Brasil: Forças Armadas reconhecidas pelo treinamento de guerra na selva

O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) já treinou 5.766 guerreiros desde 1966.

Por Cesar Augusto Modesto Borges

Se legiões de tropas estrangeiras invadissem o Brasil e tentassem ocupar os rios e vilarejos da Amazônia, os guerreiros treinados em combate na selva iriam silenciosamente avançar sobre o inimigo, usando a selva como seu aliado. Ao cair da noite, os guerreiros atacariam as bases principais do inimigo e, depois, retornariam às profundezas da selva, enquanto as tropas invasoras jamais saberiam que os peritos da selva local estavam esperando por eles.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

Na selva, um simples erro de um sodado inimigo ativa uma emboscada dos guerreiros da selva, que atacam com metralhadoras e derrubam troncos sobre a cabeça de seus adversários de cima das árvores.

Os invasores sobreviventes podem tentar solicitar ajuda, mas a mata densa impede qualquer comunicação via rádio. E, se tentarem fugir, serão detidos por dardos envenenados lançados pelos soldados indígenas nas árvores.

O cenário é um exemplo de como os guerreiros da selva, que são militares treinados pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do exército, poderiam reagir a uma invasão.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

O Exército Brasileiro criou o CIGS em 1964 depois de avaliar que lhe faltava uma unidade operacional capaz de utilizar a densa floresta amazônica do país em seu benefício. Desde então, o treinamento de guerra na selva realizado pelo CIGS é considerado o melhor de mundo.

Treinamento para combate na selva

O CIGS treina guerreiros da selva para combates irregulares, em vez de defender um ponto fixo, como fariam as unidades militares convencionais. Por exemplo, os soldados aprendem a deter os inimigos usando armadilhas e lançando ataques furtivos. Os guerreiros do CIGS aliam seu conhecimento da selva a ferramentas tecnológicas para combater na floresta.

Para os alunos, concluir o programa e ganhar o Brasão da Onça e o Facão do Guerreiro de Selva não é fácil. O curso é intensivo e ensina os membros em serviço a obter os meios necessários para sobreviverem e lutarem com sucesso.

Desde a primeira turma formada em 1966, 5.766 alunos concluíram o programa, incluindo os formandos de 2014, segundo informações do centro.

O CIGS realiza duas sessões de treinamento de 12 semanas por ano, oferecendo sete diferentes categorias de cursos de operações em selva.

“O CIGS é uma fundamental ferramenta de treinamento militar no maior e mais peculiar bioma silvícola do mundo”, diz o major Marcus Vinícius, chefe de Operações na Selva do CIGS. “Os candidatos ao curso são submetidos a avaliações médicas regulares, testes físicos e testes cognitivos.”

O programa é limitado a 100 candidatos por período de treinamento, dos quais em média 80% concluem o curso, enquanto 10% desistem, segundo o CIGS.

O processo de seleção é rigoroso e divide os estudantes em duas turmas de 50 alunos cada, comandadas por 40 instrutores – 20 oficiais e 20 sargentos.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

Realizado em seis das sete bases espalhadas por uma área de selva fechada, com 1.152 km² e 95% de índice de preservação, o curso ocorre em uma região conhecida como “Quadrado Maldito”.

O treinamento se divide em três fases: Vida na Selva, Técnicas Especiais e Operações na Selva.

A primeira fase, que ocorre na primeira semana do programa, é considerada a mais desafiadora. Os alunos aprendem a se tornar mais fortes psicologicamente, resistir a doenças tropicais e encontrar comida e água na selva. Também aprendem a identificar plantas e animais perigosos e recebem treinamento físico militar.

Na segunda fase, durante a segunda, terceira e quarta semanas, os alunos aprendem topografia, com instalar e operar antenas de comunicação, uso de explosivos, como armar emboscadas e conduzir operações utilizando helicópteros e embarcações. Nessa fase, os alunos passam muito tempo na prática de tiro, onde utilizam cerca de 1.000 cartuchos de munição.

Desafios físicos

Os alunos também precisam provar sua aptidão física ao nadar e cruzar uma parte do Rio Negro, enquanto carregam uma mochila, um fuzil e outros equipamentos.

Depois de passar pelas duas primeiras fases, os alunos concluem uma série de missões durante as semanas 5 a 10 do programa, aplicando tudo o que aprenderam até o momento.

O treinamento, um período desafiador mental e fisicamente, é concluído com uma operação real de não guerra nos municípios de Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, e em Boa Vista, no estado de Roraima.

“[Em todas as fases de treinamento, o aluno] acorda às 4h50 e recebe treinamento físico militar às 5h. Toma café da manhã às 6h, recebe instruções das 7h às 11h50, almoça ao meio-dia, recebe mais instruções das 13h às 17h50 e janta às 18h”, diz o major Vinícius. “Finalmente, recebe as últimas instruções das 19h às 22h50 e ceia, passa por inspeção sanitária (higiene pessoal) e faz manutenção do seu armamento às 23h. Dorme à meia-noite. Essa rotina se repete por 10 semanas”, resume o major.

Preparar os estudantes para o combate em selva é importante, levando-se em conta a grande área de floresta no país.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

“A Amazônia Legal é uma região que corresponde a mais da metade do território brasileiro, com aproximadamente 12.000 km de fronteira terrestre e 1.000 km de litoral”, disse o coronel Alfredo José Ferreira Dias, comandante do CIGS, à revista do Exército Brasileiro Verde-Oliva em sua edição de outubro de 2014. “Tudo isso, sob o ponto de vista militar, ressalta a importância do CIGS, que tem como principal missão especializar militares para o combate na selva, ao mesmo tempo em que realizam pesquisas e experimentações doutrinárias para a defesa e proteção da Amazônia e do Brasil.”

A origem da expressão “Selva!”

O CIGS tem uma rica e colorida história.

“Até meados da década de 1960, o Exército Brasileiro não dispunha de tropas nem militares especializados em combate na selva”, diz o major Vinícius. “Tal fato ficou claro diante da enorme dificuldade para realizar o resgate dos corpos das vítimas de um acidente aéreo com o avião Constellation, da Panair Brasil, em 1962. Morreram 50 pessoas e a operação durou mais de uma semana.”

A escola atualmente fica na mesma área onde ocorreu o acidente. Dois anos depois de seu estabelecimento por decreto presidencial, o CIGS realizou seu primeiro curso de treinamento, com uma turma para oficiais e outra para subtenentes e sargentos do Exército. O então major de artilharia Jorge Teixeira de Oliveira, conhecido como Teixeirão, foi o primeiro comandante do CIGS e tornou-se o patrono da escola.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

“O Exército foi muito feliz na escolha do major Teixeira para o primeiro comando. Ele servia no Núcleo de Divisão Paraquedista, foi mandado ao exterior e, ao voltar, criou o CIGS do nada”, diz o coronel Nilton Correa Lampert, 11º comandante e aluno da primeira turma do CIGS.

O major Teixeira criou a expressão “Selva!”, que é usada pelos soldados do exército no Amazonas. É usada tanto para saudação como advertências.

Em 1969, o CIGS foi dividido em três categorias iniciais: A (para oficiais superiores), B (para capitães e tenentes) e C (subtenentes e sargentos). Em 2010, foi ampliado com as categorias D (subtenentes e primeiros-sargentos), E (oficiais de saúde), F (subtenentes e sargentos de saúde) e G (cadetes).

Além do exército, participam do curso combatentes da Marinha, da Força Aérea, forças auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) e oficiais militares de 28 nações parceiras, incluindo as Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos.

O oficial de Operações Especiais de Garantia dos EUA Javier Alejandro, do 7º Grupo de Forças Especais (Aéreas), de Fort Bragg, Carolina do Norte, formou-se no exigente curso em 2009.

CIGS Foto Mauricio Lima NYT

Selecionado por sua fluência em português, o experiente Green Beret foi privilegiado e honrado a ser indicado para o curso, segundo o site news.soc.mil, das Operações Especiais dos EUA.

“Uma vez no Brasil, soube que a maioria dos oficiais que frequentaram o treinamento tinham treinado mais de seis meses para estar prontos para o curso”, diz Alejandro. “[O curso] exige muito fisicamente, e o fato de não estar acostumado com o clima [temperatura média de 32º C e 80% de umidade] poderia determinar se você passaria pela primeira semana de treinamento.”

O site do Comando de Operações Especiais destaca que a oportunidade de Alejandro treinar próximo de colegas brasileiros foi valiosa para expandir a importante relação entre as Forças Armada de Brasil e EUA.

Ao todo, 26 forças militares de outros países participaram do curso de Guerra na Selva, com um total de 444 formandos internacionais, segundo reportagem do site brasileiro G1. Desses, 15 são de países vizinhos das Américas, incluindo Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Estados Unidos e Uruguai.

FONTE: Diálogo Américas

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