Opinião: Defesa Nacional

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Mário César Flores é ex-ministro da Marinha – Foto: Solan Soares

Por Mario Cesar Flores

Por que a indiferença pela defesa nacional? Faz sentido pensar as Forças Armadas apenas na (in)segurança pública, nas atividades subsidiárias que afetam o cotidiano (segurança da navegação aquaviária e aérea…) e na defesa civil em catástrofes? É hora de rever essa ideia: o mundo vive clima de instabilidade e violência e seria irresponsabilidade nos vermos imunes às suas vicissitudes. Preparado para o leitor não familiarizado com o tema, este artigo esboça uma ideia de defesa nacional assentada em premissa realista: a agenda brasileira, global na economia, em direitos humanos e meio ambiente, na defesa é principalmente regional – América do Sul e Atlântico Sul.

Comecemos com as hipóteses de emprego do poder militar. É improvável o confronto com grande(s) potência(s): não se vislumbram no futuro imaginável os cenários globais apocalípticos do século 20, de que o Brasil não seria poupado. E as sanções coercitivas vêm substituindo a ameaça militar por motivos negociáveis – mais citado, o meio ambiente.

A inexistência hoje de razões para conflito com país vizinho não é 100% segura no longo prazo histórico. Lembremo-nos de que nos anos 1970 o contencioso sobre Itaipu (o uso do potencial hidrelétrico do Rio Paraná) chegou à preocupação militar! A exploração de recursos naturais em áreas de fronteiras (e as temos extensas…) tende a criar problemas desse tipo e o salvacionismo autoritário comum na América do Sul é naturalmente tentado a recorrer à paranoia do inimigo externo para reforçar sua posição interna – acusação de que o Brasil não está livre.

Quanto às ameaças irregulares inerentes à época – guerrilha, terrorismo, narcotráfico, contrabando, pirataria, destruição de recursos naturais e ambiental -, a que a América do Sul é vulnerável e que nem sempre são reprimidas nos países nossos vizinhos, elas já exigem e continuarão a exigir repressão, em cooperação definida em acordos bilaterais, ou unilateral.

Na hierarquia das preocupações, a região do Prata perdeu a força do passado e a Amazônia, cuja permeabilidade a faz muito vulnerável à ameaças irregulares, merece agora mais cuidado.

Continuarão a ocorrer no mundo integrado do século 21 as intervenções promovidas ou legitimadas por organizações internacionais, em prol da ordem de interesse supranacional e por razões humanitárias em catástrofes naturais, conflitos territoriais, étnicos e religiosos, ou decorrentes de migração descontrolada, destruição ambiental e de recursos naturais. Em nível global, cabe ao Brasil ação coadjuvante (Batalhão Suez em Gaza há 50 anos) ou simbólica (pequeno contingente em Timor Leste nos 1990, uma fragata no Mediterrâneo Oriental agora). Mas na nossa região, estendida por motivos humanitários à América Central e ao Caribe (Haiti hoje), ela deve ser significativa: nossa omissão justifica o protagonismo de potência(s) externa(s) à região.

A atuação militar estende-se à ordem legal quando a ação policial é insatisfatória, ou permanente onde é indispensável ou a única viável – espaço aéreo, mar sob jurisdição brasileira e extensões fronteiriças. É inconveniente na rotina da segurança pública: compromete as Forças Armadas em questão interna além do razoável na democracia e deprecia a missão militar precípua.

Essas hipóteses de necessidade de emprego sugerem um poder militar que seja capaz de dissuadir aventuras insanas ou abortá-las se ocorrerem (seja estímulo convincente para soluções negociadas…), controlar nosso espaço aéreo, mar sob jurisdição brasileira, fronteira terrestre e regiões de frágil presença policial (a Amazônia), ter presença expressiva nas ações internacionais em nossa região e coadjuvante ou simbólica no mundo e contribuir para a ordem legal.

Vejamos um esboço superficial, útil ao leitor alheio a esse assunto.

Marinha – navios e submarinos para a defesa clássica e segurança geral no Atlântico Sul; unidades típicas de Guarda-Costa para controle do mar sob jurisdição brasileira e proteção de instalações marítimas; fuzileiros navais (com navios / helicópteros de transporte e apoio) para emprego em conflito clássico e antiguerrilha, participação em força internacional de intervenção e ações de segurança interna; e meios adequados ao controle da Amazônia e da bacia do Rio Paraguai.

Exército – unidades de elite (tradicionais e de operações especiais, hoje em evidência) para a defesa clássica e participação em força internacional de intervenção. Há que guarnecer as regiões fronteiriças conforme exigido por seus variados cenários geofísico, demográfico e socioeconômico. As demais unidades distribuídas no território nacional devem poder contribuir para (se preciso, exercer) o controle de ameaças irregulares e da ordem interna.

Força Aérea – um núcleo moderno de defesa aérea; capacidade de apoio a operações terrestres na defesa clássica e antiguerrilha; unidades de vigilância e controle do espaço aéreo e de patrulha aérea marítima; e condições de prover mobilidade a unidades terrestres.

Defesa nacional e desenvolvimento tecnológico estão associados. A defesa com soberania realça hoje o desenvolvimento do que atende à autonomia logística e do que é sujeito ao cerceamento estrangeiro – de que são exemplos em evidência os mísseis táticos e o lançador de satélites, “primo” do balístico, a vigilância e as comunicações envolvendo satélites, os drones e a propulsão nuclear para submarinos. A transferência de tecnologia deve condicionar a importação.

Pacifismo não é conformidade e o poder militar moderno não se improvisa, será tarde só pensar nele já na hora da necessidade. Este artigo terá atingido o seu propósito se o leitor apático ao tema passar a aceitar a defesa nacional competente e convincente, ainda que sem arroubos eufóricos incoerentes com nossas realidades político-estratégica e econômica, como alicerce do desenvolvimento em paz e tranquilidade.

FONTE: Estado de São Paulo

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