Exército brasileiro treina militares estrangeiros na floresta amazônica

Na primeira fase do estágio, os estrangeiros aprenderam técnicas de sobrevivência na selva, desde como obter comida e água até se proteger de animais peçonhentos. (Foto: Exército Brasileiro)

Por Andréa Barretto

De 30 de novembro a 2 de dezembro, Manaus, capital do estado do Amazonas, sediou o Seminário Internacional de Operações na Selva. O evento reuniu representantes militares brasileiros e de outros paises como também de empresas brasileiras e estrangeiras que desenvolvem tecnologias militares.

Na segunda fase do estágio, houve treinamento de tiro, além de atividades de deslocamentos dentro da selva e dos rios. (Foto: Exército Brasileiro)

 

Tendo como principal apoiador o Comando Militar da Amazônia, o seminário não é a única atividade internacional deste ano a colaborar para o intercâmbio de conhecimentos e experiências sobre ações militares na selva.

Durante 33 dias, de 12 de setembro a 14 de outubro, 21 homens provenientes de 15 nações, incluindo Estados Unidos e Canadá, encararam os desafios de cumprir missões em um ambiente único no mundo, a floresta amazônica. A experiência foi proporcionada pelo primeiro Estágio Internacional de Operações na Selva (EIOS), realizado pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), unidade subordinada ao Comando Militar da Amazônia.

Os instrutores do CIGS participaram do Seminário Internacional de Operações na Selva com o objetivo de fazer relatórios das apresentações. “Estaremos presentes para acompanhar o que for tratado e depois estudar o que pode ser adaptado para a nossa aplicação em nossos cursos e estágios do CIGS”, afirmou o Capitão Charles Araújo, coordenador do EIOS.

Estágio internacional forma combatentes de selva

Combatentes de selva. É esse o título que agora carregam no currículo os militares estrangeiros que concluíram o primeiro Estágio Internacional de Operações na Selva.

“A selva é algo muito grande, ela assusta pelo tamanho. O clima é extremamente úmido e quente e isso é uma grande dificuldade para os estrangeiros. Eles também têm muito temor das doenças”, contou o Tenente Coronel Alexandre Amorim de Andrade, chefe da Divisão de Doutrina e Pesquisa do CIGS. “Mas, acima de tudo, está o medo do desconhecido, porque eles não sabem se localizar dentro da selva e tirar dela proveito, comida e água”, completou o Ten Cel Amorim, responsável por uma parte das atividades do EIOS.

A fim de munir os militares estrangeiros com as capacidades necessárias para superar os temores e operar em boas condições na floresta, o estágio foi organizado em três etapas: vida na selva, técnicas especiais e operações.

“A gente entende que essa é uma sequência didática de informação a ser fornecida ao militar. Primeiro, é preciso aprender a sobreviver na floresta, depois é preciso conhecer as técnicas necessárias para operar ali e, no final, é preciso saber como usar essas técnicas em situações táticas dentro desse ambiente”, detalhou o Cap Charles.

Todas as fases foram desenvolvidas dentro do campo do CIGS, um espaço com 1.152 quilômetros quadrados – duas vezes o tamanho da área urbana de Manaus – e sete bases de instrução localizadas dentro da floresta e equipadas com alojamento, cozinha e salas de apresentação.

Do aprendizado à ação – etapas do curso

O módulo sobre vida na selva, fase inicial do estágio internacional, consistiu basicamente em aprender como obter água e fogo, como fazer uma armadilha para caçar, como identificar os alimentos de origem vegetal que podem ser ingeridos, como montar um abrigo para dormir e como se proteger dos animais peçonhentos, informou o Capitão Luís Gustavo da Silva, oficial de Comunicação Social do CIGS.

Já a segunda fase se concentrou em transmitir conhecimentos sobre deslocamentos terrestres, fluviais e aeromóveis.

“O grande diferencial do CIGS é o ensino sobre a orientação na selva. Geralmente, os estrangeiros estão acostumados a usar apenas o GPS para se orientar durante os deslocamentos, mas na Amazônia a gente não pode ficar dependente dessa tecnologia”, disse o Cap Charles.

Ele explica que, na floresta, é muito recorrente ter problemas de funcionamento de qualquer meio eletrônico, mesmo os mais modernos, por conta das chuvas e da cobertura vegetal, que impede a recepção de dados enviados por satélite.

Por isso, os brasileiros lançam mão também de um outro objeto, considerado ultrapassado pelos estrangeiros: a bússola. “Apesar de acharem que é um material obsoleto para uso em deslocamentos por longas distâncias, no decorrer do curso eles se convencem de que a bússola é necessária”, acrescentou o Cap Charles. “Além disso, ensinamos técnicas para andar dentro da selva e para se locomover pelos rios. Isso é fácil para a gente, porque conhecemos o terreno.”

Entre as técnicas fluviais que foram transmitidas pelo EIOS está a chamada natação utilitária, que ajuda o militar a atravessar as águas carregando todo o seu pesado equipamento – mochila, armamento, munição etc. Há também a técnica conhecida como espinha de peixe, que se refere a um modo de se organizar dentro d’água tendo cordas como guia. No estágio, os participantes do curso tiveram que experimentar essa técnica à noite, durante uma travessia que acabou durando quase uma hora.

Sobre os deslocamentos aeromóveis, o Cap Charles disse que eles são essenciais nas missões em ambientes de mata fechada como o da Amazônia, por isso o treinamento de desembarque de aeronaves foi incluído na grade do curso. “Aqui, a logística, o transporte de tropas, o resgate de pessoas feridas, enfim, as diferentes atividades dependem, quase todas, de uma aeronave ou de uma embarcação, sendo que a aeronave é bem mais ágil”.

Durante alguns dias, os militares estrangeiros testaram as técnicas de fast rope, rapel e helocasting para desembarcar de helicópteros.

Búfalos foram usados para transportar os equipamentos dos militares em alguns trechos do treinamento. Além de suportarem bastante base, esses animais não se assustam com o barulho de tiros e bombas. (Foto: Exército Brasileiro)

 

Usando a técnica do fast rope, o militar tem que deslizar por uma corda preparada, que não queima as mãos, descendo da aeronave muito rapidamente. Já o rapel serve para situações em que se tem menos restrição de tempo para o desembarque. Além disso, “com o rapel a gente pode descer de altitudes bem maiores. Aqui, usamos muito o rapel para fazer resgate de feridos na selva e nas patrulhas de fronteira, para conferir os marcos”, afirmou o Cap Charles.

O helocasting é a técnica em que o militar salta no rio direto da aeronave. “A gente faz dessa forma quando não temos nenhum local de pouso nem de toque na beira do rio. Com isso, o militar cai na água, nada e depois segue por terra para cumprir a missão”, contou o coordenador do EIOS.

Durante a segunda fase da preparação dos estrangeiros, houve também o treinamento de tiro, quando foram usados os fuzis I A2, novos armamentos recebidos pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva. De acordo com o Cap Charles, esse armamento tem a vantagem de ser mais leve e possibilitar que cada militar carregue mais munição com o mesmo peso que era levado antes.

Aplicação dos conhecimentos

A terceira etapa do Estágio Internacional de Operações na Selva foi finalmente a de operações, dividida em duas partes. Inicialmente, os estagiários tiveram que ir para a sala de aula para conhecer a metodologia de planejamento de operações empregada pelo Exército brasileiro. Essa atividade durou dois dias.

Depois, os participantes receberam as instruções sobre o contexto hipotético no qual se desenvolveria a operação, como explicou o Cap Charles: “o cenário macro era de uma ação transnacional, envolvendo o Brasil e outro país vizinho, que de modo coordenado teriam que atuar na faixa de fronteira contra um grupo adverso que havia invadido o território brasileiro. No Exército, nós chamamos esse tipo de missão de operação contra forças irregulares”.

Dentro desse contexto geral, foram pensadas três operações, com missões específicas que se tornavam cada vez mais complexas: realizar uma patrulha de emboscada contra o grupo inimigo; fazer a interdição de um depósito de suprimentos clandestinos escondido na selva; e capturar uma liderança do outro grupo usando diferentes recursos militares.

Cada uma dessas operações teve seu planejamento desenvolvido pelos próprios estagiários estrangeiros, que se dividiram em papéis de comando e papéis mais operacionais. O desempenho dos alunos foi considerado muito bom pelo coordenador do curso.

“Os estrangeiros conseguiram se sair muito bem dentro da situação que foi simulada de forma coerente com o que pode acontecer na selva e conseguiram lidar com as características do ambiente em cima deles, que é o mais significativo. Não é fácil encarar a dificuldade das comunicações, o calor intenso, a umidade absurda, as chuvas constantes e as incertezas do ambiente”, acrescentou o Cap Charles.

Troca de conhecimentos e experiências

A portaria de criação do Estágio Internacional de Operações na Selva estabelece como objetivos dessa iniciativa não só proporcionar a capacitação de militares de nações parceiras para o combate na selva, mas também fazer com que o estágio seja um momento de intercâmbio de conhecimentos e experiências entre os participantes e o Exército brasileiro.

Isso se deu de forma espontânea, no decorrer dos exercícios e do convívio entre os participantes e a equipe do CIGS, mas foi estimulado de forma mais específica por meio das interações doutrinárias.

Essas atividades ocorreram no tempo de meia jornada, sempre no dia anterior ao começo de cada uma das três fases do estágio. Nelas, os instrutores do EIOS apresentavam uma determinada situação, para a qual os participantes tinham que dar uma solução, de acordo com a doutrina militar de seu país. Cada um tinha um tempo para falar, enquanto os outros podiam intervir e tirar dúvidas.

“Depois, era a vez de nós brasileiros apresentarmos como fazemos aqui para resolver aquelas mesmas situações apresentadas”, contou o Ten Cel Amorim, que ficou à frente das interações doutrinárias. “Tivemos a oportunidade de trocar experiências distintas entre os Exércitos e travar contato com doutrinas de toda a parte do mundo”, avalia o Ten Cel Amorim, que conta também que o aprendizado conquistado nesses momentos de intercâmbio foram sistematizados em relatórios e discutidos com a equipe do CIGS.

“É possível que algumas experiências sejam absorvidas e implementadas no nosso Curso de Operações na Selva e também que sejam apresentadas ao Estado Maior do Exército, de forma a aprimorar a doutrina militar terrestre”, concluiu o Ten Cel Amorim.

Curso de Operações na Selva e o CIGS

O Centro de Instrução de Guerra na Selva é uma unidade do Exército subordinada ao Comando Militar da Amazônia, ambos com sede em Manaus.

O CIGS foi criado em 1964. Dois anos depois, realizou o seu primeiro Curso de Operações na Selva, voltado apenas para militares brasileiros. “Já passaram por esses cursos 6.063 militares, entre homens e mulheres. O objetivo é capacitar militares que vêm servir no norte do país, para que eles possam difundir o conhecimento adquirido aqui entre os outros militares da unidade de selva onde vai trabalhar”, contou o Capitão Luís Gustavo, oficial de Comunicação Social do CIGS.

Com o passar do tempo, o curso do CIGS ganhou fama internacional e começou a chamar a atenção de militares estrangeiros, para os quais foi aberta a oportunidade de participação. “Já foram formados 490 estrangeiros nos Cursos de Operações na Selva, além dos 21 que passaram este ano pelo EIOS”, detalhou o Cap Luís Gustavo.

Mas o Estágio Internacional de Operações na Selva é uma novidade de 2016. É a primeira vez que o CIGS realiza um curso voltado especificamente para estrangeiros, ministrado em inglês do começo ao fim. Para o próximo ano, já há a previsão de participação de 55 militares estrangeiros.

FONTE: Dialogo Américas

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