A Marinha do Brasil se preparando para o futuro




Por Marcio Geneve

O Salvamar Brasil

O Salvamar Brasil tem como uma de suas atribuições, na qualidade de Autoridade Marítima (Marinha do Brasil), a salvaguarda da vida humana nas águas jurisdicionais brasileiras (águas interiores e Oceano Atlântico) além das 200 milhas da costa, adentrando em alto mar.

Sem fazer uma análise prospectiva podemos, ao menos, inferir que a tendência é que um número maior de embarcações, seja de esporte e recreio (como previsto neste artigo https://www.nautica.com.br/mercado-2020/) ou engajadas em atividades comerciais irá singrar esta área de responsabilidade da Marinha do Brasil. Estatísticas indicam que em torno de 85% das ocorrências de sinistros são registrados em distâncias de até 50 milhas náuticas, sendo destas em torno de 75% até 12 milhas náuticas.

AviPa Marlim

A estrutura do Salvamar Brasil, que controla estas operações de SAR, tem um excelente desempenho, em particular na coordenação dos diversos meios empregados: Navios e Aeronaves de serviço da Marinha do Brasil, meios da FAB e embarcações nas proximidades dos sinistro. Uma das bases deste sistema são as Capitanias dos Portos e suas Delegacias e Agências, capilarizadas por todo território nacional, que regularizam, educam, previnem e atuam em situações de sinistros com suas embarcações de pequeno porte, comumente denominadas embarcações miúdas.

O Desafio

Frente à previsão de uma expansão do tráfego aquaviário, a Marinha do Brasil não permanece inerte. Iniciativas como as recentes ativações da Capitania Fluvial de Minas Gerais e a Delegacia de Furnas, da Agência em Caracaraí (Roraima) e Oiapoque (Amapá) e elevação da Delegacia de Macaé a Capitania demonstram todo um esforço de prover uma melhor cobertura e prevenção. Associe-se a isso a atuação de órgãos de justiça vinculados a MB como o tribunal marítimo (com reportagem recente no link https://www.nautica.com.br/tribunal-maritimo-2/) que demonstram claramente o esforço desenvolvido, cuja limitação é somente o orçamento disponibilizado para tais iniciativas.

Porém, caso se concretize a previsão de expansão da quantidade de embarcações navegando em nossas costas, a necessidade de embarcações para realizar a fiscalização e, em particular, para realizar resgate visando a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, terá que sofrer um incremento e até talvez uma especialização visando o atendimento a sinistros. Neste último tópico as embarcações do RNLI são um exemplo a ser considerado.

O RNLI

Classe Shannon

No Reino Unido, desde 1824, existe uma estrutura baseada em serviço voluntário denominada Royal National Lifeboat Institucion (RNLI). Independente da Guarda Costeira Britânica e do governo, é uma estrutura capilarizada, similar em sua distribuição à nossa estrutura de Capitanias, Delegacias e Agências, e visa atender a sinistros seja na costa, seja em enchentes.

Classe Trent

Denominados Lifeboats, suas embarcações de pronta resposta (Fast Responder) compreendem embarcações infláveis, embarcações semirrígidas e embarcações cabinadas de maior porte, distribuídas de acordo com as especificidades da missão. Recentemente, uma de suas unidades socorreu um surfista que se aventurou em tempestade Ciara (https://rnli.org/magazine/magazine-featured-list/2020/february/rnli-crews-face-storm-ciara?type=rescue), missão que no Brasil seria atribuição tanto da Marinha do Brasil quanto dos Corpos de Bombeiros Militares.

As embarcações do RNLI, em torno de 400, podem ser visualizadas no seguinte link https://rnli.org/what-we-do/lifeboats-and-stations/our-lifeboat-fleet e são divididas em duas categorias:

1- All-Weather Lifeboat (adequadas para emprego em qualquer condição de mar e vento) : embarcações cabinadas das classes Shannon, Tamar, Severn, Trent e Mersey, todas com alcance de 240 Milhas Náuticas, de elevada velocidade e equipadas com dispositivos de self-righting (auto endireitamento). Também possuem equipamentos de navegação, posicionamento e comunicações. As mais modernas utilizam um programa de gerenciamento de sistemas que permite aos operadores controlar a embarcação sem sair de suas posições, o que pode ser crucial em casos de mar mais agitado.

Classe Mersey

2- Inshore Lifeboats (adequadas para emprego em águas restritas – águas rasas, proximidades da costa, penhascos, rochas ou mesmo cavernas) : embarcações pneumáticas, embarcações semirrígidas (de até 9m) ou Hoovercraft (para áreas pantanosas), sendo algumas equipadas com dispositivos de “self righting” (auto endireitamento).

Lição aprendida

Uma lição histórica, para o RNLI, foi a ocorrida em 19 de janeiro de 1881, quando por ocasião de um naufrágio, a tripulação do Navio sinistrado ficou presa nas rochas e necessitando de resgate. Porém devido ao estado do mar era impossível lançar os Lifeboat de sua estação. Foi necessário transportá-los por terra até um local próximo do sinistro para serem lançados ao mar. Esta experiência evidenciou a necessidade de embarcações mais leves, sendo até hoje utilizadas pelo RNLI apenas embarcações de fibra de vidro ou de alumínio, inexistindo opções de aço ou PEAD. (Link https://rnli.org/magazine/magazine-featured-list/2020/january/whitby-remarkable-rescue)

Classe Tamar

Além disso estas embarcações devem ter excelente navegabilidade e serem capazes de enfrentar condições extremas de mar e vento, o que pode ser garantido pelo controle de qualidade e certificações tanto do fabricante quanto do produto.

Conclusões

A criação de um sistema similar, uma ONG por exemplo, não seria aplicável, pois já temos uma excelente estrutura constituída pelas organizações militares da Marinha do Brasil com suas Capitanias, Delegacias e Agências. O aproveitamento desta estrutura existente provendo-a com as embarcações adequadas, podendo ser mais de um tipo para um determinado local, seria um enorme ganho para a salvaguarda da vida humana no mar.

No que tange às embarcações de menor porte como pneumáticos e semirrígidos, teríamos excelentes opções junto à Zodiac Milpro, cujas embarcações são referência mundial em missões SAR. No caso das embarcações de casco semirrígido Zodiac Milpro as opções vão de 4 a 13 metros, com vários opcionais e funcionalidades. Estas embarcações poderiam substituir, com menor custo e performance similar, as embarcações cabinadas “All Weather” empregadas pelo RNLI. Um exemplo são as Zodiac Milpro modelo Hurricane ZH-920 empregadas para SAR pela Prefectura Naval Argentina desde 2004.  (vide http://patrullerasargentinas.blogspot.com/2009/07/lanchas-guardacostas-clase-hurricane.html?m=1).

Zodiac ZH-920

Já no caso das embarcações cabinadas, uma opção seriam as embarcações do estaleiro francês OCEA, com larga experiência em construção de navios de alumínio de até 90 metros, que poderiam ser objeto de uma parceria para desenvolvimento de projeto e construção no Brasil.

O provimento de nossa estrutura de Salvamar com estas embarcações tipo “Fast Responder”, ou “Lifeboat” na denominação do RNLI, seriam um salto para o futuro no que tange a Salvaguarda da vida humana no mar e atenderiam a faixa crítica de 50 Milhas Náuticas de afastamento da costa.

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