“Sabotagem sob as Ondas” – MECs italianos atuando na 2ª Guerra Mundial

Torpedo SLC maiale com MECs italianos

Por Rodney Alfredo Pinto Lisboa

Considerados como os precursores na condução de operações de mergulho de combate, os mergulhadores da Marinha Real Italiana começaram a desenvolver essa modalidade de guerra especial nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Passadas quase duas décadas, por ocasião da Segunda Grande Guerra, a 10ª Flotilha MAS empreendeu com sucesso uma série de incursões submarinas contra embarcações inimigas atracadas nos portos do Mediterrâneo.

Utilizando um inovador dispositivo de propulsão para mergulhadores, desenvolvido a partir da estrutura de um torpedo, em dezembro de 1941 os italianos conseguiram penetrar o porto de Alexandria furtivamente para inutilizar dois encouraçados que representavam ameaça para as rotas de comunicação marítima que abasteciam as tropas do Eixo situadas no Norte da África.

O envolvimento da Itália na 2ª Guerra Mundial

No período imediatamente subsequente ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Itália, que havia se aliado à França e ao Reino Unido por ocasião do Tratado de Londres (1915), encontrava-se imersa em uma grave crise social e econômica após ter aumentado a emissão de moeda e contraído uma série de empréstimos para financiar o esforço de guerra. O resultado dessas medidas levou à desvalorização da Lira e ao aumento da inflação, contribuindo significativamente para a falência de empresas e a elevação do nível de desemprego.

Em 1920 as greves promovidas em diferentes cidades, somadas aos movimentos de trabalhadores rurais que pleiteavam terras para cultivar, agravou um cenário que já se mostrava desfavorável para o então primeiro-ministro Giovanni Giolitti. Nesse período, inspirada pela Revolução Russa, a oposição socialista representada pelo Partido Popular Italiano passou a ter hegemonia na Confederação Nacional dos Trabalhadores. Assustada pela situação em curso no país, a burguesia italiana temia pela ascensão socialista e pela perda de sua privilegiada condição social.

Benito Mussolini

O cenário caótico pelo qual passava a Itália no início da década de 1920 evidenciou a figura de Benitto Mussolini, líder do Partido Nacional Fascista, que acusava o governo de ser incapaz de promover as mudanças de que o país necessitava. Defendendo os ideais do nacionalismo e lutando contra a esquerda socialista nas ruas, os partidários de Mussolini conquistaram simpatizantes de maneira gradativa. Com o crescente apoio de membros da sociedade, inclusive do parlamento, os integrantes do Partido Nacional Fascista promoveram uma ação originalmente engendrada para ser um golpe de Estado.

Levada a cabo em 30 de outubro de 1922, a “Marcha sobre Roma” não encontrou grande resistência ao mobilizar-se para entrar na capital, onde Mussolini foi nomeado primeiro-ministro pelo rei Vittorio Emmanuel III.

Como premiê da Itália, Mussolini, o Duce (chefe) como ficaria popularmente conhecido, tomou uma série de medidas administrativas para promover a recuperação do país. Reprimindo qualquer tipo de oposição com violência e respaldado pelo apoio da maioria dos representantes do parlamento, e em Janeiro de 1925 Mussolini anunciou a instauração de um Estado totalitário. Com base na política externa fascista de restaurar o antigo Império Romano mediante a conquista dos Balcãs e da região Norte da África, o Duce incentivou a indústria, a militarização e o armamento.

A velocidade de desenvolvimento do poder militar da Itália não acompanhou as pretensões de Mussolini, limitando os planos expansionistas do premiê e forçando-o a assediar nações de menor expressão como a Etiópia (1936) e a Albânia (1939). Após invadir a Etiópia em 1935, Mussolini sofreu sanções da Liga das Nações, fato que promoveu sua aproximação com o regime nazista liderado por Adolf Hitler. Com a vitória na Etiópia consolidada, a Itália e a Alemanha firmaram o Eixo Roma-Berlim em 1936 com o objetivo de estreitar relações econômicas e lutar contra o comunismo.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) as tropas nazistas lideradas por Adolf Hitler empreendiam uma impiedosa campanha de conquistas sucessivas em solo europeu. A Blietzkrieg alemã invadiu a França, fazendo parecer, aos olhos de Mussolini, que iria dominar a Europa rapidamente. Pressentindo que as possessões coloniais da França e do Reino Unido na África estariam fragilizadas, e caso não tomasse uma decisão rápida e definitiva a Alemanha acabaria por herdar esses espólios, o Duce entrou em guerra contra os Aliados no dia 10 de junho de 1940.

Pioneirismo italiano em ações submarinas conduzidas por Mergulhadores de Combate

A Itália tem uma longa tradição de empregar mergulhadores em suas campanhas militares navais. Durante o Império Romano, os “Urinatores” realizavam ataques de surpresa, destruíam obstáculos defensivos submersos, seccionavam cabos de âncoras, danificavam cascos de embarcações, transmitiam ordens dos comandantes, transportavam víveres para cidades costeiras sitiadas, entre outras ações subaquáticas.

Na primeira metade do século XX, após um intervalo de vários séculos, as inovações tecnológicas introduzidas por ocasião da Revolução Industrial permitiriam que os militares italianos considerassem o emprego de mergulhadores em operações de combate. Durante a Primeira Grande Guerra, oficiais da Marinha Real Italiana (Regia Marina) estudavam uma possibilidade de atacar a frota austro-húngara localizada no porto de Pula (Croácia), uma vez que os navios lá atracados estavam muito bem protegidos por um intrincado conjunto de redes de contenção submarina e minas subaquáticas. Em 1915, a primeira experiência de assédio ao porto utilizando uma embarcação a motor adaptada com lagartas foi frustrada.

Um lapso de três anos ocorreria até que uma nova tentativa seria levada a cabo, empregando o mecanismo idealizado pelo Tenente Raffaele Rossetti. Esse dispositivo, denominado Mignatta (Sanguessuga), foi adaptado a partir da estrutura de um torpedo de ar comprimido, dando-lhe a capacidade de transportar dois mergulhadores montados sobre seu corpo alongado. Na noite de 1° de novembro de 1918, na iminência da declaração de um armistício, o Mignatta e sua tripulação, composta por Raffaele Rossetti e Raffaele Paolucci, penetrou as defesas do porto de Pula em imersão parcial.

Mignatta

Fixas em sua extremidade anterior, o torpedo modificado transportava duas minas explosivas, cada uma delas carregada com 170kg de TNT. Após terem se aproximado lentamente das embarcações, os mergulhadores submergiram a uma profundidade de quatro metros, utilizando um potente imã magnético para acoplar um dos artefatos no casco de um encouraçado SMS Viribus Unitis (classe Tegetthoff). Enquanto navegavam para o segundo navio, Rossetti e Paolucci foram detectados, mas antes que pudessem ser tomados como prisioneiros conseguiram se evadir após armarem o segundo artefato ainda fixo à extremidade do Mignatta, que foi abandonado. Cerca de quinze minutos transcorreram até que a primeira mina explodisse, fazendo com que a embarcação de guerra de 21.000t afundasse.

SMS Viribus Unitis

Imediatamente após a primeira detonação, uma segunda explosão foi ouvida mandando a Fragata SMS Wien para o fundo do porto.

O sucesso da ação de Rossetti e Paolucci refletiu nas pesquisas que seriam desenvolvidas posteriormente pelo corpo de Engenheiros Navais (Genio Navale) da Regia Marina. Ignorados após a conclusão da Primeira Guerra Mundial, os estudos relacionados aos torpedos tripulados foram retomados em 1935 por ocasião do assédio italiano à Etiópia.

SMS Wien

Deflagrada a Segunda Guerra, a extensa costa europeia, repleta de instalações portuárias, passou a ser um alvo tentador para a execução de ataques furtivos. Diante disso, reunidos na Base Naval de La Spezia, um grupo de pessoas lideradas pelos Tenentes Teseo Tesei e Elios Toschi responsabilizavam-se pela tarefa de encontrar uma solução para invadir os portos sob domínio britânico no Mar Mediterrâneo. O resultado desse esforço conjunto foi o desenvolvimento do Torpedo de Baixa Velocidade (Siluro a Lenta Corsa-SLC) dotado de duas hélices propulsoras dispostas na popa, uma ogiva explosiva destacável situada na proa e com capacidade para transportar dois homens denominados Aurigas (Cocheiros) montados em “selas” construídas sobre sua estrutura.

SLC “Maiale”

O SLC, apelidado Maiale (Porco) em virtude do desconforto e da falta de segurança que lhe eram peculiares, era transportado até a área de operações no interior de um compartimento estanque posicionado no convés de uma embarcação submarina. Nesse ponto é pertinente salientar que o desenvolvimento desta nova tecnologia estimulou a criação da Primeira Flotilha de Meios de Assalto (Prima Flottiglia Mezzi d’Assalto [1ª Flottiglia MAS]) em 1939 com o intuito de promover operações de sabotagem e assalto anfíbio empregando Mergulhadores de Combate (MECs).

Características do SLC Maiale

Comprimento: 7,30 m (com ogiva); Diâmetro: 53 cm; Peso: 1.200 kg (com ogiva); Velocidade: 5 mn a 2,3 nós ou 4 mn a 4,5 nós; Motor: Elétrico de 2.7 HP; Autonomia: 16 km; Capacidade de Submersão: 30 m; Armamento Ogiva explosiva: TNT de 300 kg e Tripulação: 2

Abrimos um parêntese para destacar uma importante faceta da estratégia de enfrentamento adotada pela Regia Marina nas operações realizadas no mar Mediterrâneo.

Quando decretou guerra à Inglaterra e à França, uma vez que os Estados Unidos (EUA) ingressariam oficialmente no conflito apenas em dezembro de 1941, Mussolini tinha plena consciência do despreparo humano e material de suas Forças Armadas.

Em 1940 a esquadra britânica havia suplantado a italiana ao estabelecer bases navais nos portos de Gibraltar e Alexandria, passando a controlar as rotas de comunicação entre esses dois pontos uma vez que ocupava as extremidades ocidental e oriental do mar Mediterrâneo.

Gibraltar

Diante desse cenário adverso, era imperioso para a Itália restabelecer a liberdade de sua navegação comercial no Mediterrâneo. Assim, inferiorizada militarmente em relação à Real Marinha Britânica (Royal Navy), coube a Regia Marina a tarefa de planejar operações navais de natureza assimétrica contra ambos os portos sob autoridade britânica.

No contexto dos conflitos envolvendo adversários estatais, como nos embates travados ao longo da Segunda Grande Guerra, a modalidade de guerra assimétrica pode ser definida como qualquer ação, realizada de forma criativa e inesperada, por um ator dotado de poder de combate inferior em relação ao seu adversário.

Partindo dessa premissa, os estrategistas italianos colocaram os SLC à prova dois meses após a entrada da Itália na Segunda Guerra, com um ataque engendrado contra a esquadra britânica posicionada no porto de Alexandria (Egito). Idealizada para ser levada a cabo entre os dias 25 e 26 agosto de 1940, essa missão foi frustrada em virtude da prévia detecção e posterior afundamento do submarino Iride, embarcação que transportava os três Maiale destacados para a operação em questão. No mês seguinte, dois ataques realizados simultaneamente contra os portos de Gibraltar e Alexandria, redundaram em novo fracasso.

Submarino Iride

Em março de 1941, como forma de engodo para levar os britânicos a pensar que existiam diversas tropas com propósito similar, a unidade de MECs da Regia Marina foi reorganizada e rebatizada com o nome Décima Flotilha de Meios de Assalto (10ª Flottiglia MAS).

Operando com sua nova denominação, os Aurigas tripulando SLCs experimentariam seu primeiro êxito na manhã de 19 de setembro de 1941, quando, após penetrarem o intrincado sistema defensivo que guarnecia o porto de Gibraltar, afundaram três navios de bandeira britânica (os petroleiros Denbydale e Fiona Shell, além do cargueiro Durham).

Operação de sabotagem no porto de Alexandria

Embora a Royal Navy detivesse o domínio do mar Mediterrâneo desde 1940, exercer efetivamente esse domínio era algo que os britânicos não conseguiriam até 1942, quando os Aliados intensificaram a luta terrestre contra as tropas do Afrika Korps no Norte da África e sua força naval cortou as linhas de comunicação que abasteciam os efetivos alemães entre a Itália e o continente africano.

Para uma exata compreensão dos momentos distintos experimentados pela Royal Navy entre 1940 (quando a esquadra britânica do Mediterrâneo passa a controlar os portos de Gibraltar e Alexandria) e 1942 (quando os britânicos impedem as rotas de abastecimento ítalo-germânicas na porção central desse mar), é necessário estabelecer a diferença entre os conceitos de “obter o domínio do mar” e “exercer o domínio do mar”.

Battleship HMS Queen Elizabeth

O domínio do mar é obtido quando um dos atores é capaz de enfrentar o maior poder de combate do inimigo em uma determinada área fazendo prevalecer sua superioridade naval. Por sua vez, um desses atores exerce o domínio do mar valendo-se dessa superioridade para garantir a mobilidade de suas embarcações e restringir a liberdade de movimento dos navios adversários.

Em dezembro de 1941 a Royal Navy encontrava-se em sérias dificuldades no Mediterrâneo, uma vez que suas embarcações de guerra estavam expostas à ameaça submarina dos U-boats alemães, desdobrados do Atlântico para prover a segurança dos comboios que abasteciam as tropas germânicas no Norte da África. Contudo, a presença dos poderosos encouraçados HMS Queen Elizabeth e HMS Valiant, ambos atracados no protegido porto de Alexandria, representava perigo para os comboios de abastecimento ítalo-germânicos no Mediterrâneo.

HMS Valiant

Assim, minar a capacidade de combate desses encouraçados era condição fundamental para a liberdade de navegação comercial das forças do Eixo. Quando os estrategistas italianos se debruçaram sobre os dados de inteligência coletados, avaliando qual a melhor opção para uma operação militar contra o porto de Alexandria, ficou evidente que o modelo de ação que oferecia menores riscos era àquele que considerava o assalto mergulhado empregando SLCs. É importante destacar, que os torpedos tripulados italianos que vitimaram três navios no porto de Gibraltar despertaram a atenção das autoridades britânicas no Mediterrâneo, levando-as a intensificar os sistemas defensivos portuários contra ameaças desse tipo, fato que tornou a operação de ataque contra o porto de Alexandria uma tarefa ainda mais arriscada.

O pequeno grupo de MECs destacados para a operação, planejada e conduzida em sigilo absoluto pelo departamento de assalto da 10ª Flotilha MAS sob codinome GA3, realizou toda sua preparação na Base Naval de La Spezia, região noroeste da Itália, onde cada um dos integrantes se familiarizou com os pormenores da missão e aprimorou sua capacidade de empregar o equipamento completo de mergulho e operar os Maiale.

Submarino Sciré

Finalmente, no dia três de dezembro de 1941, sob comando do Capitão-de Corveta Junio Valerio Borghese, o submarino Scirè partiu de La Spezia transportando três compartimentos estanques vazios sob pretexto de realizar testes em mar aberto. Durante a noite, transportados por barcaça ao encontro do Scirè, os Maiale foram devidamente instalados em seus respectivos compartimentos. Navegando rumo ao mar Egeu, o submarino atracou na ilha grega de Leros seis dias depois para embarcar a tripulação dos SLCs, que lá havia chegado por via aérea.

O submarino deixou a Grécia no dia 14 de dezembro, alcançando a área de operação no anoitecer dia 18 (18:40hs), quando avistou o farol de Ras-el-Tin localizado na entrada do porto de Alexandria. Duas horas depois, oculto pela escuridão da noite, o Scirè emergiu o suficiente para fazer flutuar os SLCs, retirados de seus compartimentos pelos MECs, que instantes depois iniciaram o lento e cauteloso trajeto em direção ao seu objetivo navegando próximo da costa.

Tripulação do SLC n°221: Tenente Luigi Durand de la Penne, objetivo: HMS Valiant; Cabo Emílio Bianchi (encouraçado).
Tripulação do SLC n°222: Capitão (AN) Vincenzo Martellotta, objetivo: HMS Eagle; Cabo Mario Marino (navio aeródromo).
Tripulação do SLC n°223: Capitão (GN) Antonio Marceglia, objetivo: HMS Queen Elizabeth; Marinheiro Spartaco Schergat (encouraçado).

Seguindo seu curso cautelosamente em meia imersão para facilitar a identificação de pontos de referência, os Maiale e suas respectivas tripulações tentavam evitar o intrincado sistema defensivo da instalação portuária, formado por uma providencial combinação de barreiras naturais e artificiais que restringiam o acesso a um estreito corredor que conduzia ao porto egípcio. Evitando serem detectados, os Aurigas se aproximaram da rede metálica que matinha a passagem para o porto fechada.

Impossibilitados de empregar o potente alicate que transportavam para lidar com situações dessa ordem, uma vez que o barulho provocado por tal ação poderia chamar a atenção das sentinelas que tripulavam as lanchas patrulha, os MECs tiveram que aguardar a aproximação de um conjunto de navios, que ao ingressarem no porto pela abertura temporária da rede metálica, permitiram que os SLCs também a penetrassem furtivamente.

Navegando cautelosamente junto ao cais, cada uma das tripulações, após identificar o alvo que lhe era atinente, passou a operar por conta própria realizando aproximação para iniciar os procedimentos de instalação das ogivas. Como o HMS Eagle não se encontrava atracado no porto de Alexandria, pois havia partido no início daquela mesma noite rumo ao Canal de Suez e ao Oceano Indico, coube à tripulação do SLC n°222 a tarefa de escolher alvos de oportunidade que estivessem ao longo de sua rota.

Após uma breve avaliação de um grupo de navios atracados no porto, Martellotta e Marino optaram por instalar sua ogiva no casco do petroleiro Sagona, a maior embarcação por eles avistada. Entretanto, após submergirem em direção ao alvo, a dupla de Aurigas seguiu uma rota equivocada posicionando o SLC embaixo de um cruzador. Percebendo o engano, eles corrigiram sua direção e navegaram até a embarcação que lhes era designada.

Conforme procedimento operacional sistematicamente estudado em La Spezia, os torpedos tripulados n°222 e 223 posicionaram-se sob os navios alvo e instalaram os artefatos explosivos junto à quilha de ambos. O processo de instalação das cargas explosivas requeria que o SLC se aproximasse em imersão por baixo da embarcação selecionada, cabendo ao MEC sentado na segunda sela dos Maiale, a tarefa de acoplar uma presilha na quilha de balanço nos dois bordos do navio. Devidamente fixadas, essas presilhas eram ligadas por um cabo, que atravessando o anel de sustentação da ogiva, fazia pender o artefato imediatamente abaixo do casco da embarcação alvo. O temporizador da carga explosiva deveria ser acionado momentos antes do torpedo tripulado se evadir do local.

Por sua vez, após transporem a rede de proteção que envolvia o HMS Valiant, de la Penne e Bianchi tiveram grandes dificuldades ao tentar fixar a ogiva do SLC n°221 junto a quilha da embarcação. Enquanto manobravam para posicionar o Maiale sob o casco do encouraçado, experimentando os efeitos da exaustão e do frio devido ao longo tempo (cerca de oito horas de atividade na água), de la Penne perdeu a governabilidade do torpedo que acabou chocando-se com o casco do HMS Valiant e desceu para o fundo lamacento, onde um dos cabos da rede protetora se enroscou no hélice do SLC provocando uma pane que o fez parar repentinamente.

Abandonando sua sela, Bianchi nadou até a popa do SLC para desobstruir o hélice, e após fazê-lo viu-se forçado a nadar para uma das boias de amarração do encouraçado devido a uma falha em seu sistema de respiração. Incapaz de reativar o Maiale e sem outra alternativa viável, de la Penne levou cerca de 40 minutos para arrastar o torpedo e colocá-lo na posição mais próxima entre o solo marinho e o casco do Valiant. Em seguida, exaurido pelo extremo esforço, ele acionou o detonador da carga explosiva e nadou para a boia de amarração do navio, onde para sua surpresa, se deparou com Bianchi.

A exemplo de seus companheiros dos SLCs n°222 e 223, capturados na costa egípcia em seu procedimento de evasão, de la Penne e Bianchi foram detidos e interrogados pelo Capitão Charles Morgan, Comandante do HMS Valiant. Sem responder a nenhum dos questionamentos do oficial britânico, ambos foram feitos prisioneiros nos conveses inferiores do navio. Eles permaneceram ali por duas horas e meia até que de la Penne resolveu quebrar o silêncio, enviando uma mensagem para o Capitão Morgan alertando-o para a iminência da explosão, que conforme suas estimativas, ocorreria nos próximos minutos. Por volta das 06:00hs da manhã do dia 19 de dezembro, enquanto os tripulantes se deslocavam para o convés superior, atendendo a ordem de evacuação emitida pelo oficial comandante, o encouraçado estremeceu com a detonação da carga explosiva que provocou uma série de avarias que comprometeram significativamente o fundo do casco.

Em um intervalo não superior a 15 minutos da primeira explosão, seguiram-se a segunda e a terceira detonação, que acabaram por abalar as estruturas do HMS Queen Elizabeth e do petroleiro Sagona respectivamente. Por encontrar-se muito próximo ao petroleiro, o contratorpedeiro HMS Jervis também sofreu sérios danos provocados pela onda de choque produzida pela carga explosiva.

HMS JERVIS

O resultado da ação dos MECs italianos no porto de Alexandria causou um imenso infortúnio para a Royal Navy, uma vez que comprometeu seriamente as duas embarcações mais importantes da esquadra britânica na tarefa de romper as linhas de abastecimento das forças do Eixo no Mediterrâneo. Devido às avarias provocadas pelas ogivas dos torpedos tripulados italianos, tanto o HMS Queen Elizabeth quanto o HMS Valiant encontravam-se em condições tão precárias que as embarcações somente voltariam a deixar o porto depois de um longo período de reparos.

Entretanto, os italianos não conseguiram se valer dessa experiência em eventos futuros, pois os britânicos trataram de ludibriar a inteligência italiana mantendo ambos encouraçados em atividade aparente, atitude que levou os espiões, apesar das evidências coletadas, a questionar o poder destrutivo da ação subaquática de seus compatriotas. Diante desse quadro, receoso de que as belonaves britânicas estivessem em perfeitas condições operacionais, Mussolini ordenou que sua frota mercante permanecesse atracada nos portos italianos.

Considerações finais

O levantamento histórico das guerras coloca os MECs italianos na condição de pioneiros em ações de ataque mergulhado utilizando submarinos como plataforma de infiltração para operações de assalto. Introduzido durante a Primeira Grande Guerra, o emprego de pequenos dispositivos autopropulsados para o transporte de mergulhadores, como o Mignatta, evoluiu no período entre guerras com a introdução do SLC, que foi colocado à prova no Mediterrâneo em diversas ocasiões ao longo da Segunda Guerra.

Nos dois conflitos mundiais ocorridos na primeira metade do século XX, os Aurigas precisaram não apenas proceder de forma inovadora, mas, sobretudo, imbuírem-se de ousadia e coragem para desempenhar um tipo de missão particularmente difícil e extremamente arriscada. O ataque ao porto de Alexandria é citado como o exemplo mais eficiente desse gênero de missão, pois redundou em um golpe decisivo que minou a capacidade britânica de opor-se ao abastecimento das tropas do Eixo no norte da África, muito embora essa vantagem tenha se perdido por ocasião de uma decisão equivocada do Dulce.

É pertinente destacar, como indicador do peso que a ação dos Aurigas em Alexandria teve sobre os Aliados, que o premiê britânico Winston Churchill, em seu característico tom veemente, questionou seus chefes de Estado-Maior acerca das medidas adotadas contra aquele tipo de ofensiva, bem como sobre as restrições que dificultavam um empreendimento Aliado valendo-se dos mesmos meios que os MECs italianos.

Posteriormente, aproveitando os conhecimentos adquiridos por ocasião de SLCs apreendidos em operações anteriores, os britânicos desenvolveriam o torpedo de dois tripulantes denominado “Chariot”, cuja dinâmica operacional era muito semelhante a dos Maiale.

Torpedo inglês Chariot

Apesar da frustração experimentada em alguns engajamentos executados sem sucesso, no decorrer da Segunda Guerra Mundial os MECs italianos conduziram 12 missões nas quais afundaram ou avariaram um total de 25 embarcações (cinco navios de guerra e 12 navios mercantes), totalizando 130.000t de material perdido pelos Aliados devido a atuação da 10ª Flotilha MAS.

Estudados no período pós-guerra, os procedimentos operacionais adotados no decorrer do conflito pelos MECs da Regia Marina contribuíram significativamente para que as forças navais ao redor do mundo desenvolvessem unidades análogas aptas a promover ações similares àquelas realizadas pelos Aurigas na década de 1940. A ação desempenhada pelos torpedos tripulados em Alexandria notabilizou-se como modelo de operação não convencional, que ao minimizar as Fricções de Guerra, alcançou superioridade relativa em relação ao inimigo valendo-se dos seis princípios das Operações Especiais (OpEsp), a saber: simplicidade; segurança; repetição; surpresa; rapidez; propósito.

Atualmente, mesmo diante da necessidade de diversificar o modus operandi das tropas de OpEsp face à nova ordem mundial, o legado deixado pelos MECs italianos na Segunda Grande Guerra permanece como uma referência histórica irrefutável que baliza a gênese do Mergulho do Combate como atividade militar sistemática.

Sobre o autor: Docente da Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá (FEPI); Discente do Programa de Pós Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM) da Escola de Guerra Naval (EGN); Sócio correspondente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB)

Artigo publicado na Revista Marítima Brasileira e na Revista Segunda Guerra Brasil

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