou marcada, para o Exército Brasileiro, pelo envio de tropas para a Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 1990 se tornou recorrente a participação brasileira em missões de paz da ONU. O Brasil tinha 1,3 mil oficiais no exterior há quatro anos, com atuação principalmente em países africanos e no Haiti, cuja missão foi comandada por três dos atuais ministros de Bolsonaro: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria-Geral).

— A maioria dos generais da atualidade já colocou a boina azul (usada em missões da ONU). É diferente do oficial que era general no regime militar. Era uma época de Guerra Fria, dos atos institucionais. Nem se pensava em mulher no Exército, por exemplo — analisa o general Eduardo José Barbosa, atual presidente do Clube Militar.

A experiência das missões de estabilização de países, que são diferentes de conflitos abertos que ocorrem guerras, é um aspecto que contribui para o perfil moderado dos oficiais que participam diretamente do governo.

FONTE: O Globo



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