DISSUASÃO
1 – Introdução
A compreensão do conceito de dissuasão, além de seu evidente interesse acadêmico, tem para o Brasil uma relevância particular derivada do papel principal que ocupa na Política de Defesa Nacional (PDN) atualmente em vigor. Com efeito, a mesma, em seu capítulo 6, Orientações Estratégicas, item 6.2, declara que:
“A vertente preventiva da Defesa Nacional reside na valorização da ação diplomática como instrumento primeiro de solução de conflitos e em postura estratégica baseada na existência de capacidade militar com credibilidade, apta a gerar efeito dissuasório” (PDN, 2005).
Na Estratégia Nacional de Defesa (END) em vigor podemos ver a importância de compreendermos o que significa tal termo, pois sua Diretriz nº. 1 especifica:
“Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional.”
Ainda:
“Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater. A tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alternativa ao combate. Será sempre instrumento do combate.”
Na proposta de atualização da PDN, transformando-a em Política Nacional de Defesa (PND), enviada recentemente ao Congresso Nacional, em seu capítulo 7, Orientações, item 7.12, consta que:
“À ação diplomática na solução de conflitos soma-se a estratégia militar da dissuasão.”
A proposta de revisão da END, também enviada ao Congresso Nacional, mantém os termos da Diretriz nº. 1 acima citada.
Soma-se à PND e à END o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), apresentado ao Congresso Nacional pela primeira vez em 2012, como um novo documento esclarecedor sobre as atividades de defesa em nosso país.
No mesmo podemos ler em seu capítulo 2, O Ambiente Estratégico do séc. XXI, página 51:
“Dotado de uma capacidade adequada de defesa, o Brasil terá condições de dissuadir agressões a seu território, a sua população e a seus interesses, contribuindo para a manutenção de um ambiente pacífico em seu entorno.”
Em seu capítulo 3, A Defesa e o Instrumento Militar, na página 53, vemos:
“A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) constituem marcos legais que orientam a organização e a modernização do instrumento militar brasileiro, bem como seu preparo e emprego, de forma condizente com a estatura político-estratégica do Brasil. Esses documentos definem a postura estratégica dissuasória adotada pelo País, que prima por uma política ativa de diplomacia voltada para a paz e o desenvolvimento, para a manutenção da relação de amizade e cooperação com os países vizinhos e com a comunidade internacional, baseada na confiança e no respeito mútuos.”
E ainda:
“No que se refere ao cenário internacional, a vertente preventiva da Defesa Nacional reside na valorização da ação diplomática como instrumento primeiro de solução de conflitos e em postura estratégica baseada na existência de reconhecida capacidade militar, apta a gerar efeito dissuasório.”
Mas como compreendemos tão importante conceito?
2 – Os Clássicos
A publicação MD35-G-01, GLOSSÁRIO DAS FORÇAS ARMADAS, 4a Edição 2007, define o termo dissuasão da seguinte maneira:
“DISSUASÃO – Atitude estratégica que, por intermédio de meios de qualquer natureza, inclusive militares, tem por finalidade desaconselhar ou desviar adversários, reais ou potenciais, de possíveis ou presumíveis propósitos bélicos.”
Mas esta definição é suficiente para compreendermos toda a amplitude do conceito?
Creio que não.
Segundo André Beaufre, um dos mais importantes estrategistas contemporâneos, em seu livro Disuasión y Estratégia:
“A dissuasão tende a impedir que uma potência adversa tome a decisão de empregar suas armas ou, mais genericamente, que atue ou reaja frente a uma situação dada, mediante a existência de um conjunto de dispositivos que constituam uma ameaça suficiente. Portanto, o que se busca com esta ameaça é um resultado psicológico.”
A dissuasão, portanto, não reprime fisicamente a um inimigo, mas o reprime psicologicamente. Baseia-se na criação na mente do oponente de um efeito psicológico que funciona em dois tempos: ao obrigá-lo a fazer um cálculo das reais possibilidades de vencer, que surge na comparação de suas capacidades com as nossas, e no temor aos riscos de um possível conflito, que emerge de uma combinação do cálculo anterior com outros elementos intangíveis, tais como o prestígio militar de nossas Forças Armadas, da determinação brasileira de afrontar a ameaça, da formação cultural do povo no tema defesa, da eventual duração de uma guerra e da instabilidade criada no Sistema Internacional após o término do conflito.
Nas palavras de Raymond Aron, em sua obra Paz e Guerra Entre as Nações:
“Ser dissuadido quer dizer: preferir a situação resultante da inação à que resultaria da ação, na hipótese de que esta acarretasse as conseqüências previstas, isto é, no plano das relações internacionais, a execução de uma ameaça implícita ou explícita. Um Estado será tanto mais sensível à dissuasão quanto mais acreditar na execução da ameaça pelo adversário; quanto maiores forem os danos causados por essa execução e quanto mais aceitável parecer a alternativa da inação.”
O êxito da dissuasão depende, ainda segundo Raymond Aron, de três fatores: um psicológico, significando que quem dissuade convence o agressor potencial de que sua ameaça é séria; um técnico, que ocorrerá na hipótese de que a ameaça seja concretizada; e um político, que se baseia na relação custo/benefício das vantagens ou desvantagens que resultariam, para o Estado objeto da dissuasão, de sua ação ou inação.
O fator técnico varia com o progresso dos armamentos; o fator político depende das circunstâncias diplomáticas e também das armas que estão em jogo; e o fator psicológico é função dos outros dois e do resultado, muitas vezes indeterminado previamente, da prova de vontades.
3 – Visão Brasileira na Atualidade
Em sua aula magna para os Cursos de Altos-Estudos Militares das Forças Armadas (FA), intitulada “A Política de Defesa de um País Pacífico”, disponível na revista da Escola de Guerra Naval, edição nº. 18, de junho de 2012, o Ministro da Defesa, Embaixador Celso Amorim, emitiu os conceitos que nos interessam:
“Mas a política de defesa deve estar preparada para a hipótese de que o sistema de segurança coletivo baseado em normas venha a falhar, por uma razão ou por outra – como de resto tem ocorrido com indesejável frequência. Essa é uma das razões pelas quais devemos “fortificar” nosso poder brando, tornando-o mais robusto. Por isso, nossa estratégia regional cooperativa deve ser acompanhada por uma estratégia global dissuasória frente a possíveis agressores.”
Também:
“Forças Armadas bem equipadas e adestradas protegerão nossos ativos contra ataques militares; serão imprescindíveis, também, para garantir nossa incolumidade diante de conflitos entre terceiros países, que podem nos afetar de diversas maneiras. Um conceito essencial da Estratégia Nacional de Defesa é o de que a capacidade dissuasória do Brasil deve fazer com que o hipotético adversário ou agressor reflita sobre as consequências de eventual ato hostil a nosso país.”
Ainda:
“Deve ser evidente que toda e qualquer agressão – sob qualquer pretexto – terá um custo muito alto para quem a perpetrar. Repito: não vejo como um ato desse tipo possa partir de qualquer de nossos vizinhos sul-americanos ou mesmo latino-americanos. Mas uma capacidade dissuasória crível em termos globais é crucial para evitar a concretização de hipóteses adversas. A inexistência dessa capacidade pode, ao invés de ajudar a construir a paz, ser fonte de instabilidade e conflito.”
E por fim:
“O sucesso de nossa estratégia dissuasória, e também de nossas iniciativas de cooperação, depende de termos marinheiros, soldados e aviadores perfeitamente capacitados para o desempenho de suas missões.”
Vemos que se o Brasil não é o agressor em um conflito, se aspira a obter seus objetivos pela via da negociação e dos acordos, sua alternativa a uma Estratégia de Força é uma Estratégia de Dissuasão, significando uma estratégia que renuncia empregar a força, ou a ameaça do uso da mesma, dentro de uma relação, que se orienta a criar e manter uma condição de paz e que tenta assegurar que a alternativa política que adotem seus oponentes, ou competidores, seja da mesma natureza.
O objetivo de uma estratégia de dissuasão é então desincentivar, ou melhor, reduzir a alternativa do uso da força como opção aceitável por parte de um adversário, para impor-nos sua vontade em um assunto em disputa.
Nunca é demais repetir que a dissuasão exige que o poder militar inspire credibilidade e que o provável oponente acredite nisso. Trata-se de atuar no psicológico do mesmo, em um trabalho contínuo de demonstração de capacidade operacional, garantindo que exista a percepção externa de nosso poder de retaliação e de decisão. A dissuasão não ocorrerá apenas pelo efeito da demonstração de capacidade militar. Outros fatores serão indispensáveis para sua ocorrência, exigindo atitudes e ações de todas as expressões do Poder Nacional como, por exemplo, vontade política determinada, existência da crença de que, se necessário, o país atuará energicamente, empregando o Poder Militar na defesa dos interesses nacionais, demonstrando que o povo acredita em seu governo e estará disposto ao sacrifício necessário decorrente de um conflito perante uma ameaça à soberania nacional.
4 – Nossas FA dissuadem?
Uma pergunta imediata a ser feita, ao lermos as definições e as manifestações do Ministro da Defesa contidas nos itens anteriores, é se nossas FA cumprem com tais requisitos, se realmente dissuadem uma possível ameaça.
Não vamos aqui fazer um estudo profundo das capacidades existentes hoje em nossas FA, mas podemos fazer uma rápida análise baseada em eventos recentes e no material disponível.
a) Marinha
Nossa Marinha mantém uma fragata no Líbano, com sua dotação de guerra completa, operando sob mandato das Nações Unidas (UN), apoiando-a logisticamente, a grande distância de nossas bases, com sua tripulação demonstrando estar perfeitamente treinada para operar em um ambiente totalmente diverso do qual estamos acostumados.
Também participa de operações internacionais, como Unitas, Atlasur e IBSAMAR, entre outras, enviando fragatas, corvetas e submarinos para operarem com Marinhas de primeira linha em outros oceanos. Lembremos que tais exercícios contribuem enormemente para dissuadir potenciais intenções hostis, pois se ajustam perfeitamente no conceito de trabalho contínuo de demonstração de capacidade operacional, garantindo que exista a percepção externa de nosso poder de retaliação e de decisão.
Possui um Corpo de Fuzileiros Navais aprestado como Força Expedicionária, altamente treinada, motivada e com grande espírito de corpo. Está presente no Haiti (assim como nosso Exército), demonstrando o elevado nível de seu treinamento e profissionalismo.
Isto demonstra capacidade logística, treinamento, doutrina, determinação em manter-se atualizada e de continuar a ser uma Marinha de águas azuis, contribuindo cabalmente para dissuadir intenções hostis.
Mas a foto abaixo, de uma fragata T-22 brasileira a contrabordo de uma fragata T-45 britânica, durante a última operação Unitas, mostra o GAP tecnológico e de capacidades existente entre nossos meios e os meios atuais de outras marinhas, GAP este que permanecerá até a aprovação pelo Poder Executivo do Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (PAEMB).
Então, se aplicarmos o que nos mostrou Beaufre – uma comparação de capacidades com as nossas forças – estaremos em clara desvantagem, desvantagem esta que contribui para que a opção militar contra uma posição brasileira seja levada em consideração.
b) Exército
Nosso Exército mantém um grande contingente no Haiti (assim como a Marinha), operando sob mandato das UN, mantido logisticamente por brasileiros, treinado em alto nível, tanto que obteve sucesso onde outros exércitos falharam.
No momento em que escrevo este artigo está ocorrendo a operação Ágata 6, com mais de 6.000 homens desdobrados na fronteira oeste, dando apoio à outros órgãos nacionais e fazendo cumprir a lei.
Possui Forças Especiais e de Paraquedistas altamente treinadas e preparadas para atuarem em qualquer ambiente.
Está iniciando um processo de transformação de suas brigadas motorizadas em brigadas mecanizadas, o que elevará enormemente a capacidade de ação destas tropas.
Isto demonstra cabalmente treinamento de alto nível, capacidade logística, atuação em todo o território nacional e no exterior, se necessário, doutrina atual e alta motivação.
Tudo isto contribui para dissuadir intenções hostis contra nosso país.
Mas, na área material, novamente aparece o GAP que nos separa de exércitos mais modernos. Nossos soldados ainda usam o venerando FAL, nossos carros de combate mais modernos, os Leopard 1A5, adquiridos de segunda mão na Alemanha, apesar de elevarem o padrão de nossas forças, não se comparam, p.ex., ao Leopard 2A4 existente na América do Sul, ou a outros carros que dotam exércitos mais modernos e nossa artilharia AA praticamente inexiste.
Mais uma vez a comparação de capacidades, com exércitos mais modernos, materialmente nos é desfavorável, contribuindo para que a opção militar seja levada em conta. E, mais uma vez, a solução está na aprovação do Plano de Articulação e Equipamento apresentado pelo Exército ao Executivo.
c) Força Aérea
Nossa Força Aérea acaba de realizar um grande exercício noturno de simulação de combate, operando missões em “pacotes”. Apóia com seus aviões de transporte nossas forças no Haiti e na Antártica, realizou a retirada de brasileiros durante conflitos no Oriente Médio, atua em todos os ambientes operacionais, seja na selva, no frio ou sobre o oceano Atlântico e possui controle radar sobre todo o território nacional.
Ainda opera em exercícios multinacionais, como a Red Flag, Cruzex, Salitre, entre outros, demonstrando alto padrão de treinamento, doutrina, comprometimento de seu pessoal e capacidade logística.
Mais uma vez caímos no GAP material e na comparação de capacidades com forças mais modernas. A foto abaixo mostra um F-5M ao lado de F-16, de Mig-29 SMK, de SU-30, todos existentes na América do Sul.
E, mais uma vez, tal situação somente será corrigida quando aprovado o Plano de Articulação e Equipamento entregue ao executivo, notadamente o Programa FX-2. Este Programa é de vital importância para que a Força readquira sua capacidade dissuasória pois, em se tratando de uma FORÇA AÉREA, sua aviação de caça é imprescindível para a garantia de nossa soberania.
5 – Conclusão
Vimos como o conceito “dissuasão” está presente em todos os documentos de alto nível da defesa.
Tentamos entender o que significa tal conceito, primeiro mostrando como o descreveram estrategistas altamente conceituados como André Beufre e Raymond Aron.
Mostramos a visão atual brasileira, vinda das palavras do Ministro da Defesa Celso Amorim, onde “dissuasão” é o fulcro da estratégia de defesa nacional.
Analisamos superficialmente as FA brasileiras e sua capacidade de dissuadir intenções hostis contra uma política nacional e chegamos a conclusão que um grande GAP material existe e que sua supressão depende da aprovação, pelo Poder Executivo, dos Planos de Articulação e Equipamento apresentados pelas FA ao Ministério da Defesa.
Para encerrar, deixo uma frase proferida por um grande brasileiro, o Barão do Rio Branco, para o caso de nossos decisores políticos lerem este despretensioso artigo:
“A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo.”
É proibida qualquer reprodução dos artigos publicados nesta Coluna sem a expressa autorização de Defesa Aérea & Naval e seu autor.
Parabéns pelo artigo. É bem interessante observar como o tempo e a evolução, especialmente a tecnológica faz mudar alguns conceitos e até mesmo derrubar algumas afirmativas. Com relação a frase “A tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alternativa ao combate. Será sempre instrumento do combate.” atualmente esse conceito está ultrapassado, pois quanto mais dependência cibernética uma Nação possuir, mas vulnerável ela estará. Resumidamente, um país cuja infraestrutura física (redes elétrica, de transportes, logística, bancária, militar e etc), por exemplo, esteja interligada a Internet, o torna um potencial alvo a uma guerra cibernética, e possivelmente sem proporcionar grande chance de uma reação por meio de uma guerra cinética. Logo, no cenário atual, podemos afirmar que a avançada tecnologia pode ser uma alternativa ao combate supramencioado, o qual dar a entender ser uma referencia à guerra cinética. Agradeço pela atenção dispensada.
Perfeito.Preocupante realmente o Gap estre nossos meios e de nações mais avançadas, não falo da vizinhas porque também não vejo ameaças ou condições de fazer frente ao Brasil.Agora o que preocupa mesmo é que meios modernos não se fazem da noite para o dia, e muito preocupante também não determos tecnologia própria que nos torn infdependentes de fornecimento de outrso países que em momento crucial podem negar armamento ou munição.Ademais as Malvinas estão aí para lembramo-nos do caso dos exocets argentinos que tiveram seus códigos base dados pelos gfranceses aos ingleses.Na ártea aeroespacial também devemos avançar e rápido para termos lançadores de satélites de comunicação, vigilância e demais itens de defesa, bem como de mandar um recado de que poderemos se necessário fazer uso de misseis balisticos de longo alcance ou ICBMs.Realisticamente também deixando transparecer que dominamos completamente o ciclo nuclear e temos capacidade de fazermos artefatos termonucleares e só não o fazemos por desejo soberano intimida, pois fica implicito que em caso extremo poderiamos ser forçados a lançar mão deles.Sejamos pragmáticos e realistas.