A geopolítica da cooperação em Defesa: a inserção do bi-multilateralismo brasileiro no seu entorno estratégico

Por Eduardo Freitas Gorga

O entorno estratégico do Brasil é a zona terrestre e marítima do espaço global em que são priorizadas as ações para a projeção de poder nacional. Nesse plano, crescem as iniciativas do bi-multilateralismo, especialmente orquestradas pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), importante órgão do Ministério das Relações Exteriores e instrumento de projeção institucional. O bi-multilateralismo advém de uma relação mutuamente benéfica iniciada no âmbito bilateral, com potencial agregador, e estendida multilateralmente na alçada de determinado fórum, grupo ou comunidade, ampliando os seus efeitos em favor de três ou mais países para contraporem os muitos obstáculos contemporâneos (Bernardino, 2023).

No contexto geopolítico, além da demonstração de força dissuasória junto aos concorrentes regionais, a cooperação é um meio para assegurar o protagonismo diante da complexidade das relações internacionais do século XXI. Para tanto, o Ministério da Defesa (MD) lidera e coordena a atuação das Forças Armadas na segurança das fronteiras sul-americanas, na proteção do espaço aéreo, na vigilância dos cursos d’água interiores e da plataforma continental no Atlântico Sul, o que fomenta projetos conforme o Gráfico 1.

O Gráfico 1 assinala que a ABC firmou parcerias em Defesa e Segurança com todas as nações da América do Sul. Foram 264 iniciativas materializadas em projetos, em andamento ou concluídos, sendo os militares paraguaios os maiores beneficiados em quantidades de ações, com cerca de um quarto do total das colaborações brasileiras (Brasil, 2022). Ainda, com números expressivos constam o Suriname e a Guiana, ao norte, e o Uruguai, ao sul, além da Bolívia, no oeste do Brasil.

Segundo a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), ambos documentos oficiais do MD, o entorno estratégico brasileiro imediato ou aproximado é composto pelo território oeste da América do Sul, a partir do arco fronteiriço do país. Já o estendido ou afastado é constituído pela Antártida na porção sul, bem como pelo Atlântico Sul, a leste e, sequencialmente, pelos países da África Ocidental. Nesses domínios, prioritários conforme a PND, as origens das relações histórico-culturais brasileiras contribuem para que o país seja considerado um ator relevante do cenário regional, tanto no entorno aproximado quanto afastado. Ainda, a participação nos desafios securitários fronteiriços, na Amazônia Azul e no Atlântico, além da influência sobre a integração da América do Sul, tornam o Brasil mais competitivo em suas nominadas áreas de projeção.

No mesmo sentido, entre os abrangentes campos possíveis para o estabelecimento de parcerias estratégicas, os projetos de cooperação em Defesa congregam o fortalecimento bilateral dos laços de amizade com o enfrentamento multilateral dos desafios comuns, como gerados pelas reconhecidas “novas ameaças” (terrorismo, pirataria, tráficos transnacionais de pessoas e de entorpecentes, dentre outros). Logo, pela liderança em cooperações bi-multilaterais de Defesa, o Brasil pode, em razoável medida, incrementar o seu papel de destaque entre as nações sul-americanas e africanas do seu entorno estratégico, consoante ao Gráfico 2.

Fonte: elaborado pelo autor com dados extraídos de Brasil (2022).

O Gráfico 2 aponta que o Brasil manteve quase 100 projetos em Defesa e Segurança com os Estados da distante costa atlântica africana (Brasil, 2022). Estes, no total, são praticamente o dobro da quantidade de nações da América do Sul. Em que pese não existirem atividades com alguns, razão pela qual não constam no Gráfico 2, salienta-se que a ABC fixou protocolos de cooperação com mais da metade, cujas maiores ocorrências são pertinentes à Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e Cabo Verde, todos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Outrossim, muito provavelmente em razão de tratados e resoluções multilaterais, como da CPLP, no caso dos Estados africanos citados, e do MERCOSUL, para os sul-americanos apresentados, seja como integrante ou observador associado, a ABC conte com maior número de atividades junto aos países anteriormente expostos. Cabe frisar que estas colaborações podem ter iniciado bilateralmente, como pelos protocolos de cooperação técnica, que em maior parte foram assinados a partir do último quartil do século XX. Em consequência, o bi-multilateralismo brasileiro é fortalecido no seu entorno estratégico, dado que há grande potencial para empreendimentos serem iniciados com quase uma dezena de países africanos ou estendidos à sul-americanos, como o Chile e a Colômbia, dentre outros.

Ademais, vale lembrar alguns dos primeiros pensadores e formuladores da geopolítica brasileira do século XX, tais como Mário Travassos (1891–1973); Golbery do Couto e Silva (1911–1987), que escreveu sobre a “Conjuntura Política Nacional – O poder executivo e geopolítica do Brasil” de 1981; Carlos de Meira Mattos (1913 – 2007) e Therezinha de Castro (1930 – 2000). Como exemplo, Golbery do Couto e Silva entendia ser fundamental o “brasilcentrismo”, ou seja, o país deveria ser considerado o centro de tudo para que os eventuais planejamentos e projetos fossem adequados aos interesses nacionais (Silva, 1983).

Para Mário Travassos, na consagrada obra Projeção Continental do Brasil (1935), os imperativos geopolíticos da América do Sul valorizam o relacionamento com os vizinhos platinos e impulsionam a projeção estratégica brasileira (Travassos, 1983). As suas ideias inspiraram eixos rodoviários, estradas longitudinais para integrar as regiões do país e ligações transversais com o Paraguai e a Bolívia, onde há a maior extensão fronteiriça com o Brasil, em cerca de 3 mil quilômetros.

Na região da floresta amazônica, que está debruçada sobre as fronteiras nacionais fixadas com sete países, em uma área com quase a metade do território brasileiro, o MD mantém em torno de 30 mil militares, o que representa menos de 10% do efetivo total da ativa das Forças Armadas. Percebe-se, em razoável medida, que a supracitada distribuição de efetivos não está alinhada às intenções de Meira Mattos, em “Uma Geopolítica Pan-amazônica (1980)”, e majoritariamente Therezinha de Castro, que desenvolveu a sua fundamentação teórica com dedicada articulação à geopolítica da Amazônia, como na sua relevante publicação “Brasil da Amazônia ao Prata” de 1983 (Mattos, 1980; Castro, 1983).

Finalmente, a END estabelece que para o Brasil ser um ator regional relevante deverá aumentar a sua influência no entorno estratégico. Pela dissuasão, o aumento do efetivo militar em regiões prioritárias contribui para o enfrentamento dos desafios securitários, pois reduz as possibilidades de intervenções extraregionais. Do mesmo modo, a efetiva atuação da ABC, potencializa os projetos bi-multilaterais de Defesa do Brasil, integrando e pacificando eventuais litígios entre os múltiplos atores do entorno estratégico.

Portanto, o progresso nas expressões política, econômica e militar implica no alargamento da inserção geopolítica do país por meio da cooperação bi-multilateral em Defesa, o que corrobora com os ideais de projeção regional brasileira do século XX.

Sobre o autor: Eduardo Freitas Gorga, Doutorando em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pelo PPGEST/ INEST/ UFF 

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