Por Carlos Drummond
Há cerca de 40 anos, a Marinha do Brasil iniciou o seu programa nuclear, que se confunde com o do País. Não havia alternativa, pois as potências mundiais detentoras dessa tecnologia estratégica jamais a transfeririam para outras nações. A decisão não poderia ser mais acertada. O primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro, com projeto básico concluído neste ano e lançamento ao mar previsto para o fim da próxima década, será o meio mais eficaz para defender o polígono do Pré-sal e outras riquezas da Amazônia Azul, esclarece o Almirante-de-esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. Na entrevista a seguir, ele detalha os riscos a que estão sujeitos aqueles recursos naturais fundamentais à soberania.
CartaCapital: Como surgiu o Programa de Desenvolvimento de Submarinos?
Bento Costa Lima Leite: A Marinha desenvolve, desde o fim da década de 1970, o seu programa, que visa exclusivamente chegar à propulsão nuclear naval. Entre 2007 e 2008, o Brasil tinha uma presença marcante no contexto internacional e alguns países tentaram uma aproximação, eu diria, até estratégica, o que levou ao acordo entre Brasil e França, com transferência de tecnologia. As condições econômicas do País também permitiam iniciar um programa dessa magnitude.
CC – O que o PROSUB inclui?
AE Bento – A transferência de tecnologia para o estaleiro de construção e manutenção, um complexo radiológico, a construção de quatro submarinos convencionais e do submarino brasileiro de propulsão nuclear. A propulsão nuclear e a parte de sistemas e equipamentos não estão incluídas na transferência de tecnologia, isso cabe única e exclusivamente ao Brasil. Daí termos iniciado há praticamente 40 anos o nosso programa nuclear, pois sabíamos que jamais se transferiria ao Brasil essa tecnologia, muito menos o seu desenvolvimento.
É importante ter isso em mente. O índice de 95% de nacionalização mostra que a transferência de tecnologia foi extremamente exitosa. Transferência de tecnologia não é como se fosse um pacote, pois é indispensável ter capacidade de absorvê-la. Essa capacidade resulta da experiência passada de construção de submarinos e da existência de vários centros tecnológicos e de profissionais de excelência no Brasil, no ramo de engenharia. No que diz respeito ao submarino de propulsão nuclear, nós não tínhamos a capacitação em projetos.
O último navio que projetamos e construímos foi a corveta Barroso, que levou 14 anos desde o projeto concluído até o produto final, entre 1994 e 2008. Um tempo excessivo, pois, quando o navio fica pronto, já tem de sofrer outra modernização, para ficar no estado da arte. Em janeiro, concluímos o projeto básico do submarino de propulsão nuclear. O Riachuelo, primeiro submarino convencional do programa, será lançado até o fim do ano que vem.
CC – Na parte de energia nuclear, o que a Marinha precisou fazer para chegar ao PROSUB?
AE Bento – O Brasil comprou projetos prontos para as usinas nucleares, um americano e outro alemão, e fez Angra I e Angra II. Em termos de desenvolvimento, os interesses do Brasil transcendem a zona de exclusão econômica, pois 95% do comércio com o mundo é feito pelo mar e praticamente nada foi feito. A Marinha, para chegar à propulsão nuclear, teve de desenvolver, em primeiro lugar, o ciclo completo do combustível, desde o minério até o enriquecimento do urânio e a transformação deste em pastilhas para propulsão, entre 1979 e 1988. Para a propulsão propriamente dita, tivemos ainda de desenvolver reatores nucleares de potência. A Marinha liderou o processo, em parceria com a USP e o Instituto de Pesquisas Energéticas, entre outros.
CC – O programa corre o risco de interrupção no contexto atual de fortes restrições orçamentárias?
AE Bento – Não vejo esse risco. O Brasil é um dos dez maiores países do mundo em território, população e economia, e pode até descontinuar o programa e depois retomá-lo, mas o custo disso para a sociedade seria muito grande, em razão da sua complexidade.
CC – Como a construção de submarinos se insere num projeto de País?
AE Bento – Há várias inserções, inclusive naquilo que proporciona em termos de desenvolvimento relacionado a arrasto tecnológico e fomento industrial. O ponto primordial, entretanto, é de que o programa de submarinos é essencial à defesa dos interesses do Brasil no mar, que são muito amplos, a começar pela zona econômica exclusiva de 4,5 milhões de quilômetros quadrados. Na verdade, ele transcende essa área, pois perto de 95% do comércio brasileiro com o mundo é feito por mar, com Ásia, Europa, Estados Unidos e América do Sul. O submarino é uma arma por si só de dissuasão.
E o submarino de propulsão nuclear proporciona ao poder naval uma dimensão ampla, de estar presente em qualquer lugar que se faça necessário. Isso garante ao País um poder de dissuasão muito grande naquilo que conflite com seus interesses.
CC – Alguns especialistas alertam que o Brasil, com o Pré-sal e demais recursos no oceano, está na interface de embate dos principais blocos geopolíticos, o estadunidense-europeu e o russo-chinês. Faz sentido identificar aí a grande importância de se manter a incolumidade dos domínios marítimos brasileiros?
AE Bento – Faz todo sentido. Considere-se ainda que 10% da carga mundial passa por portos brasileiros, um dado estatístico incontestável. A carga embarcada aqui ou que passa pelo País transita em todos os mares do mundo. O Brasil, não falo agora de submarinos, deve ter condições de preservar seus interesses e suas rotas comerciais, independentemente dos blocos geopolíticos. As condições para isso incluem, entretanto, programas da magnitude do PROSUB, entre outros previstos na Estratégia Nacional de Defesa, a exemplo daquele de desenvolvimento de navios de superfície, também de grande complexidade tecnológica. A propósito, um país como o nosso não pode deixar de preservar sua independência por meio da tecnologia e do desenvolvimento que vêm agregados a isso.
CC – O senso comum diz que o Brasil é um país pacífico, nunca atacará nem será atacado. Isso dificulta a conscientização da sociedade sobre a necessidade de o País estar preparado para se defender?
AE Bento – Sem dúvida. Poucos se dão conta de que o País participou das duas guerras mundiais e é muito reconhecido no exterior por conta da sua atuação. Na Segunda Guerra Mundial, nossa Marinha foi encarregada da proteção de todos os comboios até o Caribe, e a partir dali os Estados Unidos assumiam a escolta da frota comercial da Europa e de outras regiões.
Algumas singularidades chamam atenção. Poucos países estabelecem na Constituição que se abrirá mão do armamento nuclear e a Marinha Brasileira é a única do mundo com um programa nuclear sob a salvaguarda da Agência Internacional de Energia Atômica e da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. A definição constitucional talvez contribua para aquela crença de que não seremos ameaçados, mas algumas décadas atrás a Guerra das Malvinas, aqui no Atlântico Sul, mostrou que, quando interesses são contrariados, principalmente aquelas nações que têm Forças Armadas expressivas, não deixam passar em branco.
Mas o Brasil tem amadurecido nesse aspecto, como mostra o estabelecimento, em 2008, da Estratégia Nacional de Defesa, com a participação do meio acadêmico, de intelectuais e representantes das Forças Armadas, exaustivamente discutida e referendada pelo Congresso Nacional. O próprio PROSUB não foi alvo de objeções relevantes no Parlamento. Nós precisamos ter capacidade de manter a segurança sobre tudo aquilo que diz respeito aos nossos interesses.
CC – Quais são as ameaças mais prováveis ao País?
AE Bento – A guerra cibernética e o terrorismo internacional. O Brasil é hoje o maior produtor de petróleo da América Latina. Superamos a Venezuela e o México, com o Pré-sal. Imagine um atentado a esse patrimônio do País, que fica de 150 a 200 quilômetros da costa, se não houver capacidade de defendê-lo. Pensemos no que isso poderia causar à economia brasileira e para as nações que importam o nosso petróleo. Uma das maiores preocupações em relação aos navios de guerra é hoje a guerra cibernética, pois um vírus pode comprometer toda a capacidade de combate. Por outro lado, ameaças de blocos, mesmo de países, felizmente não temos no momento. Mas nada diz ou significa que não ocorram no futuro.
CC – Por quê?
AE Bento – Porque o Brasil tem água, biomassa, minérios, e é um dos celeiros do mundo ao lado de Estados Unidos, Austrália e Argentina. Pode haver algum conflito de interesses e sermos instados a defendê-los. Alguns países têm grande extensão territorial, à semelhança do Brasil, mas não contam com recursos naturais em abundância. Isso por si só pode gerar algum tipo de interferência econômica na exploração dos nossos recursos. É uma ameaça intangível que a sociedade nem sempre consegue visualizar. Estamos um pouco afastados do eixo mundial e isso dificulta a percepção de que fazemos parte desse contexto também.
CC – O País sofre uma onda de desnacionalização, inclusive de campos de petróleo. Não seria uma interferência econômica prejudicial ao patrimônio do Pré-sal e da Amazônia Azul?
AE Bento – Eu não vou entrar nesse aspecto econômico de desnacionalização ou não. O ponto mais importante não é se é meu ou se é seu, mas, se está aqui, eu tenho de ter condições de defendê-lo e protegê-lo. E, hoje em dia, o País não tem condições, se não dispõe de um poder naval capaz, de defender o pré-sal, caso ele fique sob ameaça. O Brasil precisa ter meios e competência para defendê-lo e mostrar a quem quer que seja que temos essas condições.
CC – Qual é o papel da Odebrecht no programa?
AE Bento – Eu diria que a Odebrecht é uma das grandes responsáveis pelo êxito do programa até agora. Todas as obras civis foram feitas por essa empresa, utilizando, evidentemente, a técnica passada pelos franceses do arranjo do estaleiro e da base dedicados à construção de navios de guerra, principalmente de submarinos. A Odebrecht foi escolhida pelos próprios franceses para ser parceira deles.
CC – Qual o papel do almirante Othon no Programa Nuclear da Marinha?
AE Bento – O almirante Othon deixou o serviço ativo da Marinha em 1994 e hoje está reformado. Ou seja, está fora da Marinha há 23 anos. Entre 1978 e 1994, foi ele, entretanto, quem conduziu o Programa Nuclear da Marinha. Em 1988, dominamos o ciclo completo do combustível nuclear. Sem dúvida, ele teve um papel muito importante nessa conquista tecnológica para o País. Recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, a maior condecoração do País na área de ciência e tecnologia, em reconhecimento por tudo que ele fez no desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro.
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FONTE: Revista Carta Capital
O senso comum está mais para o politicamente correto do que uma ilusória tradição pacifista. O almirante não mencionou que a parceira do prosub é a mesma arrogante França que provocou a Crise da Lagosta na década de 60.
Não exagera César! Esse interesse no submarino nuclear é antigo, assim como o desinteresse do país por sua própria soberania. Trata-se de um projeto de longo prazo (tanto o PNM quanto o Prosub), noção que falta aos nossos políticos como executores e da sociedade como eleitores. Lembre-se, o Lula politizou até o enterro da própria companheira! Então para um homem que só pensa em poder a esse ponto: de boas intensões o inferno está cheio.
O Lula não concluiu o FX2 alegando pensar nos pobres, o que não faz sentido já que não tem nada a ver uma coisa com a outra, além de não ter fechado o prosuper com a Itália. Levou dois mandatos (quase uma década) para não decidir nada do FX2! E quando parecia que ia decidir meteu os pés pelas mãos. A própria Dilma só foi concluir a concorrência no final do primeiro mandato. Além disso um presidente não faz mais do que a obrigação de cuidar dos interesses do país. Digo isso não apenas como argumento mas também como fato: construir portos em Cuba com nosso dinheiro não foi nada bom, o pior é que eu já votei no pt – pra nunca mais!.
Enfim César, eu também pensava como você mas percebi que não é assim que a banda toca, além de ser desafinada com a realidade política do Brasil (que deveria ser capitalista e não socialista). Não é tão simples como você faz parecer, a politica é e sempre foi um campo muito complexo da humanidade porque envolve muitos interesses pessoais, não apenas nacionais.
Talvez por acharem simples é que muitos acabam quebrando a cara.
A única coisa que o cacique da OrCrim conseguiu viabilizar foi a continuidade do projeto criminoso de assalto ao Estado levado a cabo em conluio com o Cartel de empreiteiras. Não è à toa que ja é réu em nada menos que 07 (sete) processos sendo que já ostenta uma condenação, algo que sempre constrange os convertidos aos quais me referi..?
Parece que a matéria bem editada, informativa e objetiva da Carta Capital sobre o ProSub andou a irritar muita gente…
Dói muito a constatação factual de que foi Lula o viabilizador do sonho do Submarino Nuclear Brasileiro. Enquanto isso o herói dos descerebrados presta continência à bandeira dos EUA…
Simples assim.
Dá para entender a raiva deles.
Áh, chega de palhaçada, a Amazônia é nossa, o Pré-Sal idem, e temos competência e tecnologia para defendê-los, basta vontade . . . .
Fabio CDC a carta caPiTal não quer na verdade elogiar a MB mas sim querer incutir na cabeça de seus leitores (embora se trate de pregação para convertidos) que a MB apenas está desenvolvendo um programa nuclear pela suposta “boa vontade” da OrCrim que governou o Brasil de 2003 a 2016.
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Ademais, o próprio título (Milagre Brasileiro) é de um mau gosto ímpar pois remete à Ditadura Militar….
Uma revista como a Carta Capital elogiando, na capa, uma organização militar?
Morro e não vejo tudo…
Teste
Boa matéria, parabéns a Carta Capital pela edição e ao DAN também, pela reprodução
em seu site…
Quem pensa que a carta caPiTal, outrora carta estatal, tem com essa matéria o propósito de informar o seu (incauto) leitor está redondamente enganado! Atualmente a revista passa por sérios problemas financeiros e corre o risco real de fechar posto que além de não vender (suas edições encalham nas bancas) perdeu a mamata do dinheiro fácil do Lulopetismo e, nesse espírito a matéria tem por finalidade principal em verdade fazer propaganda da OrCrim travestida de partido político que governou o Brasil de 2003 a 2016 como faz prova o próprio direcionamento das perguntas, especialmente aquela que alude à ameaça de paralisação do projeto no atual contexto de restrições orçamentárias e na afirmação (risível) de que a revogação do obtuso regime de partilha do Pré-Sal provocaria a “desnacionalização” do mesmo. O mesmo se dá quando se faz menção à famigerada empreiteira líder do cartel, não custando lembrar que a pedido do cacique da OrCrim a mesma pagou à carta caPiTal 3 milhões de reais oriundos diretamente do Departamento de Operações Estruturadas (o famigerado “departamento da propina”) e também na menção ao VA Othon. Salvo quanto à empreiteira líder do cartel que sequestrou o Estado Brasileiro em conluio com a referida organização criminosa travestida de partido político o Almirante Bento Costa safou-se bem. A verdade é que se houvesse honestidade na matéria e o real propósito de informar o entrevistador teria perguntado ao Almirante Bento de que maneira o PROSUB impactava no investimento e custeio do restante dos programas da Marinha afinal o que vemos no cenário atual é a baixa disponibilidade da MB e baixa de navios que não é reposta com novos meios.
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Ps: Àqueles que concordam com a assertiva da revista de que estaria havendo “desnacionalização” do Pré-Sal eu sugiro a leitura do art. 20, IX, do famigerado “livrinho”……