Atlântico Sul: a nova fronteira da riqueza global

A operação das plataformas de petróleo do Pré-Sal, anunciado como o salto do Brasil para o futuro, chamou a atenção sobre a importância estratégica do Atlântico Sul para o país. Cientistas, pesquisadores e outros especialistas alertam para a necessidade de uma maior presença brasileira em uma parte do oceano que já tem forte influência do Reino Unido e atrai o interesse e a preocupação dos Estados Unidos, da Índia e da China. O grande desafio é a ocupação do mar profundo, nova fronteira da riqueza global, que tem despertado cada vez mais o interesse das nações como área estratégica.


Passagem comercial importante e reserva de recursos minerais no subsolo marinho, mapeadas com mais precisão nos útimos anos, o Atlântico Sul é também zona de acesso à Antártida, onde o Brasil entrou com atraso. “Proteger a riqueza é estratégico”, afirma o cientista político Aloysio Azevedo. “É uma questão de segurança nacional, é prioridade.”

O avanço do Pré-sal por si colocou lentes de aumento sobre o Atlântico Sul. Somente este ano, a Petrobras está instalando oito plataformas no mar para a exploração do petróleo profundo, em pontos que se encontram a mais de 200 quilômetros da costa, num arco que vai ao largo do Espírito Santo até Santa Catarina. A plataforma de Tupi, na bacia de Santos, fica a 300 quilômetros do litoral, quase no limite do tratado das 200 milhas sobre as quais o país exerce soberania.

Com as novas plataformas, o Brasil em dois anos deve ampliar em 50% sua produção de petróleo, que saltará de 2,6 para 3,6 milhões de barris por dia. É um recorde: o anterior era de 2014, quando a estatal lançou quatro plataformas ao mar. “O desafio é grande, mas factível”, afirmou o executivo de projetos de desenvolvimento da produção da estatal, Luiz Carlos Cronemberg Mendes. “Há dois anos havia um risco, por causa da crise, hoje esse risco não existe mais.”

RIQUEZAS E COMÉRCIO

Não é somente para o Brasil que a perfuração em alto mar e a grande profundidade é uma nova fronteira comercial. No Golfo da Guiné, da Guiné-Bissau até Angola, estão cerca de 7% das reservas de óleo do mundo e estima-se que uma capacidade ainda maior em águas profundas, com um potencial de produção de 15 bilhões de barris. Tal potencial chama a atenção de países dependentes de petróleo, como os Estados Unidos e a China.

Com um litoral de mais de 7.400 quilômetros, o Brasil volta-se agora para essas riquezas, que passaram a ser melhor conhecidas após estudos geológicos realizados nos ultimos 20 anos. O subsolo marinho é considerado uma nova fronteira também da mineração, tanto na plataforma continental, com a busca de metais preciosos na foz do Rio Gurupi, entre o Pará e o Maranhão, e diamantes na costa baiana, na área da foz do Rio Jequitinhonha, como em águas profundas.

Pesquisadores nos últimos anos investigam jazidas de fósforo, quase esgotado em terra e utilizado em fertilizantes e ração animal, a até 4 mil metros de profundidade na área do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, a cerca de 1.000 quilômetros de Natal. Em 2015, o Brasil recebeu autorização da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA) para prospectar e explorar comercialmente jazidas minerais submarinas ao largo do Rio Grande do Sul até 2030, por meio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). “Estamos garantindo que o país tenha recursos estratégicos no futuro”, afirmou Kaiser Gonçalves de Souza, chefe da divisão de geologia marinha do CPRM.

Por esse contrato, que colocou o Brasil no grupo de países que já fazem prospecções minerais em mar profundo como Rússia, Noruega, França, China, Alemanha e Coréia, o país pode extrair minério em uma área de três mil quilômetros quadrados na Elevação do Rio Grande, área submarina a cerca de 1.100 quilômetros da costa gaúcha. De acordo com as pesquisas, o subsolo marinho do Atlântico Sul é rico em cobalto, platina, manganês, tálio e telúrico.

Reconhecida no acordo internacional de MONTEGO BAY, a extração de minérios em águas profundas, dentro da faixa da Zona de Domínio Econômico brasileira, uma faixa oceânica de 3,6 milhões de quilômetros quadrados, só pode ser realizada pelo Brasil ou com sua autorização. Só é possível, no entanto, com o desenvolvimento da tecnologia, sobretudo pela preocupação com os danos ecológicos.

Por essa razão, a exploração de mineração deverá começar somente a partir de 2020, completados cinco anos de estudos do impacto ambiental. “A exploração comercial dos minérios no fundo do oceano teria de ser feita de forma mais restritiva, pois no mar os danos não são visíveis”, ressalta Helenice Vital, geóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Além disso, no caso do Brasil, ainda não conhecemos suficientemente o meio submerso para mensurar os prejuízos que a mineração poderia ocasionar.”

PIRATARIA RECORDE

A exploração do Pré-Sal no Atlântico Sul, por si, já representa um aumento também da navegação comercial, que inclui as principais rotas de comércio exterior, especialmente as que ligam o Brasil aos Estados Unidos, a China e o Japão. O aumento do transporte de cargas estratégicas cria também a necessidade de maior vigilância em águas profundas. Tanto as plataformas de petróleo quanto a marinha mercante sofrem a ameaça crescente da pirataria marítima, que no Atlântico Sul começou a se espalhar da Guiné para toda a costa africana, por onde passam navios cargueiros, incluindo os da Petrobras.

“Às vezes as pessoas esquecem que o Brasil tem a maior costa atlântica do mundo, que precisa ser guardada”, afirmou o ex-ministro da Defesa, Celso Amorim. “Não há como delegar isso, não só em relação a potenciais agressores ou à defesa do pré-sal, mas também em relação a temas como pirataria ou pesca predatória.”

Segundo a Organização Marítima Internacional (IMO), o Atlântico Sul é hoje o maior foco de pirataria no mundo. De acordo com o Escritório Marítimo Internacional da Câmara Internacional de Comércio (IMB), ocorreram 66 ataques de pratas a navios cargueiros no mundo no primeiro trimestre de 2018 – cerca de 50% a mais que no mesmo período do ano passado, quando foram 43 episódios, e 37 no ano anterior. Deles, 29 ataques – quase a metade – foram registrados na costa africana.

Foto EFE

O alvo foram igualmente embarcações pesqueiras, navios com cargas refrigeradas e petroleiros. No primeiro trimestre, dos 114 marinheiros tomados como reféns junto com a carga para o pagamento de resgate, 113 estavam em embarcações comerciais na costa africana. “O sequestro de petroleiros no Golfo da Guiné é causa de preocupação”, afirmou em nota a IMB. “Nesses casos, a intenção dos perpetradores é roubar a carga de óleo e sequestrar a tripulação. A detecção e rápida resposta de movimentos desautorizados de embarcações pode ajudar a dar uma resposta efetiva a tais ataques.”

AVANÇO NA ANTÁRTIDA

Entre os maiores armadores do mundo, as companhias e o governo chinês se associaram para a criação de um “colar de pérolas”, série de bases navais na costa africana que garantiriam uma futura “rota da seda marítima”, como parte de seu plano estratégico de expansão comercial no Século XXI. Já o Reino Unido, que desde o século XVIII baseou-se no Atlântico Sul em ilhas de Ascensão às Malvinas, que no início tomavam conta das frotas baleeiras, mantém seus domínios no Atlântico Sul, especialmente as Malvinas, Falklands para os Britânicos, que recuperaram seu dominio físico numa guerra na década de 1989, como bases militares.

Os britânicos usam as bases no Atlântico Sul como apoio também para suas posições na Antártida, continente considerado também cada vez mais estratégico para o futuro, e que demanda um esforço especial devido ao mar revolto, o frio e os bancos de gelo. O Brasil tem ainda pouco equipamento para atender às exigências do mar do sul. Em 2017, a Argentina recorreu à Inglaterra para pedir auxílio nas buscas do submarino ARA San Juan, cujos marinheiros ficaram presos no fundo do mar.

O Brasil foi o 29º dos atuais 53 países que compõem o Conselho Consultivo que fazem a gestão compartilhada do continente antártico, com direito a voto. Porém, ainda é um dos menos presentes. A única base brasileira, a Estação Antártica Comandante Ferraz, pegou fogo em 2012. Era para ter sido reconstruída até a virada de 2015 para 2016, mas não ficou pronta. A Marinha prevê sua conclusão para março de 2019, em colaboração com a China, onde a base foi pré-fabricada. “Dependendo das condições climáticas, espera-se que a montagem de toda a EACF seja concluída até março de 2019, com a subsequente inauguração”, afirmou a Marinha em uma nota de 27 de janeiro passado.

A Antártida possui capacidade para abastecer 70% do planeta com água potável e possui riquezas minerais como petróleo, gás, cobre e urânio. Ainda não é explorada economicamente pela sua característica de ponto de equilíbrio do ecossistema planetário. Ainda assim, as Nações economicamente mais ativas são as que já têm maior presença no continente, em número de bases e volume de operação.


Os britânicos possuem 20 bases próprias operando em solo antártico, uma em parceria com outros países, como a Noruega e a Suécia, e mais duas estações na região sub-antártica. Possuem navios de tecnologia adequada ao ambiente antático, como o HSM Protector, nau de patrulha no gelo, dotada de sofisticado aparelho de sonar para pesquisa oceanográfica, baseada nas Falklands e capaz de funcionar no mar revolto, uitlizado nas buscas do submarino argentino ARA, desaparecido no final do ano passado depois de passar pela base de Ushuaia, no extremo sul do continente americano.

Não são somente os britânicos que marcam presença no território antártico. Os Estados Unidos lá operam 14 bases próprias e uma em parceria com a Rússia. Os russos possuem mais quatro bases antárticas, assim como a China, que foi dos últimos países a entrar no continente, na década de 1980, já tem quatro estações e está construindo uma quinta.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

No governo, a percepção de que o Atlântico Sul se torna cada vez mais importante disparou um plano estratégico que inclui o seu reaparelhamento. Somente com uma Marinha dotada de navios adequados é possível evitar que interessados em minérios submersos ou nas cargas de petróleo e outros bens pirateiem o patrimônio nacional. “No Brasil, somente as Forças Armadas têm pensado estrategicamente no longo prazo”, afirma o cientista político Aloysio Azevedo.

Dois programas navais começaram a ser postos em prática. O ProSub, criado em 2009, deve lançar ao mar no próximo dia 12 de dezembro o primeiro de cinco submarinos a serem produzidos no estaleiro de Itaguaí, no Rio de Janeiro, até 2029 – o último deles com propulsão nuclear.

O ProSuper, que previa a produção ou aquisição de fragatas, corvetas e navios auxiliares em 2010, foi cancelado em 2014 com alegações orçamentárias. Em seu lugar, no início deste ano foi lançado um programa de aquisição de quatro corvetas da chamada classe Tamandaré, acima de 2.600 toneladas, para serem entregues entre 2022 e 2025. São um modelo desenvolvido por uma empresa do grupo Ficantieri a partir do Barroso, baseado numa embarcação americana utilizada no Golfo do México e por isso muito discutido nos sites especializados sobre sua capacidade de operar em condições adversas no Atlântico Sul, um dos oceanos mais agitados do planeta.

Com uma visão estreita nas dotações orçamentárias para constituir, usar e manter tal frota, o futuro econômico e político das futuras gerações de brasileiros fica ameaçado. O certo é que o desafio brasileiro no oceano hoje vai bem além do simples patrulhamento da costa. Pede barcos com tecnologia para operar plenamente em águas revoltas, nos mesmos caminhos que levavam os antigos navegantes ao mal afamado “Cabo das Tormentas”, atual Cabo da Boa Esperança, onde naufragaram tantas embarcações ao longo da História – incluindo metade da frota de Pedro Álvares Cabral, quando deixou o Brasil em sua missão de alcançar Calicute, nas Índias, em 1500. Com a diferença de que a riqueza não vem mais das especiarias do oceano Índico, e sim de lugares em que o homem, naquele tempo, ainda nem sonhava explorar.

FONTE: A República


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