Liderança militar: arte ou ciência?

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As mentes brilhantes de Karl von Clausewitz e Antoine Henri Jomini compartilham a ideia de que a liderança militar é uma arte e uma ciência. As ideias contrastantes dos dois pensadores militares ainda são relevantes hoje. [Foto: Francisco Sánchez]

Por Coronel Francisco Sánchez, Academia de Guerra do Chile

Como o estudo da história e da estratégia militares é um dos pilares do treinamento de oficiais superiores na Academia de Guerra do Chile, é importante considerar os fundamentos teóricos do pensamento estratégico que buscamos desenvolver em nossos alunos. Nesse contexto, as teorias de dois dos mais importantes pensadores militares de todos os tempos, Karl von Clausewitz e Antoine Henri Jomini, dominam as salas de aula das academias militares desde o século 19. Seus conceitos ainda hoje abastecem um debate que atinge o cerne das Ciências Militares.

Clausewitz foi um general e teórico militar prussiano do século 19. Era conhecido por enfatizar os aspectos políticos e psicológicos do conflito armado e considerado uma realista que se baseava, em grande parte, nos conceitos da racionalidade. Jomini foi um oficial suíço que serviu como general nas Forças Armadas da França e da Rússia no século 19 e se tornou conhecido pelos escritos sobre o método de guerra napoleônico. Ambos os pensadores militares foram influenciados pelo Iluminismo europeu.

Ao estudar o que eles escreveram, é possível inferir que as diferenças fundamentais entre Clausewitz e Jomini são enraizadas em conceitos do processo histórico, assim como na natureza e no papel da teoria militar.

Visões de guerra opostas

Para Clausewitz, a história deve ser contemplada em termos relativos, rejeitando-se as categorias absolutas, a normalização, ou padronização, e os valores preestabelecidos. O passado tem de ser aceito em seus próprios termos, ou seja, o historiador deve tentar se inteirar da mentalidade e das atitudes de um determinado período, o que ele chama de “zeitgeist”.

A história é um dinâmico processo de mudança, impulsionado por forças que não podem ser controladas. Esse historicismo é particularmente evidente em duas questões-chave do trabalho de Clausewitz “Sobre a Guerra” (1832), que não são explicitadas em seu trabalho anterior, “Os Príncípios da Guerra” (1812): “a guerra é uma continuação da política por outros meios” (violência organizada) e a ideia de que a guerra pode variar em forma, dependendo da natureza mutante da política e da sociedade na qual é travada.

Essas propostas refletem um entendimento profundo dos filósofos de sua época – inteligentemente formulando os princípios da dialética hegeliana e os princípios essenciais de razão pura e razão prática de Emmanuel Kant. Isso cria um entendimento da dialética da guerra e leva à conclusão de que, embora teoricamente toda guerra seja absoluta, na prática nem sempre ocorre naqueles termos.

Em contraste, a visão de Jomini sobre história e guerra era estática e simplista. O general conscientemente aplicou o método científico, da forma como o entendia, a seus estudos da história militar. Como resultado desses estudos, descobriu que o que ele pensava eram paradigmas comportamentais comuns nas operações militares. Esses modelos de comportamento eram codificados em axiomas e princípios para melhor instruir outros chefes militares sobre como organizar, planejar e conduzir a guerra “moderna” e subsequentemente assumiam a forma de um “código de conduta”.

Assim como Clausewitz, Jomini construiu suas teorias com base em noções formuladas durante o Iluminismo, agregando um caráter fundamentalmente reducionista e preditivo a essa abordagem. É inegável que Jomini fez uma contribuição importante para a evolução do pensamento militar ao tentar explicar a teoria da guerra dando à mesma um caráter científico, cujos componentes eram claramente classificados e governados por princípios universais imutáveis.

Ao que parece, portanto, através dessas duas grandes mentes da história militar encontramos as raízes da premissa de que a liderança militar é tanto uma arte quanto uma ciência. Em suas ideias, podemos ver as visões conflitantes que hoje são aparentes, uma vez que esse dilema ainda não foi resolvido. Nosso conhecimento e nosso entendimento da guerra são uma ciência, mas o ato da guerra propriamente é em grande parte uma arte. Isso não mudará no futuro, independentemente dos avanços científicos e tecnológicos. Como no passado, o caráter da guerra mudará, mas a natureza da guerra – conforme formulada por Clausewitz – permanecerá inalterada.

FONTE: Diálogo Américas

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