Por Cristian Klein
A apresentação causou polêmica no evento — organizado pelo centro de estudos FGV Crescimento & Desenvolvimento — quando a sessão foi aberta a perguntas. O pesquisador André de Mello e Souza, do Ipea, questionou a necessidade de grandes investimentos militares, uma vez que a situação geopolítica brasileira seria bem diferente à da China, por exemplo, que faz fronteira com Índia e Rússia. Sem vizinhos que representem ameaças na América do Sul, o Brasil não poderia se dar ao luxo de aumentar os gastos militares enquanto ainda há enormes deficiências em serviços públicos como saúde e educação.
Octavio Amorim respondeu que o país não precisa ter como meta ser uma grande potência militar — como Estados Unidos, Rússia ou China — mas deveria se preocupar em pelo menos alcançar um padrão chileno ou colombiano de investimento militar — o que ainda não é o caso.
Em sua apresentação, Amorim destacou que o gasto militar brasileiro em 2014 representou 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os de Rússia, Índia, China e África do Sul foram, respectivamente, 4,5%, 2,4%, 2,06%, 1,2%. Em relação ao total de gastos do governo central, o percentual do Brasil é o menor dos Brics, 3,4%, menos de um terço dos 11,7% destinados para a área na Rússia.
O cientista político também citou a baixa prontidão das Forças Armadas brasileiras: em 2011, dos 98 navios da Marinha, apenas 48 (48%) estavam aptos para ação; dos 1.953 tanques do Exército, só 1.079 (55%) estavam em condições para operação; e dos 208 caças da Aeronáutica, 85 (41%) podiam ser utilizados.
O mediador da mesa, o pesquisador e professor Pedro Ferreira, também da FGV, ressaltou que metade dos serviços públicos brasileiros, como escolas e hospitais, também não funciona.
Na apresentação, Amorim já havia destacado que argumentos como estes — vizinhos fracos ou escassez de recursos — fazem parte da visão dovish, um neologismo a partir da palavra pombo em inglês (dove), em contraste com uma postura hawkish (derivada de falcão), que defende uma política militar mais atuante. A perspectiva dovish seria a tônica do Ministério das Relações Exteriores. “Isso tem a ver com um estigma porque tivemos uma ditadura militar, mas está se tornando um problema pelas ambições internacionais do Brasil”, disse Amorim, que lançou mão da frase de Bismarck para comparar as pretensões
nacionais atuais com as da Itália antes da Primeira Guerra Mundial.
Oliver Stuenkel, pesquisador do CPDOC da FGV, em São Paulo, lembrou que mesmo na diplomacia o papel do Brasil é acanhado. “Temos umas 80 pessoas na embaixada em Pequim, quando seriam necessárias pelo menos umas 150. A representação americana tem mais de mil”, disse.
Do auditório, uma participante revelou seu total apoio à visão hawkish e associou a falta de maiores investimentos militares ao governo federal liderado pelo PT, o qual classificou de projeto comunista em andamento. Da mesa, Jonathan Fenby, especialista em China da consultoria Trusted Sources, em Londres, foi irônico: “Pela nossa experiência, não acho que os comunistas sejam contra o poder militar”.
FONTE: Valor Econômico