Escola de Guerra Naval: um centro para os altos estudos do mar

contra-almirante Almir Garnier Santos
contra-almirante Almir Garnier Santos

“Esquadras não se improvisam”. A frase, do jurista Ruy Barbosa, sintetiza o objetivo da Escola de Guerra Naval (EGN): preparar os oficiais da Marinha do Brasil da melhor forma possível. Localizada na Urca, Zona Sul do Rio, a instituição é responsável pelo aperfeiçoamento e qualificação dos oficiais da Marinha, ministrando cursos em nível de pós-graduação.

Em fevereiro próximo, completa 100 anos. E, neste marco histórico, abrirá suas portas aos civis. Também em fevereiro de 2014, terá início o curso de mestrado profissional em Estudos Marítimos. Pioneira no Brasil, a iniciativa reunirá civis, militares brasileiros e militares estrangeiros em torno do estudo dos desafios que se colocam para o país diante das riquezas encontradas nos mares do país, como petróleo, metais, biodiversidade marinha e muitas outras.

Quem apresenta a instituição aos leitores da FOLHA DIRIGIDA é o contra-almirante Almir Garnier Santos, diretor da instituição.

Na entrevista, o militar explica quais são os cursos oferecidos pela EGN, retrata a sua missão e fala da expectativa em receber civis que, na sua avaliação, ajudarão a “oxigenar” o corpo docente da instituição, que capacita aproximadamente mil profissionais a cada ano.

FOLHA DIRIGIDA – Em fevereiro de 2014, a Escola de Guerra Naval comemora seu centenário. O que os brasileiros têm a comemorar nessa data?

Contra-almirante Almir Garnier Santos – Os brasileiros têm muito a comemorar. A Escola de Guerra Naval é a instituição responsável pela formação em nível de pós-graduação de todos os oficiais da Marinha, em assuntos de caráter naval, estratégia militar naval, visão de futuro e habilidade gerencial. Os oficiais da Marinha passam a sua vida em aperfeiçoamento. Eles são formados na Escola Naval ou no Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (Ciaw). Depois, fazem um curso técnico em áreas como Eletrônica, Máquinas, Aviação e várias outras. A partir do momento em que o curso não seja técnico ou tático, ou seja, de emprego de um equipamento ou de uma arma, aquilo que dará ao oficial conhecimentos para o resto de sua trajetória profissional é ministrado na Escola de Guerra Naval. Somos responsáveis pelos cursos de pós-graduação de capitães-tenentes, de capitães de corveta e de capitães de mar e guerra de todos os corpos e quadros da Marinha. Temos, aproximadamente, mil oficiais por ano sob a nossa égide. Isso é importante para a Marinha, pois seus oficiais ganham visão de futuro. A Marinha do Brasil é a responsável por garantir a proteção das nossas riquezas no mar e por proteger os nossos cidadãos em terra. Todas as vezes em que o Brasil teve algum tipo de conflito ou luta de interesse, eles aconteceram pelos mares ou pelos rios, e a Marinha esteve envolvida. A Marinha teve importante participação na integração nacional e no apoio à manutenção de nosso território, que é muito vasto.

Qual é a importância da instituição para a Marinha?

Ao longo de seus 100 anos, a Escola de Guerra Naval consolidou uma doutrina de pensamento estratégico naval próprio, brasileiro; adaptando doutrinas estrangeiras e desenvolvendo nossas diretrizes. Isso faz com que a nossa Marinha seja respeitada mundialmente, apesar de ter recursos de pessoal e materiais menores do que as demandas de nossa nação — a nossa “Amazônia Azul” tem a mesma extensão da nossa “Amazônia Verde” — e de nossos compromissos internacionais. Prova disso é que o comandante da Força Tarefa Marítima da Organização das Nações Unidas (ONU), no Líbano, é um almirante brasileiro. Há uma fragata com cerca de 200 tripulantes apoiando essa iniciativa. Temos nossa capacidade reconhecida por todas as grandes marinhas do mundo, com quais as quais falamos de igual para igual. Os brasileiros devem se sentir muito felizes em ter essa instituição mantendo a qualificação dos profissionais da Marinha que ajudam a proteger o nosso país e o nosso povo.

O senhor poderia explicar para os nossos leitores o que é a “Amazônia Azul”?

A “Amazônia Azul” é um conceito derivado da Convenção da Jamaica (1982), do qual o Brasil é signatário. Esse tratado define a jurisdição, ou seja, o papel de cada nação marítima, costeira, em suas águas litorâneas. É como se o povo brasileiro tivesse, em seu território, uma extensão nas águas afastada até 12 milhas de suas costas. Existe, também, um grau de soberania relativo numa distância de até 300 milhas da terra. E nessa questão, a Marinha tem um papel preponderante. Todo o pré-sal brasileiro está a mais de 200 milhas do nosso litoral. E para que a ONU e as diversas nações mundo reconhecessem que essas áreas estão sob nossa jurisdição, que o Brasil tem direito a explorar essas riquezas, a Marinha teve que apresentar dados geofísicos, de batimetria, de sondagem, para uma comissão da ONU. A “Amazônia Azul” é essa área litorânea, marítima, próxima às nossas costas que, em alguns casos, vai a uma distância de 300 milhas. Essa faixa nos permite sermos donos de uma riqueza incalculável. Além do petróleo, temos minérios, nódulos polimetálicos no fundo do mar, diversas espécies de peixes. Temos também o controle do trânsito de navios mercantes nessa área, o que representa um grau de riqueza elevado, devido ao valor do frete e das transações comerciais. Em termos de extensão, a “Amazônia Azul” ocupa praticamente a mesma área da floresta amazônica, ou seja, da “Amazônia Verde”, correspondendo a 3,5 milhões de quilômetros quadrados.

O senhor poderia contar aos nossos leitores os principais momentos da história da instituição?

A nossa instituição sempre acompanhou as mudanças tecnológicas. Quando as marinhas começaram a sair da vela para o emprego de máquinas a vapor, em um período pós revolução industrial, as táticas mudaram. Da mesma forma, com o emprego de equipamentos eletrônicos em embarcações, como radares e a comunicação por satélite, as táticas e as formas do pensar estratégico foram afetadas. E a tecnologia muda tudo. Acompanhamos essas mudanças e ajudamos o Estado-Maior da Armada (EMA) a adotar as doutrinas e as estratégias adequadas em cada contexto. Um de nossos momentos marcantes foi quando desenvolvemos um sistema de jogos para treinamento militar, em 1985. Fomos pioneiros no país. Toda essa tecnologia foi desenvolvida por brasileiros da Marinha. Hoje, temos jogos de empresas. Mas eles foram derivados dos jogos de guerra. Em 2003, criamos um novo sistema de jogos que substituiu o de 1985.

E que outros trabalhos da instituição o senhor destacaria?

Outro aspecto importante de nossa trajetória é o envolvimento no projeto de construção do submarino a propulsão nuclear do Brasil. O país vem fazendo um investimento elevado nessa questão. Esse submarino é uma arma de caráter estratégico muito importante. Qual é a melhor maneira de usarmos esse tipo de desenvolvimento tecnológico complexo e caro? A Escola de Guerra Naval tem papel preponderante nessas discussões. Formamos os oficiais que, mais tarde, decidirão os rumos desta ação: o comandante da Marinha, o chefe do Estado-Maior da Armada, todos os almirantes passaram por aqui. E, na Marinha, fazemos planos para longo prazo. Nosso submarino está sendo gestado há muitos anos e nosso planejamento se estende até 2050. Nos dias de hoje, temos também uma preocupação com a guerra cibernética. Estudamos o papel da tecnologia. Discutimos a relação entre o futuro das marinhas e a segurança da informação. Um dos grupos de estudo de nossos capitães de mar e guerra, que é o nível de formação mais elevado que temos, apresentará ao comandante da Marinha e a todos os nossos almirantes, no dia 13 de novembro, um estudo desenvolvido ao longo desse ano, abordando vários temas. E um dos tópicos será: qual é a estrutura que a Marinha deve ter para bem conduzir ações ligadas ao ambiente cibernético? Estamos acompanhando as mudanças do mundo.

Os cursos da EGN são destinados aos profissionais da Marinha. Que tipo de capacitação é oferecida a esse pessoal?

Em nossos cursos presenciais, temos a formação de capitães-tenentes, que é um curso de Estado-Maior para oficiais intermediários. Nessa fase, eles aprendem duas vertentes básicas: Administração da própria Marinha e Planejamento Militar Naval. No nível de capitães de corveta, temos o curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores, no qual os profissionais fazem um MBA, um curso de especialização em Gestão Empresarial ministrado pelo Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Coppead/UFRJ, em parceria conosco. E, ao mesmo tempo, eles fazem um curso de Planejamento Militar Conjunto, integrados com profissionais do Exército e da Força Aérea. E no nível dos capitães de mar e guerra, temos o curso de Política e Estratégias Marítimas, com as seguintes vertentes: Gestão Internacional — um curso de especialização voltado para as relações internacionais ministrado pela Coppead/UFRJ — e o curso de Política e Estratégia Marítima, com foco no estudo das grandes questões históricas e grandes crises nacionais, com prospecções de políticas para o futuro. E temos ainda outros cursos a distância.

Que cursos são oferecidos a distância pela Escola de Guerra Naval?

Oferecemos dois cursos a distância para oficiais do Corpo de Saúde e do Quadro Técnico. Eles não fazem os cursos acima mencionados, mas fazem cursos de Gestão de Saúde, Gestão Hospitalar e Gerência de Administração. Coordenamos esses cursos. As provas e as palestras mais importantes são feitas na nossa sede. Nos cursos presenciais, recebemos os oficiais de todo o Brasil. E, nos cursos a distância, os profissionais permanecem em suas regiões, vindo aqui apenas para eventos muito pontuais: quase não há deslocamento. Antes da internet, a Marinha já trabalhava com educação a distância, por correspondência. Mesmo porque muitos profissionais encontram-se em navios e precisam fazer o curso a distância. Temos oficiais em vários países que também fazem os cursos de cada etapa de sua carreira.

Como é feita a interação acadêmica com o Exército e a Aeronáutica?

Existem planejamentos conjuntos. Posteriormente, realizamos jogos nos quais verificamos aquilo que não deu certo. Os alunos são orientados a partir desse ciclo. Hoje, o Ministério da Defesa promove o Curso Superior de Defesa, cuja carga horária é de 280 horas por ano. É como se fosse um curso dentro do curso de mais alto nível nas três escolas militares que aperfeiçoam os oficiais. O nosso é o Curso de Política e Estratégia Marítimas (Cepem), oferecido a capitães de mar e guerra. As escolas do Exército, da Aeronáutica e a própria Escola Superior de Guerra (ESG) têm formação nesse nível. Existe uma grade curricular comum a esses três cursos. Algumas aulas são conjuntas, como o Estudo de Crises, que podem ser crises político-estratégicas ou crises internacionais. Existem viagens de estudo também.

A EGN também costuma oferecer vagas em seus cursos para profissionais da Marinha de outros países. Quais são os principais países que nos visitam?

Comumente, temos dez oficiais-alunos de marinhas amigas que fazem o nosso curso do nível de capitães de corveta. É claro que há uma grande preponderância de americanos, sejam sul-americanos, sejam norte-americanos, sendo os sul-americanos mais presentes. Temos também muitos oficiais do continente africano. A Marinha do Brasil tem muita relação com a Namíbia, Angola, África do Sul e Moçambique. Mas já recebemos oficiais da Índia, da Itália e de outros países.

A EGN lançou o seu primeiro mestrado profissional, abrindo esse curso a participação de civis. Por que a instituição tomou essa iniciativa?

Com maior conhecimento das riquezas presentes em nossa “Amazônia Azul”, a sociedade certamente vai precisar de profissionais que conheçam bem esse ambiente. E, ao conversar com expoentes da universidades parceiras para as quais mandamos oficiais da Marinha — a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e muitas outras —, foi percebida uma lacuna na oferta de estudos do mar com vistas a preparar profissionais mais qualificados para atuar nessa área. Isso talvez explique, sob certo ponto, o interesse dos alunos nesse mestrado profissional. E a Marinha se beneficia do conhecimento que o país venha a ter sobre o seu mar. A Marinha não é dona do mar: é a sentinela dos mares brasileiros. Quanto mais o Brasil conhecer e usufruir das riquezas da sua “Amazônia Azul”, mais o papel da Marinha será entendido por todos os brasileiros e mais nós teremos a contribuir com a nação brasileira. Apostamos nessa difusão de conhecimento marítimo. Nós também gostamos de oxigenar o nosso corpo docente. E, no momento em que tivermos, aqui, alunos civis com visões próprias de sua área de conhecimento — enxergamos a perspectiva de profissionais da Petrobras em nossos cursos e também de diplomatas, por que não? —, teremos de estar melhor sintonizados com demandas de outros setores da sociedade que oxigenarão o nosso corpo docente e farão com que melhoremos a nossa capacidade para os próprios alunos da Marinha. Percebemos um processo simbiótico onde todos os partícipes podem se beneficiar.

Quantos professores a EGN tem em seus quadros? Eles são militares ou civis?

Aqui fazemos uma distinção de tratamento. Os docentes militares são tratados de instrutores; os civis são chamados de professores. Temos poucos professores civis. São poucos, mas muito bons. Temos dificuldades de contratação de civis pois necessitamos fazer concursos públicos. Temos apenas três professores civis em nossos quadros efetivos. Os demais civis são oriundos de universidades renomadas citadas anteriormente, com as quais temos convênios. Contamos com aproximadamente 30 instrutores, muitos com mestrado e 12 com doutorado.

De que tipo de instalações e laboratórios a instituição dispõe?

Na temática de Estratégia e Política Naval e de Relações Internacionais com foco no ambiente marítimo, evidentemente, a nossa biblioteca é uma das melhores do país. Além disso, ela faz parte da Rede de Bibliotecas Integradas da Marinha (BIM), que, por sua vez, se integra à Rede de Bibliotecas do Ministério da Defesa (Rebimd), que reúne dezenas de outras bibliotecas. Temos o Centro de Jogos de Guerra, um espaço de quase dois mil metros quadrados, com um sistema computacional de primeiro nível, equivalente aos melhores sistemas de guerra mundiais, desenvolvido pelo Centro de Análise de Sistemas Navais (Casnav). Uma iniciativa mais recente é o Laboratório de Simulações e Cenários, fortemente apoiado em intercâmbios com várias universidades brasileiras, recebendo alunos de graduação, mestrado e doutorado. Temos um auditório com capacidade para 500 pessoas. Dispomos de várias salas de aula, salas de debate orientado e salas de estudo em grupo, além do Centro de Estudos Político-Estratégicos (Cepe).

E qual é a agenda para a comemoração do centenário da EGN?

A Escola de Guerra Naval (RGN) completará 100 anos no dia 25 de fevereiro de 2014. Na véspera, teremos o lançamento de placa, selo e moeda comemorativos. E, provavelmente, teremos a presença do ministro da Defesa, que deve fazer uma conferência. Fecharemos a noite com a Banda Sinfônica dos Fuzileiros Navais. Teremos, certamente, a presença do Comandante da Marinha, no dia 25, quando ocorrerá uma cerimônia militar, na qual haverá a entrega de prêmios aos primeiros colocados de alguns cursos que fizemos ao longo de um período, além das tradicionais formaturas. E, ao longo de 2014, teremos seminários orientados para debater a evolução do pensamento estratégico-naval nos últimos 100 anos. Faremos, ainda, ações de divulgação da nossa logomarca dos 100 anos, tanto para a comunidade militar quanto para as universidades.

FONTE: Folha Dirigida – Alessandra Moura Bizoni

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