Exército Brasileiro busca aumentar participação feminina nas missões da ONU

O objetivo é responder aos esforços da Organização das Nações Unidas de subir o percentual de mulheres nas missões de 10 para 20 por cento

A Tenente-Coronel do EB Ivana Mara Ferreira Costa interage com uma criança, durante a missão de paz no Haiti. (Foto: Exército Brasileiro)

Por Taciana Moury

O Exército Brasileiro (EB) procura estimular o interesse do contingente feminino em relação às missões de paz sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo é responder à solicitação da ONU aos países contribuintes de tropa, para ampliar o percentual de mulheres nas missões de 10 para 20 por cento.

No final de 2017, a ONU lançou algumas diretrizes para facilitar a participação feminina. De acordo com a ONU, mais de 90.000 boinas-azuis de diferentes nacionalidades atuam em 14 operações de paz pelo mundo. Apenas cerca de 4 por cento das forças militares são mulheres.



No Brasil, segundo informações da Subchefia de Operações de Paz/Chefia de Operações Conjuntas do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Brasil, 65 militares brasileiros, entre forças armadas e policiais militares, participam individualmente de alguma missão da ONU, como observadores militares ou integrantes do Estado-Maior. Apenas nove desse total são mulheres, sendo três da Marinha do Brasil, duas da Força Aérea Brasileira, uma do EB e três da Polícia Militar.

As medidas da ONU para estimular o voluntariado do público feminino incluem: a diminuição do tempo de missão de um ano para seis meses para as mulheres com filhos na faixa etária de cinco a 10 anos; a abertura de funções nas missões para outros postos além do de oficial; e a criação da Força de Engajamento Feminino, que é um componente com cerca de 40 mulheres que deve compor todas as tropas desdobradas nos terrenos. A Tenente-Coronel do EB Ivana Mara Ferreira Costa, da Divisão de Missão de Paz do Comando de Operações Terrestres (COTER), disse que a diretriz da ONU tem o objetivo de facilitar a disponibilização das mulheres. “A diminuição do tempo de missão vai permitir que a militar administre melhor a ausência do lar”, disse.

Para estimular as mulheres militares a se voluntariarem, o EB colocou, no final de 2017, um link no site da Diretoria Geral de Pessoal para quem tiver o interesse de participar das missões da ONU. “Até o momento, no universo de aproximadamente 3.000 oficiais e sargentos de carreira do EB, apenas 49 mulheres se inscreveram”, contou a Ten Cel Ivana Mara.

Outra iniciativa do EB foi selecionar mulheres militares para realizarem o Estágio de Preparação para Missões de Paz, ministrado pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil, mesmo sem ter uma missão definida. “Quando surgir uma oportunidade, já teremos mulheres preparadas”, explicou a oficial.

O EB possui 42 militares em missões individuais de paz. “Nesse grupo, apenas uma é mulher, mas já temos três selecionadas para substituir militares dessas missões”, revelou a Ten Cel Ivana Mara.

A Tenente-Coronel Andréa Firmo Louriçal conversa com membros da população local, durante uma patrulha no deserto do Saara. (Foto: Arquivo pessoal da Tenente-Coronel Andréa Firmo Louriçal)

Militar do EB pioneira na MINURSO

A Tenente-Coronel Andréa Firmo Louriçal é a única mulher do EB numa missão de paz da ONU. Ela atua como observadora militar da Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (MINURSO, em francês) desde abril de 2018. É a primeira vez que uma militar brasileira assume essa função. A oficial está sediada na cidade de Laâyoune, centro administrativo do Saara Ocidental, e é responsável pelo monitoramento das atividades relacionadas à manutenção dos acordos de cessar fogo e diminuição do risco de ameaças de minas ou artefatos não deflagrados na área de conflito entre o Marrocos e a Frente Polisário.

O maior desafio enfrentado, segundo a Ten Cel Andréa Firmo, é o de administrar a saudade dos filhos, duas meninas de 16 e 12 anos e um menino de sete anos. “Para uma mulher militar essa tarefa é uma das mais desafiadoras”, reforçou. “A adaptação à realidade operacional também foi difícil. Temos que realizar longas patrulhas sete dias por semana, dirigindo por trilhas, em sua maioria próximas a campos minados”, acrescentou. A missão é de um ano, até abril de 2019.



A Ten Cel Andrea Firmo disse à Diálogo que decidiu se voluntariar pela possibilidade de fazer a diferença no terreno, sobretudo em apoio aos grupos vulneráveis que efetivamente precisam de ajuda. “Espero ser um instrumento para reverberar a voz de mulheres e crianças que precisam de ajuda em áreas de conflitos”, ressaltou.

Segundo a oficial, sua atuação pode dar oportunidades para muitas outras mulheres. “Estou desbravando caminhos que até então não conhecíamos. Quero ser ‘os olhos’ de outras colegas militares que virão daqui para frente”, concluiu.

Necessidade operacional

A Ten Cel Ivana Mara reforçou que a presença de mulheres no campo é uma necessidade fundamental para a eficácia da missão. “O peacekeeper mulher exerce um papel essencial na interação com a comunidade. Quando você mistura homens e mulheres nas patrulhas, o resultado é muito mais positivo”, enfatizou. A oficial atuou por dois períodos de sete meses na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH, em francês), em 2013 e em 2017.

“A mulher em atuação no campo, além da questão do gênero é uma necessidade operacional nas missões de paz”, disse à Diálogo o Tenente-Coronel do EB Luiz Cláudio Talavera Azeredo, que trabalha na Divisão de Missão de Paz do COTER. O oficial, que atuou como chefe da sessão de Operações do Setor Leste da Missão de Paz na República Centro Africana (MINUSCA, em francês) até o final de 2017, revelou que em algumas situações durante sua missão, a ação só era cumprida com a presença de uma militar feminina. “Se entre o contingente não tiver uma militar, quem vai fazer a checagem das mulheres no terreno quando necessário?”, questionou o Ten Cel Talavera Azeredo. “É um direito das mulheres que outra do mesmo gênero a reviste”, acrescentou.

A Ten Cel Ivana Mara avaliou que o EB despertou mais efetivamente para a importância da participação feminina a partir de 2013, durante a MINUSTAH. “Foi quando nós começamos a inserir dentro da preparação do contingente que iria para a missão no Haiti as instruções de abuso e exploração sexual: mulheres, paz, segurança e equilíbrio de gênero”, lembrou. O Brasil esteve no comando da missão no Haiti por 13 anos. Neste período atuaram aproximadamente 30.000 militares; desses, 200 eram mulheres.

A oficial argumentou que, para buscar o equilíbrio de gêneros nas forças armadas, é necessário o esforço conjunto de homens e mulheres. “Tem que ser a preocupação da força, da ONU, dos governos, dos organismos internacionais. É um envolvimento de todos”, concluiu.

FONTE: Revista Diálogo Americas


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