Por Ronaldo Fiuza de Castro VA(Ref)
Todo produto manufaturado tem prazo de validade, findo o qual não está mais apropriado para uso ou consumo. Procuramos comprá-los sempre dentro desse prazo, e descartar aqueles que possuímos que o tenham ultrapassado. Quando esse produto é um míssil, que custa quase 5 milhões de euros, devemos ter um pouco mais de cuidado, não só pelo perigo que representa o seu mau funcionamento, como pelo custo de reposição. Chamamos de recertificação ao processo de estender o prazo de validade de um produto.
Para uma abordagem profissional desse problema é preciso reconhecer que nem tudo perece naquele produto ao mesmo tempo. Algumas partes tem período de vida desigual. E mais ainda, o conceito de “morte” do produto é diferente de um ser vivo, não acontece instantaneamente e sim num processo longo e não determinístico, em que o fabricante estima o tempo de vida de cada item. Outro passo importante é entender que existe um custo, que poderá não ser irrelevante para descartar o produto, principalmente se ele for tóxico ou agredir o meio ambiente.
Se acrescentarmos ao nosso problema o fato de estarmos lidando com armamento militar, suscetível à obsolescência técnica, que podem transforma-lo em produto inútil, vemos que a decisão de descartar e comprar novo ou recertificar não é trivial.
Apresentaremos neste artigo, em linhas bem gerais e fugindo sempre que possível dos aspectos técnicos, como foi implementada a decisão da Marinha do Brasil de recertificar os motores foguete do míssil EXOCET MM-40 Block 1.
A primeira novidade dessa implementação foi o “modelo” para gerenciamento. Após a decisão tomada pelo Almirantado foi criada, na Diretoria de Sistemas de Armas da Marinha (DSAM), uma Gerência Especial de Mísseis (GEM), subordinada ao diretor. Procurava-se atender assim a uma a uma das regras das “boas práticas” de gerenciamento de projetos que trata o “Livro de Conhecimentos”, mais conhecido como PMBOK (Project Management Book of Knowledge). Para esta Gerência foram contratados, via ENGEPRON, oficiais da reserva com algum conhecimento do assunto e o firme propósito de mante-la o mais enxuta possível.
A outra grande novidade foi a decisão do Almirantado de realizar esta recertificação no Brasil, com empresas brasileiras, com ou sem ajuda do fabricante estrangeiro. Esta decisão fugia da habitual que era contratar o serviço ao fabricante original, enviar o míssil para sua fábrica no exterior e, após alguns anos e milhões de euros, recebê-los de volta com um novo carimbo que estipulava seu novo prazo de validade. Como qualquer novidade essa decisão tinha seus riscos, e uma das primeiras tarefas da GEM foi analisar esses riscos.
Para podermos entender melhor o que levou o Almirantado a tomar essa decisão precisamos retroceder um pouco na história dos mísseis antinavio lançados por plataformas de superfície na Marinha do Brasil. Os primeiros navios que vieram com esses mísseis foram duas Fragatas classe Niterói configuradas como Emprego Geral (EG). Elas foram equipadas com o míssil EXOCET MM-38, que na ocasião em que foram escolhidos ainda estavam em desenvolvimento pela empresa francesa “AEROSPATIALE”. Este míssil foi desenvolvido segundo os requisitos da Marine Nationale, o mais importante dos quais tinha o alcance de 38 km, dai o nome “Mer-Mer 38”. Seu motor foguete usava como propelente a “Base Dupla” (BD), que tem como um de seus itens perecíveis a nitrocelulose, componente perigoso e instável quando começa a se decompor com o tempo. Ao vender o seu produto, a AEROSPATIALE certificou-se de que o seu tempo de vida, considerando algumas premissas de armazenamento, seria de dez anos.
Esse prazo de dez anos venceria na década de 80 e a Marinha Brasileira pretendia recertificá-los, já que atendiam perfeitamente aos requisitos do nosso setor operativo e até tinham sido alvo de uma avaliação operacional. Nessa ocasião, a Marinha, as outras Forças e algumas indústrias já haviam adquirido um grande conhecimento sobre motores foguete com propelente sólido, o que permitia discutirmos com o fabricante que melhor seria se trocássemos a BD por um dos novos propelentes que o mundo todo estava utilizando, e aos quais se davam o nome genérico de “composite”.
Para grande surpresa da Marinha e de todos os usuários no mundo que haviam adquirido esse míssil, o fabricante AEROSPATIALE participou que não mais ofereceria o serviço de recertificação, e mais ainda, que teria decidido não continuar a fabricação do míssil. Não restou outra solução para a Marinha do que descartar, não só os mísseis que ainda tinha, como também os lançadores e sistemas de bordo das duas Fragatas EG.
O novo míssil adotado pela Marinha foi o EXOCET MM-40 Block 1, já agora fabricado pela MBDA, empresa que assumiu o acervo da antiga AEROSPATIALE, junto com outras empresas europeias. A Marinha também decidiu padronizar este míssil e o instalou em todas as Fragatas da classe Niterói, em todas as Corvetas classe Inhaúma e na Corveta Barroso. Ficamos assim com um total de onze sistemas de lançamento, necessitando só para preencher os lançadores dos navios de, no mínimo, 44 mísseis.
Ao comprarmos esses mísseis no final da década de 90, o fabricante certificou-os para os mesmos 10 anos do motor anterior. Portanto, no início dos anos 2000 estávamos novamente discutindo a sua recertificação. Dessa vez recebemos propostas para o serviço, mas com um aviso de que esta seria a última para este tipo de míssil, já que a empresa pretendia descontinuar a sua fabricação e introduzir o seu “novo e melhor sucessor” o EXOCET MM-40 Block 3 com alcance de 300 Km.
Para nós, marinheiros da “época do canhão”, fica difícil entender como uma empresa estrangeira possa decidir e influir tão drasticamente na configuração de nossos navios prontos e acabados. Lembramos com saudade quando a bateria principal era, por exemplo, de seis polegadas. Qualquer munição de seis polegadas poderia ser disparada, não interessando seu fabricante. Podíamos mesmo entender que cada fabricante poderia tentar criar calibres, os mais exóticos possíveis, mas uma vez definido o calibre do tubo alma, todo o resto estava definido.
O mais estranho é que com mísseis também poderia ser assim. Os seus diâmetros são todos em torno de 300 mm, as informações que recebem para inicialização são as mesmas, com formatos diferentes, e o posicionamento a bordo bem semelhantes. O que mudou foi que cada fabricante encontrou a forma de escravizar seu cliente.
Foi esta constatação que estava no âmago da decisão do Almirantado, nós só poderíamos nos livrar dessa escravidão se conseguíssemos reativar o conceito de “munição” também para os mísseis, e nada melhor do que começar por aquele que mais usávamos e tínhamos necessidade, o verdadeiro sucessor da “Bateria Principal”.
Assim, junto com o desenvolvimento do motor-foguete para substituir aqueles com vida útil vencida, decidiu o Almirantado começar um projeto para desenvolver um míssil que pudesse ser lançado dos sistemas instalados nos nossos navios, recriando o conceito de “munição” para os mísseis antinavio. A primeira etapa desse projeto seria o motor.
Para a implementação do projeto seguimos os passos do PMBOK definindo uma “estrutura de trabalho”, um “cronograma macro”, os “recursos disponíveis” e as “empresas candidatas”. Com a decisão da MBDA, autorizada pelo governo francês, de “transferir tecnologia” do motor, foi possível discutir com a AVIBRAS um contrato para desenvolvimento e fornecimento de motores. No mesmo contrato com a MBDA exigimos que ela subcontratasse a empresa MECTRON para desenvolvimento e fornecimento das “cabeças telemétricas” que substituiriam as cabeças de combate nos três disparos de homologação do novo motor, e para ajudar a GEM no gerenciamento do projeto, contratamos a Fundação ATEC, hoje EZUTE.
Os contratos se desenvolveram dentro dos prazos e custos acordados, os desvios do planejamento foram mínimos e todos corrigidos antes dos prazos finais. A atuação da MBDA foi exemplar, respondendo as dúvidas com franqueza e honestidade e fornecendo todas as informações necessárias e suficientes para que a AVIBRAS produzisse um novo motor, que nada tem há ver com o antigo, pois não é sua engenharia reversa, mas cumpre exatamente as mesmas funções do anterior.
Hoje a Marinha do Brasil tem em seus navios e armazenados no Centro de Mísseis e Armas Submarinas, mísseis EXOCET MM-40 Block 1 com motores produzidos no Brasil e temos o conhecimento para produzi-los toda vez que se fizer necessário.
NOTADO EDITOR: “Bravo Zulu” à Marinha do Brasil e a todos os envolvidos nesse projeto, onde a busca pela independência foi primordial!
Li que o MANSUP-1 ( MARLIM ), terá alcance no limite de alcance dos sensores de nossos navios ( ATUAIS e FUTUROS ).
Algo em torno de 70 á 80km .
Acredito que esse míssil referido por nosso amigo, com alcance de 300km ; será a versão naval do MT-300 MATADOR ( DAI O MOTIVO PELO QUAL O DESIGNIE EXTERNO DO MESMO SE PARECER TANTO COM O EXOCET ).
Mas não vejo mérito tecnológico algum , no desenvolvimento do motor nacional pela AVIBRÁS.
Pois a mesma já dominava essa tecnologia há anos , o maior mérito está no desenvolvimento pela Mectron da CABEÇA TELEMÉTRICA do referido míssil.
Também sou a favor da participação do Brasil , no PROGRAMA DE DEFESA COSTEIRA da Colônbia.
Assim poderíamos , além de nos beneficiar desse programa em território nacional , ofertar nosso míssil a eles ; gerando encomendas externas para o mesmo.
Acarretando no desenvolvimento de versãoes melhoradas .
Peço a Deus para que encontre mais petróleo em terra e em nossos mares , para os governantes investir mais nas FAs … e termos elas de maneira operantes e descentes nas nossas águas jurisdicionais.
Abs, por um Brasil melhor e com uma boa FA
Apesar de todas as dificuldades, são por essas e outras coisas que nos fazem encher o peito de orgulho das nossas FAs. Parabéns a MB.
Uma dúvida, o A-4 Skyhawk modernizado da MB consegue disparar esse míssil?
O A4 estará após a modernização, preparado para receber diversos armamentos. Tem que integrar eles no sistema de bordo. O peso e tamanho é que podem ser impeditivos. Mais pelo tamanho. Mas a MB já está trabalhando isso.
Obrigado por responder Luiz Padilha!
Acho que se a marinha conseguir disparar o exocet a partir de um Falcão aí sim teremos um “range missile” respeitável!
Outra coisa que pensei foi sobre o peso que o skyhawk poderia levantar mas encontrei essa foto aqui mesmo no site que respondeu minha pergunta.
http://www.defesaaereanaval.com.br/wp-content/uploads/2014/03/A-4-Skyhawk-Harpoon-no-Test-Center-Pacific-Missile.jpg
Sempre achei que a Argentina fosse progredir nisso antes que o Brasil, todavia nossa gloriosa Marinha merece os parabéns, pois apesar dos pesares sempre encontra um bom caminho.
Sds.
Ótima notícia, quais aeronaves no Brasil estão capacitadas a operar esse míssil ??
Vai precisar, mais cedo ou mais tarde.
E verdade Luiz Padilha eu eu me enganei. Eu pesquisei aqui na net. O Chile tem intenção de comprar mais por em quanto nada. Ja o Peru não achei nada..confundi tudo rs
“a atuação da MBDA foi exemplar, respondendo as dúvidas com franqueza e honestidade e fornecendo todas as informações necessárias e suficientes para que a AVIBRAS produzisse um novo motor, que nada tem há ver com o antigo, pois não é sua engenharia reversa, mas cumpre exatamente as mesmas funções do anterior.” até aonde eu sei,o almirantado e nossas indústrias ja detinha todo conhecimento de mais da metade desses dos principais componetes desses mísseis,daí como o texto sugeriu foi decidido com ou sem ajuda do fabricante a remotorização e substituição da maior parte eletronica…pq na época os fabricantes não queria faze-lo dai nossa marinha e indústria foi lá e fez,o fabricante ficou surpreso com isso tendo que em muitos casos recertificar o míssil pois o mesmo depois da “nossa” repaginada foi alterado e melhorado com nossa própria tecnologia…só ai então resolveram nos “ajudar” com todo o conhecimento sobre o tal produto referido…com base nisso nossa marinha junto as indústrias estão sim desenvolvendo o man sup com alcance estendido a quase 300 km.creio eu q muitas das tecnologias para desenvolve-lo tera a mesma base do AV-TM MATADOR DESENVOLVIDO PARA O EXÉRCITO E DO MÍSSIL REPONTECIALIZADO DITO NO ARTIGO ACIMA.
Outra coisa, o texto não menciona a Rademaker, que também teve instalado o mm40 durante a modernização, os mísseis dela também foram remotorizados?
Não existe “os mísseis dela”. Os lançadores são para o MM-40 e quando tivermos quantidade suficiente para todos, a MB vai brincar no AS.
Senhores, ótimo especial! Fiquei curioso, o texto afirma que todas as Inhaumas estão com lançadores e mísseis exocet mm40, então a modernização de todas elas foi concluída? Por que não foi divulgado pela marinha?
Pq isso nem sempre se divulga. Assuntos militares sempre serão mais sigilosos.
E uma vitoria para o Brasil e claro mais eu acho esses misseis com muito pouco alcance si for 43 km ou 70 km , ate o PERU e o CHILE ja estão usando o block 3 . Mais pelo menos somos os unicos da AL que consegue fabricar os motores. Estou super ancioso para ver noticias do MAN-SUP
Desconheço algum navio chileno ou peruano equipado com Exocet block 3.
Padilha,
o Peru adquiriu 16 mísseis Exocet Block III,
más realmente, ainda não estão operacionais… Eles serão integrados nas fragatas Classe Lupo da Marinha do Peru, parece que pelo menos uma destas fragatas já está em processo de modernização para poder operar o Block III…
http://www.infodefensa.com/latam/2012/12/10/noticia-la-marina-de-guerra-del-peru-adquiere-misiles-antibuque-exocet-mm-40-bloque-iii.html
Que bom para o Peru. Mas pelo preciso do Block 3 teriamos como eles poucas unidades.
Portanto, prefiro fazer no Brasil por um custo menor e o mais importante: Nós determinamos a quantidade. Em vez de meia dúzia, teremos uma quantidade de respeito. Paiol anda guerra ,seja ela na terra no ar ou no mar.
No futuro, após dominamos essa área, nada nos impedirá de seguir para o Ramjet.
Concordo contigo…
Nossaa massa heimmmmm o exocet ainda surpreendendo e acredito que ainda continuará sendo assim. o brasil poderia colocar em toda a costa brasileira estes mísseis p/ balançear nossa força naval ,já q o brasil possui pouquíssimos navios ,fragatas de lançamento isso ajudaria muito na defesa.
Se eu não tiver enganado o seu alcance é de 43km depois da remotorização creio que as novas corvetas e fragatas quando ficarem prontas só Deus sabe quando já devem ser equipadas com o MAN- SUP.
O alcance do míssil original Exocet MM40 que a marinha possui é de 70km, parece que com a remotorização aumentou para algo em torno de 75 km…
Ate onde eu sei e 70km.
MM-40 block 1 alguem lembra ou sabe o alcance dele com motor made in BRASIL ?
Alguém está informado da quantidade de mísseis Exocet que foram/serão remotorizados no Brasil?
Augusto, essa informação é sigilosa. Nenhuma Força fornece este tipo de informação. Não se pode dar de presente ao “inimigo” esta info, concorda?
Se tudo correr como planejado, a Marinha do Brasil deverá lançar o primeiro protótipo de seu Míssil Antinavio Nacional de Superfície, MAN-SUP, em 2017.
Parabens a mb. Alguem sabe a que pe anda o projeto man. O que falta e os prazos.
Isso é classificado. Não temos ainda essa info. Mas saiba que está andando e bem.
Ótimo artigo. Destaco este ponto:
“A atuação da MBDA foi exemplar, respondendo as dúvidas com franqueza e honestidade e fornecendo todas as informações necessárias e suficientes para que a AVIBRAS produzisse um novo motor, que nada tem há ver com o antigo, pois não é sua engenharia reversa…”
Sem engenharia reversa. Ótimo.
Sem comentarios…..soh aplausos!!!!!!!!!!!
Vitória da tenacidade, do arrojo, da persistência, da seriedade, do estudo e da pesquisa. São exemplos como esse que ainda dão esperança de um futuro melhor para o nosso País.
E um grande passo dado, mas que precisa de continuidade para vir a constituir-se em exitosa jornada.