Tecnologia para a destruição – Os 100 anos da Primeira Guerra

ZEPPELIN

Por Renato Grandelle

Busca pelo extermínio total do inimigo introduziu tanques, aviões e gases tóxicos no conflito

Faltavam 16 anos para a eclosão da Primeira Guerra Mundial quando o banqueiro polonês Jan Gotlib Bloch escreveu, em 1898: “O dia da baioneta acabou”.

Não existe consenso se a incipiente corrida armamentista foi o motivo para a eclosão do confronto, mas certamente a luta no front motivou a invenção e o aperfeiçoamento de tecnologias de grande destruição, usadas no conflito e aprimoradas durante o resto do século passado. A difusão de metralhadoras, a criação de tanques e o uso militar do gás mudaram o perfil da guerra no front. Os canhões, que até então eram pouco menores do que um carro, tornaram-se maiores que caminhões, o que aumentou seu poder de fogo. Os submarinos desenvolvidos pela Alemanha fizeram frente aos tradicionais encouraçados britânicos. No ar, os aviões, usados inicialmente para observação das tropas inimigas logo reforçaram os bombardeios.

As forças militares experimentaram cem anos de desenvolvimento em apenas quatro, avalia João Daniel de Almeida, professor do Departamento de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Faculdade Damásio (Clio Internacional). Algumas tecnologias muito rudimentares, como o submarino e o fuzil, pouco usados até então, foram sofisticados e desempenharam um papel fundamental na guerra. Para o historiador Orlando de Barros, os países não buscavam apenas vencer aquele confronto. Seria uma guerra para não haver mais guerras. A imposição de um tratado que valeria para todo o mundo, destaca. Em poucos anos, passamos da pistola para a metralhadora giratória. Surgiu uma indústria da guerra, com a criação em massa de armas padronizadas.

PODER DE FOGO LEVA À REFÚGIO EM TRINCHEIRAS

A artilharia, cada vez mais rápida e precisa, fez os soldados abandonarem os campos abertos, onde as guerras eram travadas até então. As tropas buscaram refúgio em trincheiras e abrigos subterrâneos. O avanço dos combatentes, então, tornou-se muito mais lento do que o imaginado. Antes do início da guerra, a França acreditava que chegaria a Berlim em 48 horas. Não cumpriu o feito, mesmo após quatro anos de luta. Perdida no tiroteio, a cavalaria se tornou obsoleta e precisou ser adaptada a outras funções.

A cavalaria tinha um poder simbólico, porque era usada em guerras havia mais de 700 anos e sempre conduzida pelos nobres. Mas, com o novo estilo de confrontos, tornou-se bizarramente irracional, explica Almeida.

Os cavalos, então, passaram a ser usados como animais de tração, carregando canhões e outros instrumentos da artilharia. A inovação mais repudiada da Primeira Guerra Mundial também veio por terra e, pelo horror que causou, foi abolida de outros conflitos. Trata-se do gás venenoso, introduzido pela Alemanha em abril de 1915, durante a batalha de Ypres, na Bélgica. Entre os efeitos provocados estão, queimaduras na pele, cegueira e morte por asfixia. Foi descrito, por uma agência de notícias londrina, como “a forma mais terrível de tortura científica”.

Dez anos depois, no Protocolo de Genebra, governantes de diversos países se comprometeram a não recorrer mais a armas químicas e biológicas em guerras. A má qualidade da comunicação dificultava o deslocamento até o abrigo dos inimigos. As tropas dependiam de cabos de telégrafo enterrados durante as rotas, que eram facilmente cortados. Os mapas topográficos eram precários, tornando praticamente impossível acompanhar a locomoção dos exércitos na “zona de fogo”. Para contornar estas deficiências, desenvolvesse a comunicação por rádio, um dos instrumentos mais difundidos após a guerra, adotado rapidamente pelos civis.

ALEMÃES USARAM ZEPELINS E SUBMARINOS

A orientação das tropas também passou a ser realizada via aérea. Berlim colheu informações sobre Londres com zepelins e cogitou usar esse equipamento para bombardear a capital britânica. Desistiu do plano ainda no início da guerra, quando descobriu que a aeronave era facilmente inflamável. Os aviões, inicialmente empregados apenas para o mapeamento do front, contribuíram nos anos seguintes para o bombardeio das tropas inimigas. Tais aparatos eram basicamente pilotados por nobres, que, antes da guerra, tinham a aviação como um hobby.

Foi o caso do piloto de caça alemão Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho. Descendente de uma família aristocrata, o militar abateu cerca de 80 aviões inimigos durante a guerra. Foi morto menos de sete meses antes do fim da guerra por um artilheiro australiano. Outro destaque da Alemanha foi o uso dos submarinos, uma alternativa aos encouraçados encurralados no Mar do Norte. O ataque à frota naval britânica provocou desespero entre a população civil.

Mais de 100 mil toneladas de alimentos destinados ao Reino Unido eram afundados por mês, ressalta Almeida. Os britânicos chegaram a cogitar a capitulação. Só não o fizeram com a entrada dos EUA na guerra.

VEÍCULOS BLINDADOS TIVERAM PAPEL DECISIVO

Diante dos ataques aos encouraçados, dos aviões abatidos e do gás venenoso, o Reino Unido apostou no desenvolvimento de tanques. Seus componentes— o revestimento blindado, o motor de combustão interna e o sistema de locomoção sobre esteiras — já existiam desde o início do século. No entanto, a primeira batalha com um número expressivo de tanques ocorreu só em 1916. Nos dois anos seguintes, o veículo se firmou como o melhor instrumento para vencer as crateras abertas pelas trincheiras. Seu uso foi difundido na Segunda Guerra Mundial, quando também teve papel determinante.

Diversos projetos de tecnologia bélica existiam muito tempo antes de entrar em prática, assinala Almeida. Leonardo Da Vinci fez desenhos de tanques no século XV, em pleno Renascimento. Mas qual era a utilidade de se desenvolver uma arma como essa em uma época de guerras aristocráticas?

Durante séculos, era mais fácil levar um camponês para o campo de batalha e deixá-lo morrer lutando. Com a Primeira Guerra Mundial, que pôs o comércio mundial de joelhos e levou os países à exaustão, os projetos tiveram de sair do papel.

A urgência por inovações bélicas foi refletida em um artigo publicado pelo britânico H.G. Wells, em maio de 1915, no jornal “The New York Times”. No texto, ele afirma que “o crescente poder de destruição do homem, se não for inibido, acabará com a (…) liberdade do mundo”. Conhecido como pai da ficção científica, Wells se preocupava ali com um quadro vívido em que as principais potências se empenhavam em inventar instrumentos para tentar destruir seus inimigos num conflito que se arrastaria por mais três anos.

FONTE: O Globo

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