Rússia & Turquia – Escalada perigosa

su-24

Por Rodrigo Craveiro

Uma fagulha capaz de iniciar uma violenta explosão. O medo de especialistas sobre o conflito sírio começou a tomar forma, ontem, depois que um caça-bombardeiro russo Sukhoi Su-24 foi derrubado pela Turquia. Moscou insiste que a agressão ocorreu sobre o território da Síria. “Às 9h20 (5h20 em Brasília), um avião violou o espaço aéreo turco e, apesar de numerosas advertências, dois de nossos caças F-16 que patrulhavam a zona tiveram que intervir”, declarou o Exército turco, por meio de um comunicado.

Os dois pilotos conseguiram se ejetar do aparelho em chamas — um deles foi morto a tiros enquanto pousava de paraquedas; outro estava desaparecido até o fechamento desta edição. Um dos helicópteros Mi-8 mobilizados para o resgate foi alvo de tiros; durante o novo ataque, um marine (fuzileiro naval) russo acabou morto.

O presidente russo, Vladimir Putin, reagiu ao incidente com fúria e prometeu “graves consequências”. “A derrubada de nosso avião é como uma facada pelas costas desferida por cúmplices de terroristas”, afirmou. Como a Turquia integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma ação contra Ancara simbolizaria agressão à aliança militar ocidental. Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, pediu “calma” após reunião de emergência a pedido da delegação turca.

Segundo Putin, o Sukhoi Su-24 foi atingido por um míssil ar-ar disparado por um caça turco F-16. “O nosso avião caiu sobre o território sírio, a 4km da fronteira da Turquia. Ele voava 1km distante da fronteira quando foi atacado. Em todo o caso, nem os nossos pilotos nem nosso caça representavam qualquer ameaça. Eles estavam realizando uma operação de combate contra o Estado Islâmico no norte da província de Lattakia”, acrescentou o líder russo. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, rebateu as declarações do Kremlin. “Todo o mundo deve respeitar o direito da Turquia de proteger suas fronteiras”, advertiu, durante discurso no palácio presidencial. Assessores de Erdogan esclareceram que o Su-24 “foi abatido de acordo com as regras de combate após ter violado o espaço aéreo, apesar de dez advertências no período de cinco minutos”.

Imagens de vídeo divulgadas pela internet e atribuídas ao Exército Sírio Livre (FSA) mostram o corpo ensanguentado de um dos pilotos diante de rebeldes em festa. Um deles usa o celular para fotografar o cadáver, enquanto outro, já idoso, sorri e grita “Allahu Akbar” (“Deus é maior”, em árabe).

As consequências prometidas por Putin começaram a surgir ainda ontem. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, cancelou a visita que faria hoje à Turquia e aconselhou os compatriotas a evitarem viagens ao território turco. O Estado-Maior russo suspendeu todos os contatos militares com a Turquia e anunciou que o cruzador Moskva, da frota russa, equipado com sistemas antiaéreos, está fundeado próximo à província de Lattakia. “Todos os alvos que representam para nós uma ameaça serão destruídos”, alertou o general Sergei Roudskoi, porta-voz do Estado-Maior do Exército russo.

Embaixadores

Por telefone, Sergey Akopov, embaixador da Rússia no Brasil, desclassificou as alegações de Ancara sobre os avisos supostamente dados pela tripulação do F-16 turco. “Elas não têm nada a ver com a realidade. Parece até que não foi a Turquia que atacou a Rússia. Tentam fazer parecer o contrário”, lamentou ao Correio. O diplomata admitiu estar “muito desiludido”, classificou a derrubada do avião como “ato de covardia” e alfinetou Ancara. “Os terroristas contra os quais lutamos têm apoio de certos governos e Estados”, disse. Akopov destacou que “todas as pessoas sensatas entendem que a situação é bastante perigosa e capaz de desembocar numa crise muito mais séria”. “Eu tenho a esperança de que a diplomacia vencerá e será encontrada uma solução que não seja a bélica.” Ele confirmou que “houve algumas baixas” no ataque ao helicóptero enviado para o resgate dos pilotos.

Hüseyin Lazip Diriöz, embaixador da Turquia, lembrou que seu país lidera os esforços para acabar com o sofrimento do povo sírio, estabelecer a paz duradoura na Síria, e lutar contra o Estado Islâmico (EI). “O Daesh (acrônimo árabe para a facção jihadista) representa grave e iminente ameaça à segurança turca”, afirmou ao Correio. “Como o nosso presidente declarou, apesar de repetidas advertências sobre a violação do espaço aéreo turco, o avião de combate russo insistiu em continuar. E aquela é uma área onde o Daesh não se faz presente. Não deve existir dúvidas de que fizemos o nosso melhor para evitar esse incidente.”

Chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), Lilia Shevtsova teme que “as emoções e a imprudência” da equipe de Putin possam levar a uma escalada do conflito. “A regra do jogo é que Moscou sempre negará o fato de violar as fronteiras turcas. Nesse momento, o Kremlin tentará buscar uma solução para a crise, por compreender que a Turquia está respaldada pelo poder da Otan”, explicou ao Correio. A analista considera difícil prever implicações diplomáticas para a crise. “Tanto a Rússia quanto a Turquia tentam bancar o ‘machão’ e seus líderes odeiam a ideia de retroceder. Muito vai depender da maneira com que a Otan responderá a essa situação.”

Os diplomatas

“Nós gostaríamos que o mundo inteiro soubesse que tomaremos todas as medidas necessárias e faremos qualquer sacrifício em nome da vida e da dignidade de nossos cidadãos e para a segurança de nossas fronteiras. Nosso país está em um círculo de fogo. A Turquia exerceu o seu ‘direito internacional e o dever nacional’.”

Hüseyin Lazip Diriöz, embaixador da Turquia no Brasil

“Com os cúmplices do terrorismo, o que você acha que deveríamos fazer? As consequências para as relações com a Turquia serão sérias. Os primeiros passos já foram anunciados. O ministro (Serguei) Lavrov cancelou a visita oficial à Turquia. Outras medidas serão anunciadas, pois ainda estamos coletando as informações.”

FONTE: Correio Braziliense

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