Asas e barriga do KC-390 brasileiro têm a marca da engenharia portuguesa

Por Manuel Carvalho

A Embraer apresentou nesta terça-feira o KC-390 e quem seguir as pistas que nos últimos quatros anos ditaram o seu desenvolvimento, poderá constatar que o primeiro avião militar de carga do gigante aeronáutico brasileiro é, em parte, uma criação da engenharia portuguesa.

Quem olhar para as peças do avião que ambiciona disputar o lugar do histórico Lockheed Hércules C-130 desenhadas pelos técnicos da EEA, Empresa de Engenharia Aeronáutica pode pensar que se trata apenas de acessórios, mas para as desenhar, calcular a sua resistência ou para validar o seu fabrico foram necessárias mais de 250 mil horas de engenharia.

Desde que a EEA (uma empresa controlada pelo Estado via IAPMEI e, com 80% do capital, pelo CEIIA – Centro para a Excelência e Inovação da Indústria Automóvel) foi selecionada pela Embraer para participar no consórcio que desenvolveu o KC-390, trabalharam no projeto em permanência mais de 40 engenheiros e, nos picos de exigência, a equipe chegou a contar com mais de 120 profissionais.

“Foi um passo extraordinário para a engenharia portuguesa”, diz Jacinto Bettencourt, presidente da EEA. O CEIIA já tinha participado em projectos de desenvolvimento para a AgustaWestland, um construtor de helicópteros anglo-italiano, e está associada à Daher-Sokata no plano que levará á construção do novo Falcon. Mas nenhum destes projetos pode comparar-se às exigências do KC-390.

Desta vez, a engenharia do CEIIA teve a responsabilidade de desenhar e fazer cálculos de resistência estrutural de uma parte central do dorso do avião (sponson, em inglês), onde se vão instalar as portas do trem de aterragem, dos elevadores das asas traseiras, cada um com seis metros, e ainda da fuselagem. “Foram ao todo 1600 peças desenhadas de acordo com os standards mais exigentes que se conhecem”, diz Bettencourt.

O KC-390 começou a ser pensado em 2009 e, antes de fazer o voo de estréia, ainda este ano, exigiu investimentos em desenvolvimento na ordem dos 1.5 bilhões de euros. A sua ambição é concorrer com o Hércules C-130, que se produz desde 1950, no mercado dos aparelhos militares de carga – apesar desta vocação, o avião da Embraer também tem uma vocação civil. O protótipo da Embraer quer disputar até 20% do mercado deste segmento, usando como trunfo o fato de ser mais barato, mais econômico, de transportar mais carga (23 contra 20 toneladas), de ser mais rápido (850 km/h contra 670 km/h) e de ter um alcance superior (6.200 contra 3.800 km). Além destes trunfos, o KC-390 pode aterrizar em pistas mais curtas (uma exigência da Força Aérea Brasileira para operar na Amazônia), e está preparado para reabastecer e ser reabastecido em pleno voo.

“É um avião que estará na vanguarda da tecnologia aeronáutica”, diz Luís Rebelo, o responsável pela unidade do CEIIA que liderou o processo. Todos os seus mecanismos são geridos por impulsos eléctricos, o que dispensa o uso de cabos e de hastes. Em missões de resgate e de reconhecimento as janelas aumentam de tamanho, reduzindo-se em voo de cruzeiro para aumentar a velocidade e gastar menos combustível. Ao todo, o aparelho pode transportar 80 soldados, mais a tripulação. Nas operações de reabastecimentos, consegue carregar 23 toneladas de combustível nas asas e na deposição de forças em combate é capaz de transportar um blindado ou um helicóptero Blackhawk.

Quatro anos de trabalho

A aventura da empresa de engenharia na construção do KC-390 começa quando a Embraer contata Portugal à procura de parceiros para o desenvolvimento de um avião que, nos dias que correm, implica uma rede de saber técnico e uma cadeia de fornecedores que “faz lembrar a construção de uma catedral na Idade Média”, na avaliação de Jacinto Bettencourt. Para Portugal a oportunidade era única: tratava-se não apenas de um trabalho de engenharia, mas também de construção aeronáutica, nas OGMA. Ou seja, no horizonte estava em perspectiva a criação de um cluster aeronáutico. Hoje, além da EEA e das OGMA, estão envolvidos na cadeia de fornecedores do KC-390 mais 16 empresas nacionais.

Mas antes de chegar a esta fase de produção, era preciso entrar na alma do projeto. Durante um ano, uma equipe de engenheiros do CEIIA teve de acompanhar os primeiros estágios de desenvolvimento do projeto no Brasil. Esse momento de “adaptação aos métodos e normas da Embraer foi o mais difícil”, admite Luís Rebelo. O vai-e-vém entre o Porto e São José dos Campos, no estado brasileiro de São Paulo, nunca parou, mas com o passar do tempo os desenhos foram sendo feitos, os cálculos avançaram e os módulos completos encomendados à EEA, entraram em fase de certificação e de produção, uma tarefa acompanhada pela equipe de engenharia.

No Brasil, nas instalações da Embraer, os componentes desenvolvidos e fabricados em diferentes partes do mundo serão finalmente integrados num hangar especialmente construído para o efeito, onde o KC-390 será nesta terça-feira apresentado.

FONTE: Pássaro de Ferro

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