Antártida – A presença feminina nas bases

CC Andrea Delduque

Por Monica Gugliano

Pesquisa na Antártida é quase sempre sinônimo de trabalhos em áreas essencialmente científicas. Na última temporada do verão antártico, um projeto que entrelaça estudos em antropologia, psicologia e ciências biomédicas começou a etapa de investigação em campo, colhendo dados e fazendo entrevistas na Península Antártica, onde está a Estação Comandante Ferraz — do Brasil —, a base chilena Eduardo Frei e outras estações.

“Há 30 anos, o Brasil participa de expedições na Antártida e ainda não há estudos em desenvolvimento sobre as condições de saúde dos pesquisadores e dos militares na região”, explica a professora Rosa Maria Esteves Arantes, do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rosa Maria coordena o projeto Sobrevivendo no Limite: a Medicina Polar e a Antropologia da Saúde na Antártida, que, entre outros pontos, estuda as diferentes reações entre gêneros. “Em condições extremas aparecem questões de gênero que não são as clássicas. Queremos saber como se dão essas questões”, diz.

As diferenças entre o desempenho e o comportamento de homens e mulheres em regiões onde o ser humano é posto à prova não despertam tanto interesse de estudo como as ciências naturais, por exemplo. Mas já se sabe, por exemplo, que não há grandes discrepâncias. O que há, principalmente, são aspectos culturais que influenciam até mesmo a presença maior ou menor do gênero feminino nessas missões.

“Buscamos ampliar nosso conhecimento sobre a influência que as condições de solidão, de desamparo, podem ter nas pessoas. E aqui falamos de homens e mulheres. Por mais bem treinado que alguém esteja, cada um leva a si mesmo e a todo instante é confrontado consigo mesmo”, afirma o professor da UFMG Paulo Roberto Ciccarelli, psicólogo e psicanalista que também participa da pesquisa.

Embora o estudo ainda deva prosseguir por várias temporadas, visitando outras estações e bases, outra percepção que deve conduzir o trabalho é a de que esses locais reproduzem muito e fielmente a cultura e os costumes dos países que representam. A representação da Coreia do Sul é dirigida por uma mulher, como em outros países em que o abismo entre os sexos é menor.

O oposto também se confirma. No Brasil, pesquisadoras e cientistas se equivalem em número nos trabalhos de campo. Entretanto, não se pode dizer o mesmo nas embarcações e na Estação Comandante Ferraz. “No Brasil, apenas militares homens passam o inverno na estação. Uma mulher pode ser um fator de desequilíbrio. Há também, em alguns casos — e não digo que seja o nosso —, certa intolerância para alguns comportamentos relacionados à questão de gênero”, observa a professora Rosa Maria.

Lentamente, porém, as militares brasileiras vão galgando postos e trabalhando par a par com os homens. Nos últimos dois anos, a capitão-tenente e cirurgiã-dentista Luísa Brazão de Abreu, de 34 anos, tem provado toda sua destreza a bordo do navio Almirante Maximiano. E, como quase todos na embarcação, ela tem duas funções: maneja a broca, obturando dentes (uma proeza, considerando quanto o navio sacode) e cuida da segurança do heliponto do navio, em todas as operações de pouso e decolagem.

“Tenho imenso orgulho de estar aqui. É uma lição de vida. Não fazemos ideia, por exemplo, de quanto é agradável tomar banho sem perder o equilíbrio. Ou dormir em uma cama sem que ela pareça estar saindo do lugar, por causa do movimento do navio”, conta Luísa, uma jovem de sorriso aberto e tranquilo.

Sua colega de empreitada, a capitão de fragata médica Daniella Silva Nogueira, de 42 anos, já passou pelo Haiti (logo depois do terremoto de 2010) e pelo Chile na mesma situação. Trabalhar na medicina humanitária é tudo o que ela sonha. Estava pronta para voltar a Porto Príncipe e trabalhar no Hospital da ONU, quando foi selecionada para o Maximiano. “Não podia abrir mão dessa experiência e sei que posso voltar ao Haiti, com o término desta missão”, observa Daniella, que, além do trabalho, enfrenta os enjoos da viagem e anda sempre com cartelas de comprimidos contra o mal-estar no bolso.

Na temporada, também houve uma novidade. Pela primeira vez, uma mulher sargento embarcou no Maximiano. A primeiro-sargento Etiene Ramos Saraiva, de 41 anos, cuida de tudo no navio que diga respeito a acomodações, distribuição das andainas (nome dado às sacas que contêm as roupas para usar na Antártida) e é responsável por atender os pesquisadores no que eles precisarem. Se for necessário, carrega peso tal qual um homem. “Aqui não há diferença”, afirma.

A viagem de Punta Arenas até a Estação Comandante Ferraz teve mais duas mulheres. A pedagoga e capitão de corveta Andrea Delduque e a publicitária e primeiro-tenente Fernanda Grazziotti cuidaram dos jornalistas convidados para acompanhar a viagem no “Tio Max”.

Mãe de quatro filhos, Andrea é daquelas que se desdobram. Não em dois, mas em quatro. “A Marinha foi pioneira na admissão de mulheres. Hoje, como nossos companheiros homens, fazemos de tudo. E tem que ser assim, não queremos benefícios ou benesses por sermos mulheres. Queremos ter o respeito dos iguais.”

FONTE: Valor Econômico

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