Invasão a quartel na Venezuela expõe fissuras nas Forças Armadas

Crise na Venezuela – Foto: Ronaldo Shemidt/AFP

Por Marina Gonçalves

Uma rebelião fracassada em um quartel na cidade de Valência — que acabou com duas pessoas mortas e oito detidos — colocou em xeque a estabilidade dentro da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e fez com que o governo do presidente Nicolás Maduro se pronunciasse, acusando a oposição pelo “ataque terrorista”. A invasão aconteceu na madrugada de domingo, quando 20 homens uniformizados e armados, liderados pelo ex-capitão Juan Caguaripano, invadiram o Forte Paramacay, na segunda maior cidade do país, a 160 quilômetros de Caracas.

O assalto à base, a mais importante de blindados do país, foi comandado pelo ex-capitão da Guarda Nacional Juan Caguaripano, foragido desde 2014 e acusado de rebelião e traição. De acordo com fontes militares, Caguaripano conseguiu convencer uma parte da tropa a esvaziar o depósito de armas e tomar algumas zonas da instalação militar. Ele conseguiu fugir do local, com parte das armas e munições.

Rocío San Miguel, especialista em questões militares e diretora da ONG Controle Cidadão, chamou o episódio de um “falso positivo”, que poderá fortalecer o governo. Segundo ela, é provável que o movimento tenha sido detectado dias antes pelo comando das Forças Armadas, que teria deixado prosseguir e se preparado para reagir. Nos últimos meses, vários militares foram detidos pela Contrainteligência Militar venezuelana por estarem envolvidos com supostos planos de insurreição, entre eles alguns generais.

Chama a atenção que frente a um evento dessa natureza, em um quartel com poder de fogo tão importante, a primeira resposta tenha sido emitida por Cabello e não pelo alto comado militar ou inclusive pelo presidente, destacou Rocío San Miguel ao GLOBO.

Apenas horas depois da invasão, durante a tarde, a FANB e Maduro se pronunciaram. E quem ganha até agora é o próprio governo, que simula ainda mais elementos para reprimir e perseguir tantos militares quanto civis.

Segundo Rocío, as fissuras dentro das Forças Armadas estão cada dia mais expostas:

A situação dentro das Forças Armadas é muito complexa e o fato cria ainda mais tensões, aliado à incerteza que se tem em relação à Constituinte, assunto delicado na FANB, explicou San Miguel. Até agora o alto comando continua com Maduro, mas há vários grupos que respondem a interesses econômicos e políticos muito variados.

Dissidentes. Grupo de militares uniformizados e armados que participaram da “Operação David” em Valência – HANDOUT / REUTERS

Para o general aposentado Hebert Garcia Plaza, ex-ministro de Hugo Chávez e de Maduro, os militares se sentem “encurralados”.

Há muita inquietação, mas eles não podem provocar uma mudança política sem um horizonte claro do que vem depois de Maduro, disse Plaza, exilado em Miami desde que foi acusado de organizar um golpe contra Maduro em 2015, à AP.

OPOSIÇÃO FALA EM CAÇA ÀS BRUXAS

Horas depois do ataque, Diosdado Cabello, número dois do governo, confirmou a rebelião e garantiu que o grupo fora rendido por outros membros das Forças Armadas: “Vários terroristas detidos”, escreveu no Twitter. Mais tarde, Maduro afirmou que as forças de segurança conseguiram render os “agressores terroristas” e culpou a oposição, que reagiu. Júlio Borges, presidente da Assembleia Nacional considerada em desacato pelo governo exigiu que Maduro dissesse a verdade sobre o ataque.

Queremos saber a verdade, não nos venham com histórias da carochinha, não nos venham com uma caça às bruxas, não venham culpar quem quer simplesmente a vigência da democracia na Venezuela rebateu Borges, durante um encontro com outros opositores e ao lado da ex-procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, destituída no sábado.

Os dissidentes que participaram da ação espalharam folhetos durante a madrugada pelas ruas de Valência, reafirmando que estavam em rebelião contra o governo de Maduro. Horas depois do ataque, Caguaripano assegurou que os objetivos da “Operação David” tinham sido “satisfatoriamente atingidos”: “Nosso compromisso é a favor da restituição da ordem constitucional na Venezuela e da saída imediata do regime”.

Caguaripano ainda garantiu que todas as armas do Forte Paramacay haviam sido levadas. “Queremos destacar que temos o respaldo de grande parte de nossa gloriosa Força Armada Nacional. É hora de perder o medo”, escreveu em uma série de tuítes explicando seus objetivos e negando mortes ou detenções. “Não tivemos baixas, ninguém foi capturado, estamos em pé de luta. A operação David ganha vida com força.”

O Ministério de Defesa, por sua vez, informou que invasores foram capturados na “incursão paramilitar”, realizada por “integrantes da extrema-direita venezuelana em conexão com governos estrangeiros”. Uma foto com os detidos, alguns com o rosto machucado, chegou a ser divulgada pelo ministro da Informação, Ernesto Villegas.

Em seu programa dominical, Maduro confirmou as mortes de duas pessoas.

Dois foram abatidos pelo fogo leal à pátria, um está ferido. Destes dez atacantes que ficaram nas instalações de Paramacay, nove são civis e um é um tenente desertor há meses, que tinha dado baixa assegurou. Trata-se de uma operação organizada desde Miami e da Colômbia.

FONTE: O Globo

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