A ONU ante o desafio sírio

Por Renato Zerbini Ribeiro Leão

Na manhã de 14 de abril, um sábado, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se em caráter de urgência a pedido da Rússia para discutir o bombardeio realizado conjuntamente por Estados Unidos, Inglaterra e França a supostos depósitos e fábricas de armas químicas nos subúrbios de Damasco e na cidade de Horms, em território sírio, na noite anterior.

O objetivo russo seria o de aprovar uma resolução condenando o uso da força unilateral por parte daqueles gigantes militares. O governo Putin argumenta que eles armaram uma grande farsa quanto ao suposto ataque químico no distrito rebelde sírio de Douma.



Obviamente, em consequência da arquitetura onuseana, nenhuma resolução foi aprovada: aquelas três potências ocidentais, ademais da China e Rússia, ostentam o conclamado poder de veto. Ou seja, apenas uma dessas cinco potências individualmente pode vetar qualquer decisão tomada não só pelos outros quatro membros permanentes do Conselho de Segurança, mas também por qualquer outro Estado-membro da ONU.

Não há segredos. Todos os Estados-partes da Carta das Nações Unidas, tratado internacional que cria a ONU, sabem que assim funciona sua estrutura. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, composto por aqueles cinco membros permanentes e outros 10 não permanentes eleitos pela Assembleia Geral a cada dois anos rotativamente, tem como principal responsabilidade a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Ademais, é ele quem autoriza o uso da força nas relações internacionais, configurando-se no órgão internacional central na convivência harmônica e pacífica dos Estados na sociedade internacional. É o coração da paz na comunidade internacional do século 21. Porém, o fator que faz com que a paz seja bombeada para esse coração é a vontade dos Estados, e especificamente quanto a esse órgão vital a vontade dos seus cinco membros permanentes: China, Estados Unidos da América, França, Reino Unido e Rússia. E, na Síria, os interesses desses cinco contrapõem-se escancaradamente especialmente porque é ela a ligação da Rússia com o Oriente Médio, como também, pela disputa ao controle no comércio do Pacífico, novo eixo da economia mundial.

Não por isso, universalmente analisando a luz de um pensar fincado nas premissas da paz, da harmonia entre as nações e de afirmação da dignidade humana nas relações internacionais, cumpre indagar acerca da não autorização prévia do Conselho de Segurança da ONU para as operações militares realizadas pelos Estados Unidos, França e Reino Unido na Síria. Assim como há de atentar para o fato da legalidade do poder de veto no seno das Nações Unidas. Também pulula o inexorável entendimento de que esses bombardeios constituem clara violação aos dispositivos da Carta das Nações Unidas quanto à proibição do uso da força.

Nenhuma norma jurídica internacional permite recorrer ao uso unilateral da força em represália a atos cometidos no território de outro Estado contra sua população, ou mesmo em resposta a suspeitas de possuir e de usar armas de destruição massiva por parte de um Estado mergulhado em conflito interno. O art. 51 da Carta da ONU, que prevê a figura da legítima defesa e um mecanismo de notificação para o Estado que justifique ações militares recorrendo a essa figura, ou as ações militares coletivas devidamente autorizadas pelo Conselho de Segurança e amparadas pelo Capítulo VII da Carta da ONU, compõem a única exceção ao princípio basilar de proibição do uso da força nas controvérsias entre Estados.

Nos conflitos armados do século 21, apesar de tantas “armas inteligentes”, 90% das vítimas são civis.

Especificamente na Síria, com uma população estimada em 22,5 milhões de pessoas antes do conflito, hoje as estatísticas dão conta de que aproximadamente 400 mil morreram, 5 milhões fugiram do país e outras 6 milhões deixaram suas casas. O conflito sírio incapacitou 1,5 milhão de pessoas. A ONU estima que, em 2018, 13 milhões de criaturas necessitarão de algum tipo de ajuda humanitária na Síria. Portanto, a utilização de distintos armamentos, por parte de qualquer um dos atores internos ou internacionais, é um escárnio à dignidade humana e às nações civilizadas. Tal perversa realidade dá conta de que os desafios enfrentados pela ONU não envolvem apenas os dramas humanitários. Sobretudo, o que se está colocando em xeque é sua própria sobrevivência institucional e normativa. E somente os Estados podem responder a isso.

FONTE: Correio Braziliense

Sobre o autor: Ph.D em direito internacional e relações internacionais e professor de proteção internacional da pessoa humana, em Brasília


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