ONU aprova Tratado de Proibição de Armas Nucleares

Por Leonam dos Santos Guimarães

Liderados pelo Brasil, México, África do Sul, Áustria e Nova Zelândia, os países que se reuniram em conferência das Nações Unidas em Nova York aprovaram em 7 de julho de 2017 o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN), sendo esse o primeiro instrumento vinculativo multilateral de desarmamento nuclear negociado em 20 anos, desde o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de 1968.

“O tratado representa um passo e contribuição importante para as aspirações comuns de um mundo sem armas nucleares”, disse o porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, após sua adoção. “Espero que este novo tratado promova um diálogo inclusivo e uma cooperação internacional renovada visando alcançar o objetivo há muito atrasado do desarmamento nuclear”, acrescentou.

O Tratado, que foi aprovado por 122 votos a favor e um contra (Holanda), com uma abstenção (Cingapura), proíbe a gama completa de atividades relacionadas com armas nucleares, como desenvolver, testar, produzir, fabricar, adquirir, possuir ou armazenar armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares, bem como o uso ou ameaça de uso dessas armas. O voto contrário da Holanda se entende por esse país armazenar em seu território armas nucleares dos EUA, sob o comando da OTAN.

Embaixadora Elayne Whyte Gómez, da Costa Rica, que atua como Presidente da Conferência que negociou o Tratado

“Nós nos sentimos emocionados porque estamos respondendo às esperanças e sonhos das gerações presentes e futuras”, disse a Embaixadora Elayne Whyte Gómez, da Costa Rica, que atua como Presidente da Conferência que negociou o Tratado, em atendimento ao mandato conferido pela Assembleia Geral da ONU. Ela ainda disse que, com o Tratado, o mundo está “a um passo” para uma eliminação total das armas nucleares.

Ele estará aberto à assinatura de todos os Estados na sede da ONU em Nova York a partir de 20 de setembro de 2017 e entrará em vigor 90 dias depois de ter sido ratificado por pelo menos 50 países. No entanto, vários permaneceram fora das negociações, incluindo os Estados Unidos, a Rússia e outros Estados dotados de armas nucleares, bem como muitos de seus aliados, alguns dos quais, como a Holanda, Bélgica, Alemanha e Turquia, que armazenam armas nucleares em seus territórios. A Coréia do Norte também não se juntou às negociações.

Em uma declaração conjunta divulgada no mesmo dia da aprovação do TPAN, as delegações dos Estados Unidos, Reino Unido e França na ONU afirmaram que “não participaram da negociação do tratado e não pretendem assinar, ratificar ou tornar-se parte disso”. Diz ainda essa declaração que “esta iniciativa ignora claramente as realidades do ambiente de segurança internacional” e que “a adesão ao tratado de proibição é incompatível com a política de dissuasão nuclear, que tem sido essencial para manter a paz no mundo há mais de 70 anos”.

Sobrevivente do bombardeio atômico de Nagasaki, conta aos jovens sobre sua experiência

Em resposta a perguntas sobre esta declaração conjunta, a Embaixadora Whyte Gómez lembrou que, quando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) foi adotado, há duas décadas, não houve também, a princípio, um grande número de adesões. Aberto à assinatura em 1968, ele entrou em vigor em 1970. Em 1995, foi prorrogado indefinidamente. Um total de 191 Estados aderiu ao TNP, incluindo os cinco Estados dotados de armas nucleares que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos). No início, era inimaginável que esses Estados fossem partes no TNP, observou a embaixadora, “mas o mundo muda e as circunstâncias mudam”. Outros países que também são dotados de armas nucleares como Índia, Paquistão e Israel nunca aderiram ao TNP. A Coréia do Norte aderiu, mas posteriormente abandonou.

A Embaixadora acrescentou que o hibakusha, sobreviventes de bombas nucleares de Hiroxima e Nagasaki, tem sido a força motriz para criação do tratado de proibição de armas nucleares. As experiências que eles compartilharam “tocam a alma humana”, disse ela, acrescentando que as negociações foram uma “combinação de razão e coração”.

A comunidade internacional tem agora, portanto, um novo marco regulatório, sem as deficiências, ambiguidades e assimetrias do TNP. O regime internacional de não proliferação nuclear, que até hoje foi baseado no TNP, terá que considerar o TPAN, queiram ou não os Estados dotados de armas nucleares e seus aliados. Sem dúvida, as regras do jogo mudarão, ainda que não se possa claramente prever hoje quais serão os reais impactos dessa mudança a curto, médio e longo prazo. Ainda que nenhuma arma venha a ser desativada no futuro próximo por causa do TPAN, o custo político de manter os arsenais nucleares irá certamente aumentar.

Comissão Preparatória para a Desnuclearização
da América Latina (COPREDAL)

Esta é exatamente a ideia do Tratado, ou seja, constituir um instrumento de pressão política, mesmo com os Estados dotados de armas nucleares não tendo participado de suas discussões e no momento não se vislumbre a
adesão de nenhum desses países a ele. O importante no caso é a “criminalização” das armas nucleares, decorrente do TPAN, similarmente ao que já foi feito pelos os tratados de proscrição de armas químicas e biológicas.

O TPAN vem se juntar aos tratados que estabelecem zonas livres de armas nucleares, como é o caso da America Latina e Caribe, pelo Tratado de Tlatelolco, no sentido de a humanidade alcançar o sonho de um mundo totalmente livre de armas atômicas. O TPAN nos traz esperança no momento particularmente difícil das relações internacionais que vivemos, no qual líderes mundiais parecem estar dispostos a “atravessar o Rubicão” nuclear como nunca estiveram desde a Guerra Fria.

O fato de o Brasil ter sido um dos países que lideraram a conferência que aprovou o TPAN tem sido motivo de orgulho para todos os brasileiros.

Sobre o autor: Leonam dos Santos Guimarães é Doutor em Engenharia, Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Sair da versão mobile