A China será um novo player no mercado de defesa da América Latina?

Ministro da Defesa, general Wei Fenghe, na abertura do 5º Fórum de Defesa China-Estados latino-americanos e caribenhos em 2022. FOTO: PLA

Por Timothy Ash

O Ocidente deveria estar preocupado com a crescente influência militar da China na América Latina. Como a China tem uma visão estratégica de longo prazo, uma série de pequenos eventos vem revelando suas ambições nessa região.

Os esforços da China para fortalecer seus laços militares com suas contrapartes latino-americanas assumem várias formas, incluindo vendas de armas, intercâmbios militares e programas de treinamento. A China e a CELAC – bloco de nações latino-americanas e caribenhas – concordaram em dezembro de 2021 em continuar a colaboração em questões militares por meio do Fórum de Defesa de Alto Nível China-América Latina, realizado em dezembro de 2022.

Sinais reveladores

De acordo com um relatório divulgado em 2021 pela Comissão de Revisão Econômica e de Segurança Estados Unidos-China, oficiais militares chineses visitaram seus colegas na América Latina nada menos que 215 vezes entre 2002 e 2019. Chile, Cuba, Brasil e Argentina representaram mais de metade dessas visitas, afirma o relatório.

Treinador K-8 chinês da Venezuela

Por enquanto, as vendas de armas da China para os países latino-americanos não são substanciais, mas tendem a crescer. A Venezuela se tornou o maior comprador de equipamento militar chinês na região depois que o governo dos EUA proibiu todas as vendas comerciais de armas para o país a partir de 2006. Entre 2009 e 2019, Pequim teria vendido mais de US$ 615 milhões em armas para Caracas, segundo dados fornecidos. pelo Comando Sul dos EUA. A Bolívia e o Equador também compraram milhões de dólares em itens chineses, incluindo aeronaves militares, veículos terrestres, radares de defesa aérea e fuzis de assalto.

A China já havia vendido ou doado aeronaves militares e helicópteros para Venezuela (K-8, Y-8, Y-12), Bolívia (Z-9, K-8), Guiana (Y-12), Colômbia (Y-12), e Costa Rica (Y-12), bem como uma variedade de sistemas de defesa aérea e radares. Por seu lado, Cuba tem procurado estreitar os seus laços militares com a China, acolhendo o Exército de Libertação do Povo Chinês (PLA) para várias visitas a portos.

A Comissão de Revisão Econômica e de Segurança Estados Unidos-China também destaca o nível de cooperação chinesa no setor aeroespacial, envolvendo governos e empresas privadas.

Um movimento importante é a iniciativa da China de vender seu caça JF-17/FC-1 para a Força Aérea Argentina. Buenos Aires há muito procura adquirir novos caças para substituir sua frota envelhecida e reduzida, mas por causa da questão das Ilhas Malvinas, o Reino Unido bloqueou as tentativas de aquisição de aeronaves da Argentina no mercado internacional. O Reino Unido pode fazer lobby com os países ocidentais para que não vendam por meios diplomáticos, e também pode dissuadir outros países como a Coréia do Sul e a Índia, porque suas aeronaves, respectivamente o T-50 e o Tejas, usam peças do Reino Unido. Mas como a China tem consistentemente apoiado a reivindicação da Argentina de exercer plena soberania sobre as Ilhas Malvinas, o JF-17/FC-1 realmente se torna uma proposta séria.

Além disso, a China co-administra com a Argentina uma estação de observação espacial na Patagônia, embora fontes afirmem que as autoridades argentinas têm acesso limitado. Além disso, o governo argentino pró-Pequim estuda a possibilidade de permitir que a China construa uma base naval em Ushuaia. Essa base seria fundamental para as estações de pesquisa chinesas há muito instaladas na Área Antártica, com apoio logístico do sul do Chile.

Como essa base militar permitiria à China controlar a passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico e monitorar as comunicações em todo o hemisfério, o governo dos Estados Unidos está preocupado com essa importante presença física chinesa na América Latina, sua tradicional esfera de influência.

Base de comunicações espaciais da China em Neuquén-Argentina

Contexto geopolítico favorável

Os embargos dos países ocidentais facilitaram a penetração chinesa no mercado de defesa da América Latina. Novos podem ser desencadeados pelo confronto econômico entre a China e os Estados Unidos, bem como pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Como os candidatos de esquerda venceram as eleições presidenciais no Brasil, Argentina, Peru, Colômbia, Chile e México, esses países podem ser tentados a consertar os laços com a China em vez dos Estados Unidos. Por exemplo, o presidente brasileiro Lula visitaria a China com uma delegação de 280 pessoas, muito maior do que a que visitou os Estados Unidos.

Além disso, não é segredo que os novos líderes de esquerda latino-americanos compartilham algum tipo de viés antiamericano, que vem aumentando no atual contexto geopolítico, enquanto a China tem uma política do que chama de “não-interferência”.

Neste novo clima de “guerra fria”, onde os países do BRICS tendem a se aproximar, uma ferramenta poderosa à sua disposição são seus respectivos Bancos de Desenvolvimento. Por enquanto financia apenas instalações de infraestrutura, mas qualquer um pode prever se este banco irá, no futuro, financiar equipamentos ou tecnologias de defesa. A esse respeito, a infraestrutura de transporte da China, como portos, também poderia ser usada para fins militares. Isso ainda é hipotético na América Latina e no Caribe, mas em outras regiões o uso duplo dessa infraestrutura é mais do que provável.

China, o concorrente destemido

A importância estratégica da China e a atratividade de seus mercados, empréstimos e investimentos abrem as portas para os países latino-americanos dialogarem com os militares chineses). Em troca, a cooperação militar permite que o PLA aprenda sobre as instituições e infraestrutura latino-americanas, bem como sobre as doutrinas e requisitos militares locais. Os chineses também exploram e identificam quais oficiais militares estariam abertos a ajudar o EPL a operar na região, se solicitados a fazê-lo no futuro.

Intercâmbios educacionais entre academias militares, envolvimento de empresas de tecnologia chinesas com instituições militares fazem parte de uma proliferação geral de atividades diplomáticas, comerciais e de pesquisa.

Por último, mas não menos importante, a indústria de defesa chinesa continua globalmente competitiva. Suas empresas continuaram com seu forte desempenho no 2022 Defense News Top 100, um ranking de empresas globais com base em suas receitas de defesa em 2021. Pelo segundo ano consecutivo, as sete empresas estatais (SOEs) da China com receita relacionada à defesa classificaram-se do sexto para o 18º lugar na lista, uma melhoria em relação a dois anos atrás, quando classificaram-se do sexto para o 24º lugar. Essas EEs são capazes não apenas de exportar, mas podem estar em posição, se necessário, de construir instalações industriais em países latino-americanos, intensificando a competição no mercado regional.

Fragata chinesa durante passagem pelo Brasil

O crescente interesse chinês na América Latina é, portanto, uma clara preocupação para as empresas e países ocidentais de defesa, especialmente para os Estados Unidos. Ciente da ameaça, Washington tem buscado estratégias para reduzir a influência chinesa nos mercados regionais de defesa, facilitando a aquisição de equipamentos militares fabricados nos EUA e oferecendo suporte e treinamento adicionais.

Ainda assim, uma série de questões permanece sem resposta. Até que ponto a China está usando seu poder econômico para projetar influência militar na América Latina e no Caribe e quais são seus objetivos? Como os desenvolvimentos geopolíticos recentes e os laços estreitos da China com a Rússia e outros países do BRICS (Brasil, Índia e África do Sul) podem servir às ambições da China nesta região? Certamente, este novo player não apenas intensificará a competição no mercado de defesa em toda a América Latina, mas também poderá sacudir o tabuleiro de xadrez.

FONTE: Defense-Aerospace

Sobre o autor: Timothy Ash é um especialista em guerra e relações internacionais, que não deseja envolver a instituição relacionada à defesa para a qual trabalha.

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