Israel tinha plano de bomba atômica intimidatória na Guerra dos Seis Dias

Soldados israelenses atuando no deserto do Sinai em 1967 – FOTO AFP

Por Willian J. Broad e David E. Sanger (The New York Times)

Na véspera da guerra árabe israelense de 1967, ou Guerra dos Seis Dias, cujo cinquentenário se dará esta semana, autoridades israelenses montaram um artefato atômico e traçaram um plano para detoná-lo no pico de uma montanha na península do Sinai, para servir de aviso às forças egípcias e de outros países árabes. O plano foi revelado por entrevistas com um dos principais organizadores do esforço, a serem publicadas na segunda feira.

O plano emergencial secreto, descrito como “operação Dia do Juízo Final” por Itzhak Yaakov, o general de brigada aposentado que o expôs nas entrevistas, teria sido colocado em ação se Israel tivesse medo de ser derrotado no conflito de 1967. As autoridades israelenses acreditavam que a explosão demonstrativa intimidaria o Egito e os Estados árabes vizinhos, Síria, Iraque e Jordânia, os levaria a recuar.

Israel venceu a guerra em tão pouco tempo que o artefato atômico nunca chegou a ser transferido para o Sinai. Mas o relato de Yaakov, que lança nova luz sobre um choque que moldou os contornos do conflito moderno no Oriente Médio, traz à tona as primeiras considerações de Israel sobre como poderia lançar mão de seu arsenal nuclear para se preservar.

“É o último segredo da guerra de 1967”, disse Avner Cohen, que conduziu as entrevistas e é eminente estudioso da história nuclear de Israel.

Yaakov, que chefiava o desenvolvimento de armas para as forças armadas de Israel, detalhou o plano para Cohen em 1999 e 2000. Ele morreu em 2013, aos 87 anos.

“Como você faz para barrar o inimigo?”, ele perguntou. “Você o assusta. Se você tem algo com o qual pode meter medo nele, você usa.”

Israel nunca reconheceu a existência de seu arsenal nuclear, em um esforço para preservar a “ambiguidade nuclear” e prevenir chamados periódicos por um Oriente Médio sem armas nucleares. Em 2001, quando tinha 75 anos, Yaakov foi preso, acusado de ter posto a segurança nacional em perigo por falar do programa nuclear a um repórter israelense, cujo trabalho foi censurado. Autoridades dos EUA, incluindo o ex presidente Jimmy Carter muito tempo depois de ter deixado o poder, admitiram em diversos momentos a existência do programa israelense, mas nunca divulgaram detalhes a seu respeito.

Forças israelenses no deserto de Sinai – Junho de 1967 Foto AFP

Um porta voz da embaixada de Israel em Washington disse que o governo israelense não vai comentar o papel exercido por Yaakov. Se a liderança israelense tivesse detonado o artefato atômico, teria sido a primeira explosão nuclear usada para fins militares desde os ataques dos EUA a Hiroshima e Nagasaki, 22 anos antes.

O plano tinha um precedente. Os Estados Unidos estudaram a possibilidade de fazer a mesma coisa durante o Projeto Manhattan, quando os cientistas do programa discutiram intensivamente a possibilidade de detonarem uma explosão atômica perto do Japão, visando assustar o imperador Hirohito e levá-lo a uma rendição rápida. Os militares vetaram a ideia, convencidos de que não seria o bastante para pôr fim à guerra.

De acordo com Yaakov, o plano israelense recebeu o codinome de Shimshon, ou Sansão, devido ao herói bíblico homônimo, dotado de força imensa. A estratégia israelense de dissuasão nuclear é descrita há muito tempo como a “opção de Sansão”, porque o Sansão bíblico derrubou o telhado de um templo filisteu, matando seus inimigos mas morrendo também. Yaakov contou que temia que se Israel levasse adiante a explosão nuclear demonstrativa em território egípcio, ele e os integrantes de sua equipe de comandos também morreriam.

Professor do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Monterey, e autor de “Israel and the Bomb” e “The Worst-Kept Secret”, Cohen disse que a demonstração atômica teria o objetivo de “oferecer ao primeiro ministro uma opção última, se todas as outras fracassassem”. Cohen, que nasceu em Israel e se formou em parte nos Estados Unidos, ampliou as fronteiras da discussão pública sobre um tema mantido sob forte sigilo: como, na década de 1960, Israel se tornou uma potência nuclear não reconhecida como tal.

Na segunda feira o Projeto de História Internacional da Proliferação Nuclear, do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos, em Washington, do qual Cohen é membro global, vai lançar em um site especial na internet uma série de documentos ligados ao plano atômico.

O projeto mantém um arquivo digital de seu trabalho, conhecido como a Coleção Avner Cohen. (O orçamento proposto pelo presidente Donald Trump prevê o fim de quaisquer verbas federais para o centro, que o Congresso criou como memorial vivo a Woodrow Wilson.)

Cohen disse que formou um relacionamento com Yitzhak Yaakov depois de publicar “Israel and the Bomb”, em 1998. Ele entrevistou o general durante horas no verão e outono de 1999 e no início de 2000. As entrevistas foram feitas em hebraico e na área central de Manhattan, onde Yaakov vivia.

As entrevistas revelam como, no início dos anos 1960, Israel entendeu que precisava de um programa acelerado para construir a bomba atômica. Em 1963, Yaakov, que acabava de ser nomeado coronel e tinha diplomas de engenharia do Massachusetts Institute of Technology e do Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel, tornou-se o oficial sênior de contatos entre as Forças de Defesa de Israel e as unidades de defesa civil do país, incluindo o projeto de construção de uma bomba atômica.

Conforme o relato de Yaakov, em maio de 1967, quando a tensão com o Egito cresceu devido à decisão egípcia de fechar o estreito de Tiran, entre o golfo de Ácaba e o mar Vermelho, Yaakov estava a meio mundo de distância, fazendo uma visita à RAND Corporation, na Califórnia. Ele foi convocado de volta a Israel às pressas. Com a visão clara de que a guerra era iminente, disse Yaakov, ele idealizou, redigiu e promoveu um plano de detonar um artefato nuclear no esparsamente povoado deserto oriental do Sinai, para servir como uma demonstração de força.

O local escolhido para a explosão proposta foi um pico de montanha a 20 quilômetros de um complexo militar egípcio em Abu Ageila, uma encruzilhada crítica onde, no dia 5 de junho, Ariel Sharon comandou tropas israelenses em uma batalha contra os egípcios (mais tarde Sharon se tornaria primeiro ministro, morrendo em 2014).

Blindados israelenses Foto AFP

Se fosse ativado por ordem do primeiro ministro e do chefe do Estado Maior militar, o plano seria enviar uma pequena força de paraquedistas para atrair o exército egípcio para a área desértica, para que uma equipe pudesse fazer os preparativos para a explosão atômica. Dois helicópteros grandes pousariam, levariam o artefato nuclear e então criariam um posto de comando em um cânion ou margem de riacho nas montanhas. Se fosse recebida a ordem de detonar o artefato, a explosão ofuscante e a nuvem em formato de cogumelo seriam vistos em todas as partes dos desertos do Sinai e Negev, possivelmente até mesmo no Cairo.

Yaakov descreveu um voo de reconhecimento que fez de helicóptero com Israel Dostrovsky, o primeiro diretor geral da Comissão Israelense de Energia Atômica, o braço civil do programa nuclear. O helicóptero foi obrigado a dar meia volta quando os pilotos souberam que jatos egípcios estavam decolando, possivelmente para interceptá-lo.

“Chegamos muito perto”, Yaakov se recordou. “Vimos a montanha e vimos que haveria lugar para nos escondermos ali, em algum cânion.”

Yaakov contou que na véspera da guerra foi consumido pelas mesmas dúvidas que angustiaram os cientistas americanos durante o Projeto Manhattan. A bomba explodiria? Ele sobreviveria à explosão? Ele nunca chegou a descobrir as respostas. Israel derrotou três exércitos árabes, conquistou território quatro vezes maior que sua área original e tornou-se a maior potência militar da região, usando apenas armas convencionais.

Mesmo assim, Yaakov continuou a fazer lobby por uma demonstração atômica que deixasse claro o novo status de Israel como potência nuclear.

Mas a ideia não deu em nada. “Até hoje ainda acho que deveríamos ter feito a explosão”, ele disse a Avner Cohen.

Tradução de Clara Allain

FONTE: Folha de São Paulo

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