Waldyr O’Dwyer: o relato de um oficial do Exército sobre a participação brasileira na 2ª Guerra Mundial

Membro da Força Expedicionária Brasileira nos conflitos que envolveram grande parte do mundo na década de 1940, o hoje centenário capitão do Exército brasileiro diz por que foi voluntário para aquela luta

Capitão Waldyr O’Dwyer, 100 anos – FOTO Fernando Leite/Jornal Opção

Por Marcos Nunes Carreiro

Quando a maioria das pessoas se lembra — em alguns casos, fica sabendo — que o Brasil participou diretamente da Segunda Guerra Mundial, as condições da entrada do país nos conflitos não fica clara. Afinal, como os brasileiros foram para na Europa para lutar contra as forças do Eixo? Bem, como diz Francisco César Ferraz em “Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial”, o mais acertado é dizer que “não foram os brasileiros que foram à guerra, mas a guerra que chegou aos brasileiros”.

Vejamos: em 1939, Inglaterra e França haviam declarado guerra, mas não enviaram forças para o combate contra a Alemanha, que a essa altura tinha invadido a Polônia, mas que já havia experimentado um processo de ocupação militar na Áustria e na Tchecoslováquia. Nessa fase, a guerra estava ainda restrita a um bloqueio marítimo, por parte da Inglaterra, a fim de impedir o fornecimento de produtos importantes para o reforço bélico do inimigo. E foi justamente pelo mar que a guerra se aproximou do Brasil.

Desde o início da guerra, os Estados Unidos, que embora não houvessem ainda entrado de maneira efetiva nos conflitos, pressionavam países periféricos como o Brasil para fornecer produtos estratégicos para os ingleses. Isso porque, mes­mo antes da guerra, já existia uma espécie de corrida pelo fornecimento preferencial ou exclusivo de materiais como manganês, cromo, borracha, bauxita, cobalto, tungstênio e níquel. A “corrida” acontecia entre Alemanha, de um lado, e Estados Unidos e Inglaterra, de outro.

Além disso, quando os alemães invadiram os Países Baixos e a França, em 1940, a Inglaterra se tornou o próximo alvo, o que impulsionou a chamada Batalha do Atlântico, visto que a Alemanha não apenas bombardeava os ingleses por cima, como impedia a chegada de suprimentos vindos de Estados Unidos e Canadá, o que era feito pelos submarinos. Entre 1940 e 1941, centenas de navios carregados foram torpedeados no Atlântico, dando como destino final a milhares de tripulantes e centenas de milhares de toneladas o fundo do mar.

A pressão estadunidense sobre países como o Brasil se intensificou quando a Itália invadiu o Norte da África, a Grécia e os Bálcãs. Os ingleses deslocaram tropas para a região do Mar Mediterrâneo, derrotaram os italianos, mas os alemães defenderam a posição e dominaram todo o Norte da África, garantindo a eles uma grande vantagem estratégica, visto que apenas oito horas de avião separavam Dakar, no Senegal, do ponto mais oriental da América do Sul.

Isso representava uma ameaça real para os Estados Unidos, que previa uma invasão alemã ao Nordeste brasileiro e o uso de ilhas como Fernando de Noronha para bases de submarinos e vasos de guerra, além de funcionarem também como aeródromos. Deu-se nessa época, assim, início às negociações de cooperação direta entre os Estados Uni­dos e o Brasil e os demais países latino-americanos visando a guerra, algo que só se concluiu em 1942, du­rante a Conferência de Chan­celeres, ocorrida no Rio de Janeiro, quando a maioria dos países sul-americanos rompeu relações diplomáticas com Alemanha, Itália e Japão. Nessa época, os Estados Unidos já haviam entrado de fato na guerra — em dezembro de 1941, aviões japoneses bombardearam Pearl Harbor.

No início de 1942, o governo brasileiro autorizou o uso das bases do Norte e Nordeste pelas Forças Armadas estadunidenses e deu o primeiro passo claro de que iria entrar na guerra. O acordo firmado em setembro de 1942 envolveu dois pontos específicos: recursos vindos dos Estados Unidos para a construção da Com­panhia Siderúr­gica Nacional (CSN), no Rio de Janeiro — inaugurada em 1946, no pós-guerra, a CSN foi privatizada na década de 1990; e o fortalecimento da defesa brasileira com verba estadunidense.

Assim, todos os acordos firmados pelo Brasil com os Estados Unidos — consequentemente com os Aliados — levaram o país a entrar nos conflitos. Embora tenha declarado guerra apenas em agosto de 1942, indiretamente, o país de Getúlio Vargas já estava envolvido na situação anos antes, mesmo que sob um pano de aparente neutralidade — aqui é bom lembrar que o governo Vargas de­monstrou certas tendências fascistas e manteve, por al­gum tempo, uma ambiguidade nas negociações diplomáticas.

O motivo da declaração de guerra se deu em 15 de agosto de 1942, quando o vapor Baependi foi torpedeado na costa de Sergipe pelo submarino alemão U-507. Outros dois navios brasileiros, o Araraquara e o Aníbal Benévolo, foram atacados no mesmo dia. As três embarcações afundadas deixaram, juntas, 551 mortos, número que aumentou nos três dias seguintes, quando outros navios foram atacados em águas territoriais brasileiras.

O U-507 recebeu ordens para atacar navios na costa brasileira, mas não era o único submarino no litoral do país. Dez submarinos alemães foram deslocados para o litoral. A ordem do Alto Comando da Marinha alemã, em 1942, era para atacar qualquer embarcação no Atlântico Sul, com exceção das argentinas e chilenas, visto que esses países não haviam rompido as relações diplomáticas com o Eixo.

Os ataques à costa brasileira começaram em maio daquele ano, quando o navio mercante Coman­dante Lyra foi torpedeado pelo submarino italiano Barbarigo, nas proximidades de Fernando de Noronha. A embarcação só não foi a pique por ter sido socorrida a tempo por uma patrulha estadunidense. Contudo, antes dele, outros já haviam sido torpedeados, mas em águas internacionais.

Contabiliza-se que, entre fevereiro e agosto de 1942, doze embarcações mercantes brasileiras foram afundadas por submarinos do Eixo em águas internacionais, deixando 133 mortos. Até o fim da guerra, outros 12 navios do país foram a pique, causando 334 mortes. De bandeira estrangeira, estadunidense e inglesa, 49 embarcações foram afundadas no litoral brasileiro. Dos submarinos alemães, 14 encontraram seu fim nesse conflito, incluindo o U-507 que atacou primeiro — foi afundado por um avião estadunidense, em janeiro de 1943, nas Guianas.

Dessa forma, com os ataques e a crescente contabilização de brasileiros mortos, a população reagiu: saiu às ruas manifestando apoio à entrada do país na guerra, o que de fato aconteceu em 22 de agosto daquele ano, quando o presidente Getúlio Vargas declarou estado de beligerância contra o Eixo, a aliança político-militar formada por Alemanha, Itália e Japão.

Formação da FEB

Uma fala da época dizia que a cobra iria fumar cachimbo no dia que o Brasil mandasse tropas para a guerra. Por isso, quando a FEB foi enviada, a cobrando fumando ficou sendo seu símbolo
Francisco César Ferraz relata em seu livro que, um mês após a declaração, as autoridades militares do Brasil já planejavam “o envio de uma força expedicionária para ‘vingar os brasileiros mortos’ nos ataques do Eixo.” Ferraz aponta que autoridades militares tentaram desestimular as pretensões brasileiras, mas o governo insistiu no envio das tropas, pois “queria melhorar sua posição internacional na mesa de negociações do pós-guerra.”

Foi assim que, em 1943, em uma reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o presidente brasileiro, Getúlio Vargas, ficou acertada a participação brasileira nos combates. A reunião aconteceu em Natal, Rio Grande do Norte. Porém, logo sugiram dificuldades: a intenção de enviar 60 mil homens era inviável, uma vez que o Exército inteiro possuía um efetivo de aproximadamente 90 mil homens mal equipados — as armas, munições e equipamentos vinham de vários países, alguns dos quais agora estavam do lado de lá do campo de batalha.

Além disso, os oficiais e praças brasileiros desconheciam completamente os equipamentos que eram utilizados na guerra. Logo, o Brasil precisava formar um “novo” exército para enviar à Europa. Surgia a Força Expedi­cionária Brasileira (FEB). O general Mascarenhas de Moraes foi escolhido para comandar a primeira das três divisões do Exér­cito a serem enviadas à guerra. Ainda em 1943, ele comandou um grupo de oficiais ao Norte da África e à Itália para observar e colher informações sobre o tipo de conflito que estava sendo travado.

Alguns dos oficiais ficaram na Itália, em contato com as forças estadunidenses, para operacionalizar o desembarque, estacionamento e treinamento das tropas brasileiras. General Mascarenhas voltou ao Brasil e chegou a dizer, segundo aponta Ferraz, que aquela era “uma guerra de ricos.” O general teria ficado impressionado “com a dimensão dos recursos materiais envolvidos. Aquela guerra exigia mais que ar­mas e equipamentos modernos. Os homens que os portavam e ma­ne­javam precisavam de aptidão física e intelectual maiores do que aquelas ne­ce­ssárias na Primeira Guerra.”

O recrutamento não se­guiu o planejado e só conseguiu reunir 25.334 mil ho­mens, muito aquém dos 60 mil pretendidos e dos quais apenas mil eram voluntários. Além disso, a maioria dos selecionados era de jovens trabalhadores rurais e urbanos, provenientes das classes populares, com baixa escolaridade e que não compreendiam aquela guerra ou a razão pela qual estavam sendo mandados para lutar nela.

O treinamento, realizado no Rio de Janeiro, foi precário e a FEB dependeu, desde o início, de armamento vindo dos Estados Unidos. Daquele país também vieram os navios-transporte que levaram as forças brasileiras à Europa. O primeiro navio zarpou do porto do Rio de Janeiro no dia 2 de julho de 1944 levando o primeiro regimento; tratava-se do USS General Mann. O que poucos sabiam, mesmo entre o primeiro escalão, era que estavam indo para a Itália.

Do Brasil partiram cinco navios-transporte com aproximadamente 5 mil homens em cada, divididos em três regimentos: o 6º Regimento de Infantaria (R.I.), sob a tutela de Mascarenhas de Moraes, general de divisão no comando; 1º R.I., sob o comando de Euclides Zenóbio da Costa, general de brigada para a infantaria; e o 11º R.I., sob o comando de Oswaldo Cordeiro de Farias, general de brigada para a artilharia. O dois últimos regimentos só embarcaram no dia 22 de setembro de 1944, chegando à Itália em 6 de outubro daquele ano.

O 6º R.I. era o Regimento Ipi­ranga, cuja sede era em Caçapava, São Paulo; o 11º R.I. era o Regimento Tiradentes, com sede em São Miguel del Rei, Minas Gerais; já o 1º R.I. era Regimento Sampaio, do Rio de Janeiro. Era neste regimento que se encontrava Waldyr O’Dwyer, o militar carioca de descendência irlandesa que se tornou um dos empresários mais respeitados de Goiás.

Capitão Waldyr, como é conhecido (é capitão da reserva do Exército), tinha apenas 28 anos quando partiu para as trincheiras italianas. “Fui para a Itália porque quis; fui como voluntário. Tinha um espírito de aventura e achava que a guerra seria interessante”, afirma o capitão, que recebeu a reportagem na sede de sua empresa em Anápolis, a Anadiesel.

Waldyr completa 101 anos em julho deste ano e, se até pou­co tempo, ia todos os dias à em­presa, agora só vai de vez em quando, só quando precisam de sua presença. “Venho às vezes. Depois que se pas­sa dos cem anos, não se pode querer muita coisa”, fala rindo. A verdade é que, mes­mo aos cem, o capitão está bem. Conversamos por quase duas horas.

Ele explica que se formou na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de janeiro e que, quando se preparava para exercer a profissão, foi declarado aspirante a oficial, visto que tinha feito também o Curso de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército, onde, segundo ele, acabou por impressionar alguns dos superiores por sua habilidade como jogador de vôlei.

“Joguei vôlei antes de entrar no Exército e era bom jogador. Joguei no Fluminense, que tinha uma equipe muito boa. Por ser bom jogador, caí na simpatia do general Zenóbio da Costa. Zenóbio era um general muito bravo e gostava de ser o primeiro em tudo”, afirma ele. Euclides Zenóbio da Costa foi o general de brigada para a infantaria responsável pelo 1º Regimento de Infantaria, o Regimento Sampaio, do qual Waldyr fez parte na guerra.

Ele conta que logo foi promovido a segundo-tenente no 1º R.I. e se integrou em definitivo ao Exército. “Fui convocado para o Exército e gostei da carreira militar. Fui convocado como aspirante e depois promovido. Então veio a guerra.” Waldyr se lembra que houve um chamamento de oficiais, como voluntários, durante a formação da FEB, e ele se voluntariou.

“Lá na Itália, cumpri todas as missões que me foram confiadas, com muita sorte e proteção de Deus, e terminei a guerra como comandante de pelotão do regimento. Fiz um curso de comando para o qual foram escolhidas pessoas que haviam sido atletas e que tinham um físico muito bom para aguentar as missões de comando de patrulha. Assim, me destaquei fazendo comando de patrulha”, acrescenta.

O capitão revela que a FEB foi integrada ao Exército dos EUA, mas que não recebiam ordens diretas dos estadunidenses. “Rece­bíamos as missões do V Exército norte-americano, mas quem comandava a FEB era o general Mas­carenhas. Nós fazíamos parte de um emprego tático, mas não recebíamos ordens diretas do Exército norte-americano.”

Dificuldades

Tendo sido mal treinados, é comum achar que a maior dificuldade dos expedicionários brasileiros foi lidar com a realidade da guerra em si. Porém, narra, Waldyr O’Dwyer, “as balas incomodavam menos que o frio”. “Saímos do Brasil com japonas e uma roupinha de lã muito fina e encontramos lá, logo na chegada, muita neve. De manhã, quando íamos beber água, ela estava congelada. Nessa época, passamos um aperto muito forte por causa do frio.”

Waldyr, que na época era segundo-tenente, diz que eles sobreviveram em buracos. “Nós entrávamos neles e haja jornal para esquentar um pouco. Colocávamos nos pés. Foi assim que vencemos as primeiras jornadas.” Os tais buracos eram o que os estadunidenses apelidaram de “foxholes”, “buracos de raposa”. Cesar Campiani Maximiano, em seu livro “Barbudos, sujos e fatigados”, se refere aos “foxholes” da seguinte maneira: “Esses buracos eram rusticamente escavados com a ferramenta de sapa individual que cada combatente carregava consigo, usualmente uma pequena pá ou picareta desmontável”.

A localidade de cada “foxhole” dependia quase exclusivamente de onde o comandante do pelotão decidia que seus homens deveriam ficar. Os buracos eram, segundo conta Maximiano em seu livro, profundos e forrados com feno, reforçados com sacos de juta cheios de terra, pedras, troncos de árvore e, às vezes, telhas de metal corrugado. Logo, é possível perceber que não se tratavam de lugares confortáveis. Capitão Waldyr, porém, diz que os brasileiros conseguiram se adaptar, mesmo com o frio. “Depois veio o final mesmo da guerra e o Brasil conseguiu corresponder às expectativas”, lembra.

No livro de Maximiano há um relato interessante acerca dos “foxholes” e do frio enfrentado pelos expedicionários brasileiros. A narração é do ex-infante Antonio Amarú, que serviu no Regimento Sampaio, o mesmo de Waldyr. Amarú expõe, a página 95 do livro de Maximiano:

“Quando ficávamos de guarda nos foxholes mais avançados, durante os meses de inverno, cada um de nós tirava uma hora de serviço e descansava três, pois uma hora era o máximo que se podia aguentar com to­dos os sentidos em alerta total. Para me agasalhar, eu usava seis blusas de lã por baixo do field jacket americano, um par de luvas de lã e por cima um par de luvas impermeáveis, ou perderia a mobilidade nos dedos, por causa do frio intenso”.

Isso dá uma ideia do frio enfrentado pelos brasileiros. Francisco César Ferraz dá conta, em “Os brasileiros na Segunda Guerra Mundial”, que aquele inverno de 1944 foi um dos piores da Itália, o que, somado às dificuldades próprias da guerra e ao fato de que os brasileiros não estavam acostumados nem ao clima nem às condições, foi um grande complicador para a FEB.

Porém, narra Maximiano, os expedicionários passaram pelo inverno e se adequaram a ele. Assim, “o fim de janeiro de 1945 viu o surgimento de uma nova divisão brasileira e, ao contrário das narrativas míticas que reputam os sucessos nos combates ao ‘jeitinho’ e ao ‘jogo de cintura’, essa renovação foi possibilitada pela aquisição de conhecimentos dos procedimentos de combate e da instrução modernizada aplicada após as operações de novembro e dezembro de 1944”.

O capitão, cuja memória ainda está ativa para muitas coisas, mesmo aos 100 anos de idade, relembra que a FEB permaneceu na guerra pouco mais de seis meses e que, após as dificuldades das missões e das vitórias conseguidas, logo os alemães começaram a se retirar. “Então, foi só comemorar e se preparar para voltar ao Brasil. E comemoramos muito”, sorri enfático.

Waldyr voltou ao Brasil como primeiro-tenente e escolheu deixar o Regimento Sampaio no Rio de Janeiro e se unir 6º BC, então aquartelado em Santos. O motivo: “Tinha deixado uma namorada em Santos, uma morena”, relata o capitão. Porém, já em Santos, Waldyr descobriu que a sede do 6º BC era, na verdade, em Ipameri, Goiás. “Nem sabia onde ficava Ipameri [risos]. Mas no Exército não se discute, cumpre-se. Então, deixei a namorada e fui.”

Aqui, é interessante deixar que o próprio capitão narre sua história:

“Estava no Regimento Sam­paio, um regimento dos cariocas, e que é até hoje muito conceituado. Quando voltei, não quis ficar no Regimento Sampaio e pedi para ir para Santos. Os que estiveram na FEB tinham o privilégio de escolher a unidade em que queriam servir. Assim, escolhi para ir para o 6º BC, que estava aquartelado em Santos. Quis ir para lá porque tinha deixado uma namorada em Santos, uma morena. Em Santos, descobri que a sede do 6º BC era em Ipameri, Goiás. Nem sabia onde ficava Ipameri (risos). Mas no Exército não se discute, cumpre-se. Então, fui para Ipameri.

“Em Ipameri, quem saía da estação rumo ao 6º BC, tinha que passar pela Igreja Matriz. Quando estava conduzindo a tropa para o quartel, vi um grupo de moças e, entre elas, estava uma que me despertou a atenção e pensei ‘Mas como? Em uma cidade como Ipameri tem uma moça tão bonita?’, e saí até tropeçando de entusiasmo.

“Um dia a noite, era Sábado de Aleluia, fui convidado para ir ao baile do Jóquei Clube da cidade. Veja a coincidência. Para a minha satisfação, no baile se encontrava aquela moça que me havia entusiasmado tanto. Não conhecia ninguém, então disse para mim mesmo ‘Não vou esperar’, fui lá e me apresentei. ‘Sou fulano, acabei de chegar’ e, para minha satisfação, ela disse ‘Eu vi quanto você passou’. Aí a coisa melhorou. [risos]

“Ela, então, por gentileza, me convidou para sentar à mesa com os familiares. Sentei e, logo em seguida, a convidei para dançar e ela aceitou. Dali já começamos a namorar. Isso foi em abril; em dezembro, eu já estava casando. Em Ipameri já não cabia um regimento e o 6º BC foi transformado em batalhão. Assim, acabei comandando a unidade, como primeiro-tenente.

“Contudo, um dia, quiseram me transferir para São Paulo e houve um pedido da família de Herta, minha esposa, para que eu não saísse da cidade. Foi quando pedi demissão do serviço ativo do Exército e recebi o cargo de diretor das Indústrias Reu­nidas Santa Cruz, que tinham uma charqueada, curtume e fábrica de calçados. Na época, era a maior indústria do Estado. Foi quando passei da vida de militar para a vida de empresário. Aposentei-me como capitão do Exército, função que ainda tenho. Sou capitão da reserva”.

A famosa tomada de Monte Castello

Quando os brasileiros chegaram à Itália, os alemães já tinham tomado posições privilegiadas nas montanhas. Bem localizados nas alturas, tinham, portanto, condições de alvejar quem quer que se aproximasse de suas posições. O número de soldados não era grande, mas tinham quantidade de suprimentos suficiente para manter posição por muito tempo.

Francisco César Ferraz (à esq.) é um dos grandes estudiosos do período. Na foto, está ao lado de Frank McCann, historiador dos Estados Unidos, especialista na atuação do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial

Dessa forma, as tropas dos países Aliados enfrentaram dificuldades para cumprir suas missões. Os brasileiros tiveram muitas missões complicadas, mas a que se tornou mais conhecida foi a tomada de Monte Castello, cume situado a oeste de Bolonha. No local, como aponta Francisco César Ferraz em “Os brasileiros e Segunda Guerra Mundial”, os alemães mantinham posição bastante sólida, “com defesas bem situadas também nos montes Belvedere, Gorgolesco e Della Toraccia.”

As fortificações alemãs, revela Ferraz, eram para proteger o flanco sudeste de Bolonha, cidade importante os Aliados. Conquis­tar Bolonha significava abrir acesso para o chamado Passo de Brenner, na fronteira com a Áustria, o que comprometeria o recuo alemão para se untar a possíveis reforços em outras frentes. Assim, a partir de novembro de 1944, a divisão expedicionária brasileira se encaminhou para a ofensiva sobre Monte Castello.

Meses antes, a conquista de Monte Cassino, já tinha mostrado como era árduo tomar montes, visto que defender posições elevadas era muito mais fácil que atacá-las. Entre 24 de novembro e 12 de dezembro, portanto, os brasileiros tentaram tomar o local quatro vezes. Porém, todas as tentativas não apenas não resultou sucesso como o número de baixas foi assustador.

Capitão Waldyr O’Dwyer revela que estava presente na incursão que terminou com a tomada de Monte Castello. Segundo ele, o 11º Regimento de Infantaria (R.I.) não conseguiu conquistar a posição, mesmo tendo tentado mais de três vezes. “Eles não conseguiram e passaram por certas decepções. Então, coube ao Regimento Sampaio tomar Monte Castello”, diz. Regimento Sampaio, ou o 1º R.I., era o regimento de Waldyr.

Segundo ele, quando coube ao Regimento Sampaio a missão, “a verdade seja dita, os alemães já estavam em uma situação bem mais difícil. A tomada durou menos de uma semana. Nós nos preparamos para conquistar certas posições e, no final, tomamos o posto. Só havia ficado um grupo tomando conta da posição. Os alemães recuaram e deixaram só uma tropa para segurar mais um pouco. Então, eles não resistiram e se entregaram. Essa missão foi a mais elogiada e prestigiada, mas não foi a mais difícil, nem do Regimento Sampaio nem da FEB”, afirma.

O capitão relata que os alemães estavam “muito bem entrincheirados em Monte Castello. Por isso, todos que tentaram tomar, não conseguiram. Mas quando o regimento foi tomar, a bem da verdade é que eles já estavam desgastados e a tomada aconteceu com certa facilidade. Não perdemos nenhum soldado”, diz.

Em seu livro, Francisco César Ferraz, revela que a conquista foi uma combinação de forças. Os expedicionários brasileiros que tomara Monte Castello contaram com o auxílio da Divisão de Montanha dos Estados Unidos (que deveria tomar o vizinho Monte Belvedere), além do apoio da Força Aérea Brasileira (FAB) e da artilharia. A manobra conjunta foi responsável pelo sucesso.

O capitão tem razão, porém, ao dizer que a tomada de Monte Castello não foi a missão mais difícil, nem do Regimento Sampaio nem da FEB. A missão mais complicada, e que rendeu um grande êxito, talvez tenha sido a conquista de Montese, cidade a cerca de 60 quilômetros de Bolonha. Foi lá que as tropas brasileiras experimentaram o maior número de baixas. A missão aconteceu em abril de 1945. Contudo, após boas manobras, os expedicionários conseguiram a rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, fazendo aproximadamente 15 mil prisioneiros.

Semanas depois, os alemães se renderam na Itália, o que pôs fim à guerra para os brasileiros. A FEB permaneceu na Itália até 3 de junho e depois retornou ao Brasil. Francisco César Ferraz diz em seu livro: “Em um balanço sobre a atuação da FEB em combate, seu desempenho pode ser equiparado ao das melhores unidades aliadas envolvidas na frente italiana”.

FONTE: Jornal Opção

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